Profondo Rosso
Um filme que marcou época na Itália é Profondo Rosso, de Dario Argento, mestre italiano do gênero horror. Inspirada no nome do filme, uma loja em Roma, no bairro Prati, constitui uma verdadeira loja dos horrores. Vende esqueletos, chaveiros fantasmagóricos, ursinhos de pelúcia assustadores, bonequinhos do Freddy Krueger, Drácula, Frankenstein e Múmia e outros bonequinhos tétricos que vêm dentro de um caixão. Os fãs do gênero podem conferir o pequeno museu dos horrores, a pagamento, no andar de baixo, com itens do set de filmes.
Mas nem só de horrores vive a loja. É um ótimo lugar para comprar uma fantasia de carnaval: de gorila, máscara de vaca, chapéu de viking, roupa de Homem Aranha e do Batman, luvas do Wolverine…
Para se divertir.
O último cartucho do Don Giovanni
Nos meus primeiros dois anos na Itália, ninguém me segurava. Tinha a bota inteira para explorar e eu não parava um final de semana no mesmo lugar. Ah, tem a festa do chocolate em Perúgia? Perúgia, aqui vou eu! O sangue do San Gennaro vai derreter em Nápoles? Nápoles, me aguarde que estou chegando! E, assim, fui mapeando a Itália inteira, visitando as esculturas de alcachofra em Ladispoli na primavera, durante a Festa das Alcachofras; a maior árvore de Natal do mundo, em Gubbio; a Festa da Uva, em Marino, com o vinho branco que jorra das fontes. Tudo o que eu podia, ia descobrindo.
Se o primeiro Carnaval eu passei em Veneza, sonho antigo, o segundo foi em Ivrea, famosa pela Batalha das Laranjas, onde dois times atiram laranjas um no outro. Críticas a este carnaval não faltam. Afinal, tem sempre alguém que acaba se machucando, pois laranja, quando jogada com força, não é mole não.
Ao chegar na cidadezinha de Ivrea, na pensione familiar que eu tinha reservado por uma noite, fui recebida pelo simpático proprietário octagenário com muita cortesia. Conversamos bastante sobre o Carnaval de Ivrea. Ele me deu dicas preciosas, principalmente sobre a famosa feijoada grátis que rolaria na hora do almoço. Oba, começamos bem! Ele disse que o meu quarto não estava pronto, mas que eu podia deixar a mala com ele na recepção e começar meu passeio pela cidade.
Saí para explorar e descobrir as tradições, pois se tratava de um carnaval com grande importância histórica, que comemora a rebelião dos servos contra o senhor feudal, que tinha como imposição a ius primae noctis — ou seja, quando um servo se casava, a primeira noite da esposa tinha que ser passada com o senhor feudal. Quando voltei do meu passeio, exausta, às dez da noite, estava cheia de sacolas de compras, além de minha pesada máquina fotográfica das antigas. O dono do hotel disse: “Por favor, eu a ajudo com tudo isso, levo a sua mala até o segundo andar.” Eu disse que não, mas ele insistiu, e acabei consentindo.
O gentil senhor abriu a porta do quarto e me deu passagem. Depois, fez o que eu nunca poderia imaginar. Entrou atrás de mim no quarto, fechou a porta e veio com os braços abertos em minha direção, querendo me agarrar.
Fiquei apavorada. Fui logo para a porta, abri e o coloquei para fora.
Dentro do silêncio do meu quarto, entrei em paranoia. Ora, ele era o dono do hotel e poderia ter uma segunda chave do quarto. E se decidisse atacar de novo? Coloquei a escrivaninha e a cadeira apoiadas atrás da porta trancada, como se faz nos filmes. Liguei para uma amiga e avisei que, se no dia seguinte, eu tivesse passado desta para melhor, o assassino era ele, o dono da pensione. Foi uma noite de pesadelos.
Mas sobrevivi. Acordei, desci para tomar o café da manhã e pagar a conta, e lá estava ele, ao lado da esposa, com uma cara de santo-do-pau-oco. Foi gentil e perguntou se eu havia dormido bem. O medo e nervoso da noite anterior, pouco a pouco, foram se transformando em compaixão. Afinal, o dono da pensione era somente um idoso um pouco safado. Era noite de Carnaval, e ele viu a brasileira sorridente e pensou com seus botões: Ué, por que não queimar meu último cartucho?