Comunità Italiana

Lembranças de uma grande família

{mosimage}Projeto Spettacolo apresenta exposições que resgatam as origens através da arte e da fotografia

O Museu do Ingá, na cidade de Niterói, no estado do Rio, abriu suas portas para o público conhecer duas exposições do projeto Spettacolo – Encontro Itália-UFF. As mostras A Pequena Itália em Niterói e Presságios contam com a organização do Centro de Artes da Universidade Federal Fluminense. A exposição fotográfica A Pequena Itália em Niterói exibe imagens de famílias italianas que migraram para a cidade após a Segunda Guerra Mundial, para refazer a vida no Brasil. E a mostra Presságios, do artista plástico Bruno Pedrosa, apresenta uma nova série de pinturas e desenhos sobre sua terra natal, o Ceará, com direito à exibição simultânea no Museu de Lucca, na Itália. 
As duas exposições estão relacionadas pelo sentimento familiar de saudade da terra natal. A palavra saudade, embora pertença à língua portuguesa, é universal, pois une pessoas do mundo inteiro no sentimento da falta, que recorre às lembranças de lugares, cheiros, gostos e uma infinidade de coisas para suprir o vazio que fica. O pintor cearense Bruno Pedrosa, radicado na Itália há 22 anos, sabe muito bem o que é isso. Para amenizar a distância do Ceará, ele pinta sua terra natal em traços abstratos. Entre desenhos e pinturas, com nomes de praias cearenses e das propriedades de seu pai, no sertão, o artista exalta seu estado de nascimento.
— Preciso voltar regularmente ao Nordeste. Tenho necessidade espiritual de viver a minha terra, de reconhecer os valores de uma região do Brasil diferente de todas as outras, onde os habitantes se sentem realmente como se fossem da mesma família. Foi fundamental a minha experiência internacional, e a permanência na Itália me completou como indivíduo e como artista, mas não poderei viver sem mergulhar regularmente na cultura cearense, prerrogativa de homens que sofreram e escreveram, com seu ímpeto, sua paixão e seu sangue, páginas fundamentais da história do Brasil — ressalta Bruno Pedrosa.
Na mostra Presságios, o artista utiliza técnicas artesanais para reproduzir a areia colorida típica da paisagem cearense. Ele colore a terra artificialmente para fazer o miolo do lápis usado nos desenhos. E, assim, surgem as obras que carregam nomes de praias como Meireles, Tabuba, Iguape, Prainha, Paracuru e Praia de Iracema. As pinturas, por sua vez, fazem referência às fazendas do pai de Bruno, situadas ao redor do Riacho do Machado, manancial que corta o município de Cedro, de onde o pintor há 43 anos emigrou para estudar na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro, e, de lá, ganhar o mundo. 
A intenção de Pedrosa era materializar através da arte os laços afetivos relacionados às suas origens. Com a curadoria do diretor do Museu de Lucca, Maurizio Vanni, Presságios retrata a visão de futuro do artista através de seu passado afetuoso. O homem sempre tentou anteceder e conhecer os eventos futuros, não tanto para aproveitar as oportunidades, mas para, acima de tudo, defender-se de contingências negativas. O próprio termo presságios expressa esse sentimento de vulnerabilidade, mas também ressalta a possibilidade das pessoas serem criadoras do próprio destino.
— Bruno Pedrosa recorre à luz e às cores para trabalhar sua visão de futuro, embasada em sua experiência e sensibilidade do passado, construindo assim obras que expressam inovação, tradição, conhecimento e vida — completa o curador.

Duas gerações, os italianos e seus descendentes 
A outra exposição que está em cartaz no Museu do Ingá sob a curadoria da professora Nadja Peregrino e da pesquisadora Ângela Magalhães chama-se A Pequena Itália em Niterói, que utiliza o recurso iconográfico para contar a história de imigrantes italianos do pós-guerra em Niterói. A mostra tem como referência a obra literária História de família: entre a Itália e o Brasil, de autoria da professora de História da UFF, Ângela de Castro Gomes. Através de imagens de italianos, descendentes e da contribuição deles nas diversas áreas da sociedade, a mostra recupera resquícios de uma cultura que se misturou com a brasileira, mas que, ao mesmo tempo, conserva suas raízes e identidade. A exposição simboliza a memória da cidade e convida a uma releitura do momento presente.
Os responsáveis por “desenhar” com a câmera, italianos e suas lembranças foram os fotógrafos Wilson da Costa e Gustavo Stephan. Eles se debruçaram sobre uma estética plástica existente e em transformação, muitas vezes despercebida no cotidiano das pessoas. Retratos familiares de imigrantes e monumentos arquitetônicos, além de formas distintas de sociabilidade, como o trabalho, a religião e o lazer são filtrados pelo olhar apurado da dupla de fotógrafos. Eles buscaram revelar imagens do microcosmo italiano da cidade de Niterói. Para ajudar na concepção do trabalho, “beberam na fonte” de As Cidades Invisíveis, do escritor Italo Calvino. 
— Tivemos a preocupação em retratar os anônimos, sejam eles jornaleiros, engraxates, e outros que têm histórias esquecidas ou descartadas. Nós pensamos muito no livro As Cidades Invisíveis, que elabora inúmeras histórias esquecidas a partir de Veneza, terra natal do personagem Marco Polo. Niterói também possui marcas históricas que escapam à nossa vista, daí a necessidade de desvelar aquilo que está por detrás. É como tirar o véu que encobre histórias de imigrantes italianos na cidade — ressalta o fotógrafo Wilson. 
A exposição faz com que o espectador mergulhe em seu subconsciente, promovendo o encontro com suas lembranças, que ganham vida e forma através das imagens e dos objetos de família expostos. Personalidades de Niterói aparecem circunscritas no papel, como o fundador da revista ComunitàItaliana, Pietro Petraglia. O fotógrafo Wilson faz alusão à obra de Calvino através da captura da imagem de Petraglia e homenageia, assim, o homem que trabalha com a imprensa e com a divulgação da comunidade italiana no Brasil.
— Na foto de Pietro Petraglia, faço uma remissão ao Visconde Partido ao Meio, que leva um tiro de canhão numa guerra e fica divido em dois lados. Ao fundo da imagem há o mapa da Itália e, na frente, o rosto dividido, pelo fato do Pietro ser descendente. Na exposição, a gente quis retratar essa geração de filhos de italianos que colaboram em várias frentes na cidade, e as imagens do Pietro Petraglia, do Carlos Mônaco, do Marco Lucchesi e do Julio Vanni vão de encontro com essa ideia. A fotografia do Mônaco remete ao ofício do pai dele. Silvestre foi um italiano que criou uma livraria, e na imagem exposta, quisemos mostrar essa relação. No caso do escritor Julio Vanni, uma pessoa que vive de memória e história, a gente preferiu relacionar sua imagem com uma antiga paróquia da cidade onde seus parentes foram enterrados. Já na foto do Marco Lucchesi, poeta e ensaísta, usamos como tema a música. Também abrimos espaço para os nascidos na Itália, como a dona Domenica Sassi, que participou de uma instalação sobre culinária italiana. Ela foi uma mulher à frente de seu tempo, pioneira no ponto de vista de trabalhar, de introduzir a tapeçaria, e de auxiliar na formação de outras mulheres, quando predominava o sistema patriarcal — enfatiza Wilson da Costa.
Os fotógrafos também trabalharam com a questão da perspectiva para remontar ao movimento renascentista, que foi uma revolução estética operada no mundo. A ilusão da profundidade aparece na foto do Colégio Salesiano, no qual é explorado o ponto de fuga. Eles também fizeram o inverso com as imagens da Biblioteca Pública e do Palácio da Justiça, procurando ressaltar a frontalidade, achatando a perspectiva e preconizando a legibilidade da imagem. Essas construções com traços italianos figuram na Praça da República, cenário concebido pelo arquiteto italiano Pietro Campofiorito. A curadora Nadja Peregrino ressalta que essa exposição é especial por destacar Niterói como uma importante comunidade de italianos e descendentes. 
— É bom falar da cidade de Araribóia, pois, do contrário, fica o Rio com essa coisa autofágica, “comendo” Niterói e seus arredores. A cidade Sorriso tem que ser redescoberta pelos seus habitantes. Na mostra, a gente quis focar a questão do universal, das lembranças, das imagens e objetos como rememoração e ligação entre o passado e o presente — conclui a curadora da mostra, que fica em exposição até 25 de abril.