Na estação da pequena cidade de Campiglia Marittima, na Toscana, tem um monumento bem curioso: a escultura de um cachorro. O nome dele era Lampo, a palavra em italiano para relâmpago. Em 1953, em um belo dia, ele desceu de um trem de carga balançando o rabo. O chefe da estação, a pedido da filha, revolveu adotá-lo. O cachorrinho vivia passeando pela estação, pegando trens sozinho e voltava sempre, pois era um cão viajante e retornava sempre à base de seus afetos. Oito aos depois, infelizmente, passeando pelos trilhos, acabou sendo atropelado por um trem. Deixou saudades a todos na estação.
O importante é partir. Seja de ônibus, seja de avião. De navio, de barco, de bicicleta. Se for de trem, para mim, melhor ainda, como já mencionei antes nesta coluna. Na Itália há vários tipos de trem: noturnos, com quartos para uma, duas, três ou quatro pessoas; regionais lentos e às vezes sem ar condicionado e sem horário certo para chegar; Intercity, com paradas nas cidades principais; e Frecciarossa, Frecciabianca e Frecciargento, antigamente conhecido como pendolino, ultrarrápidos (até 300 km/hora) e mais diretos, que ligam, por exemplo, Roma a Milão em duas horas e meia. O único defeito desses trens, sob o meu subjetivo ponto de vista é que não favorecem a conversa entre os passageiros, pois não apresentam compartimentos como no passado, onde algumas poltronas ficavam de frente para outras. Hoje cada vagão tem poltronas viradas para o mesmo lado. A única exceção são as poltronas centrais, que têm uma mesa dividindo os passageiros que ficam de frente para o outro. É o meu lugar preferido, pois, dá para escrever, ler e desenhar, com grande conforto e também observar quem está de frente para nós, conhecidos ou desconhecidos.
Ao voltar da Toscana recentemente, viajei num Intercity que também tinha dessas poltronas centrais e me sentei com meus dois filhos. Tinha um senhor na nossa frente, do outro lado da mesinha, tentando ler um livro de filosofia. Depois de alguns minutos, ficou impossível para ele. Um de meus filhos, Antonio, ficava perguntando o tempo todo: “adivinha o que eu desenhei?” E desenhava um bicho muito raro. Depois, perguntava de novo. O pobre homem não conseguia ler mais de duas linhas do livro, e Antonio perguntava de novo. Pedi desculpas ao senhor por atrapalhar sua leitura e começamos a conversar. Ele falou de sua filha, de seu trabalho, de sua escolha de morar a uma hora de Roma no mar para uma qualidade de vida melhor. Depois de 15 minutos, já na intimidade da conversa, me contou da sua infância, de suas viagens em colônia de férias e de como sofria, pois o esquema da época e da colônia que frequentava era muito triste. Tinha uma freira responsável por 30 crianças e, para não correrem riscos, levavam para fazer um mergulho de somente 15 minutos no mar por dia e depois voltavam para o hotel estilo acampamento. Ele falava com tamanha tristeza que naquele momento o imaginei criança, entrei dentro de seus sentimentos e de sua vida.
Bom, logo Antonio continuou pedindo-lhe para adivinhar outros bichos que estava desenhando. Depois de adivinhar 100 bichos e dividir comigo uma pequena parte de sua vida, ele desceu na sua parada, Santa Marinella, uma cidadezinha que adoro. Vou me lembrar dele com carinho, como muitos breves companheiros de viagem que passaram pela minha vida.