Em Veneza, uma das atividades preferidas dos habitantes é tomar um vinhozinho comendo uns cicchetti: petiscos que são a versão das tapas espanholas. Um dos lugares mais populares e pitorescos para fazer esse tipo de happy hour veneziano é a Cantina do Mori, que existe há mais de meio milênio. O local é uma espécie de boteco bem simples e escurinho, que se encontra num beco no bairro de San Polo, perto de Rialto, em Veneza. Esse tipo de boteco é conhecido como bacaro. Bebe-se de pé, num balcão. Com uma taça de vinho ou de prosecco, chamada pelos locais de ombra, servem bolinhos de carne ou de berinjela, fundo de alcachofra, queijo ubriaco (que envelheceu no vinho) e outras gostosuras.
Cada hotel em que ficamos deixa uma marca, positiva ou negativa, mas alguma coisa fica. Quando eu era muito novinha, era a fase dos albergues. Alguns anos depois, resolvi me dar um upgrade ficando em pensioni, espécie de pousadas simples, assim chamadas na Itália. Hoje esse conceito se extinguiu, é uma coisa ultrapassada e démodé. Muitas delas modernizaram-se e, ao fazê-lo, retiraram o nome pensione e mudaram para “hotel”. Mas eu adorava mesmo era a velha pensione, nos tempos das liras (baratas!), quando a proprietária mesma atendia os viajantes na recepção, às vezes até de penhoar. Ela era tudo: concierge, porteira, carregadora de malas (se bem que nem sempre), arrumadeira. Era comum não ter banheiros em todos os quartos, mas os banheiros comuns eram limpíssimos. Era como se estivéssemos na própria casa, e a decoração não era minimalista como se vê frequentemente hoje em dia. Cada pensione tinha a sua alma, o seu estilo, seu jeitinho de ser.
Algumas deixaram sua marca com o passar dos anos. Como a Pensione Mimosa, no centro histórico de Roma, a uma quadra do Pantheon. Lembro que pagava uns 38 mila lire por pessoa quando se viajava em dois, ou seja, menos de 20 euros. E lembro que era das mais caras! A dona, uma senhora, nos recebeu com grande cordialidade, e ficaram ótimas lembranças. Hoje virou Hotel Mimosa.
Outra foi a Pensione Svizzera, em Taormina, toda rosada, bem pertinho do funicolare que levava à praia. Quantas amigas eu indiquei para a Pensione Svizzera! E todas deixaram o coração em Taormina, uma das cidadezinhas mais lindas e pitorescas da Sicília.
Foram muitas as pensioni que marcaram minhas viagens ao redor da Itália: a Pensione Il Gobbo em Veneza, a pensione Anna em Santa Margherita Ligure, perto de Portofino, e uma das minhas preferidas, a Pensione Panda em Cortina. Esta última ficou na história. Eu estava viajando com minha mãe num ônibus que levava à Cortina d’Ampezzo, chique cidadezinha escolhida por muitos esquiadores para suas férias. O dono da pensione havia dito para descer um pouco antes da cidade, numa rua chamada Roma. Ora, quando vi a plaquinha da rua Roma, já fui descendo pelos fundos do ônibus pinga-pinga que levava a todas as localidades da área. Não percebi que tínhamos descido uns 25 km antes da cidade. E fazia dois graus abaixo de zero e estava nevando. Liguei do orelhão (tempos de orelhão!) para o dono da pousada, avisando que chegaríamos atrasadas devido ao meu erro de percurso. Mas, para a minha surpresa, o gentil proprietário não nos deixou na mão. Veio nos buscar imediatamente de carro. Outros tempos. Outra mentalidade. Saudade das velhas pensioni, que não transbordavam de luxo, mas onde nunca faltava humanidade.