Temperaturas três graus acima da média fazem rosas e margaridas desabrocharem nas cidades do norte da Itália, mudando a paisagem invernal do país
O clima não dá trégua à natureza. Os meses de dezembro de 2014 e de janeiro de 2015 foram de um inverno com ares primaveris. Se o gelo polar chegou por alguns dias na virada do ano, a repentina queda das temperaturas durou pouco e não foram suficientes para impedir o processo natural desencadeado pelo calor atípico. A grande amplitude térmica apenas comprovou que algo está fora da ordem. E a natureza teima em se adaptar. Flores de primavera desabrocham em pleno inverno no norte do país. Os italianos tomam banho de mar no sul. Os especialistas confirmam que o ano que passou foi o mais quente da recente história meteorológica italiana, europeia e mundial — atestam os institutos científicos de todas as latitudes e longitudes, do Japão à Inglaterra. As consequências são vistas a olho nu de uma confluência de causas, distantes milhares de quilômetros: o fenômeno do El Ninõ, no Pacífico, com águas que esquentam o planeta em banho-maria e ocasionam o aquecimento da calota polar do Ártico, sem falar no famigerado efeito estufa provocado pela poluição industrial e urbana e por aí vai.
Uma caminhada pelos bosques e parques da Itália revela uma natureza em flor. Como se o relógio biológico das plantas estivesse muito adiantado ou muito atrasado. Muitos canteiros urbanos das cidades continuam floridos e não apenas com flores de inverno. As rosas, por exemplo, ainda estão se abrindo. Elas encontram abrigo nas pequenas “ilhas de calor”, ao redor dos prédios e do asfalto. Os botões desabrocham sem nenhuma cerimônia e sob temperaturas baixas, diante de atônitos italianos encapuzados e cobertos dos pés à cabeça. Brancas, vermelhas e laranja, elas contrastam com o cinza dos edifícios e o preto do asfalto, cores fortes da selva urbana milanesa. Muitos arbustos de outras espécies já estão com as flores prontas para esta abertura de primavera antecipada.
Mas o que chama a atenção é a aparição, ou quase assombração, das margaridas típicas dos campos. Elas simbolizam, ao máximo, a nova estação, adiantada friamente. No começo, surgiram com alguma timidez. Com o sobe e desce das temperaturas acima da média, as pequenas flores, de pétalas brancas e núcleo amarelo ganharam confiança e parecem perder o medo: despontaram no meio das folhas secas caídas no outono. E com uma característica “anormal”: as folhas e o caule permanecem rente ao solo, ou seja, não crescem como de março a maio. O despertar antecipado condena essas flores a uma morte anunciada. Quando o gelo chegar e mesmo que não chegue para valer, elas irão reaparecer na primavera de 2016, ou no próximo inverno, pelo andar da carruagem. A natureza ainda não se adaptou à possibilidade de dar a uma flor duas vidas. Regenerar, sim. Ressuscitar é um milagre não contemplado à flora.
Com a neve fragilizada e instável, se multiplicam as avalanches nos Alpes
As avalanches são o outro lado da medalha “florida”. O norte da Itália chegou a 2015 carregando nas costas uma temperatura 3,5 graus centígrados mais alta do que a média histórica. Os reflexos nos Alpes são evidentes. A começar pela quantidade de avalanches e, consequentemente, de mortes de alpinistas e esquiadores, entre experientes e amadores. Afinal, a neve cai, mas as altas temperaturas não permitem que se torne uma massa compacta. O vento sopra forte e desloca o manto nevado de um lado a outro da montanha. Quando o peso é muito grande sobre uma aguda inclinação, o risco de que o volume se destaque da parede é muito alto.
Basta uma onda sonora transformada em onda de choque, como um helicóptero ou a passagem de um esquiador, para mandar tudo montanha abaixo. Somente nos primeiros 20 dias de janeiro, seis pessoas morreram vítimas de avalanches, em todo o arco alpino italiano. Cinco italianos, no passo Dordona, conseguiram sobreviver, ao contrário de seis franceses que, nos arredores de Ceillac, perto da fronteira, desapareceram sob um gigantesco bloco de neve. Todos eram alpinistas experientes e carregavam um aparelho para enviar sinais de socorro em caso de avalanches. Ou seja, a experiência e a segurança não foram suficientes para evitar o pior.