Orelha de Dionísio
Siracusa tem um parque arqueológico espetacular, o Parque Arqueológico de Neápolis.
Algumas das atrações principais são o Anfiteatro Romano, o Teatro Grego e a Orelha de Dionísio — esta última, uma caverna que tem o formato de uma orelha, escavada por escravos. Segundo a lenda, Dionísio, tirano de Siracusa que viveu entre 405 e 367 A.C., mandava prender os soldados inimigos no fundo da caverna e ficava de longe numa posição perfeita para escutar escondido a conversa deles. A acústica da caverna amplia em 16 vezes o som. Foi o pintor Caravaggio que deu o apelido à caverna.
Arriscando por um Caravaggio
Faz tempo que não faço loucuras. Quando era mais jovem, pegava carona de estranhos em cidades pequenas, coisa que hoje não faço de jeito algum. Confiava nas pessoas com facilidade. Eram outros tempos.
A última loucura que fiz foi quando passei um dia em Siracusa, há seis anos.
Cheguei ao final da manhã na cidade, vindo de Malta. No mesmo dia, à noite, deveria pegar o trem noturno para Roma. Resolvi deixar a mala na estação e ir explorar a cidade. Mas antes, queria almoçar um belo prato de spaghetti com ouriço, de frente para o mar. Caminhando pelas ruas à procura de um restaurante, um rapaz numa moto para e me pergunta: “Oi, como vai?” Eu, respondo “Tudo bem”, por educação, e continuo caminhando. Ele me segue com a moto. Puxa conversa e eu respondo que prefiro ficar sozinha. Finalmente, ele me deixa tranquila. Meus passos me levam até uma rua de pedestres cheia de restaurantes.
Ora, lá está de novo o moço da moto, desta vez, a pé, e se aproxima de novo. Aproveito para perguntar: “Onde se come bem por aqui?” E ele me indica um lugar.
“Eu já almocei, mas posso sentar do teu lado para batermos um papo?”
Consinto. Conversamos sobre tudo. Ele me conta sua vida, seu último amor, uma moça holandesa, pintora, que morou com ele por dois anos, e por quem sofreu muito quando acabou. Trocamos confidências, como é comum entre estranhos em viagem. Depois do almoço, ele se oferece para me levar passear pela cidade. Ao caminharmos, me apresenta alguns amigos. Afinal, estamos no centro de Siracusa e muitos se conhecem. Falamos de arte, digo que estive em Malta e pude ver um quadro magnífico de Caravaggio, a Decapitação de São João Batista.
“Ora, ele diz orgulhoso,” em Siracusa também tem um quadro de Caravaggio, O Enterro de Santa Lucia”. Quer ver? Mas é longe. Precisa ir de moto.”
Fico com receio, não o conheço o suficiente para confiar, mas a vontade de ver o Caravaggio era maior que o medo do desconhecido. Subo na moto em busca do grande Caravaggio. E o quadro vale a viagem. É lindo.
Ao sair da igreja onde fica o quadro, digo a ele:
“Preciso ir a uma farmácia, você pode me levar?
“Do que você precisa?”
“Preciso comprar algo para a viagem…”
“Eu entendo perfeitamente do que você precisa. Eu tenho um pacote lá em casa que minha ex-namorada deixou. É difícil achar farmácia aberta de domingo. Vou te propor algo: você disse que teu trem para Roma sai às onze da noite. Agora são sete. Posso te dar o que você compraria na farmácia e preparar um delicioso prato siciliano. Quer coisa melhor?”
Titubeei, titubeei, mas, no fim, resolvi arriscar. Ainda bem que não apareci no dia seguinte nas notícias de crime. Gaetano foi um gentleman aquela noite. E esse foi o começo de uma grande amizade.