Por Janaína Cesar – Treviso
A vice-presidência do senado italiano está, atualmente, nas mãos de uma mulher. E uma mulher mais do que identificada com a esquerda, em um momento que muito se fala sobre a guinadaà direita sofrida pelo país. Emma Bonino, de 61 anos, tem fama de radical. Não apenas por ser do Partido Radical, mas por suaquase que intransigente defesa dos direitos humanos e das mulheres.
{mosimage}A senadora atua em várias frentes: no combate à fome no mundo, pelos direitos civis, contra a pena de morte, a favor das mulheres afegãs napolítica e contra o uso de energia nuclear. Sua história privada se confunde com sua militância política. Foi por ter vivido a experiência de um aborto que entendeu que deveria lutar pela sua descriminalização. Emma tinha 27 anos quando engravidou do namorado, o militante do PR Marcello Crivellini, com quem teve um relacionamento de sete anos. O aborto era proibido, ela se autodenunciou e foi presa. Emma é solteira e não tem filhos.
Nascida na pequena Bra, cidade localizada na região do Cuneo, ao sul de Turim, Emma formou-se em Língua e Literatura estrangeira.Sua tese foi sobre o homicídio de Malcolm X, um dos maiores defensores dos direitos dos negros nos anos de 1960, nos Estados Unidos.
A vida na política começou em 1976, com somente 28 anos, quando foi eleita deputada já pelo PR. Em abril de 1981, fundou a associação Food and Disarmement International para coordenar iniciativas internacionais no combate à fome e ao desarmamento. Seis anos depois, foi presa e expulsa de Varsóvia após ter participado de uma manifestação contra o então chefe do conselho de estado e posteriorpresidente da Polônia comunista, Wojciech Jaruzelski. Naquela época, Emma foi às ruas polonesas para defender o Solidarnosc, movimento sindical liderado por Lech Wałęsa, que se tornaria o primeiro presidente da Polônia após a derrocada do comunismo no país.
Em junho de 1994, Silvio Berlusconi mal acabava de assumir seu primeiro mandato como primeiro-ministro italiano e Emma convenceu o governo a receber oficialmente o Dalai Lama, ainda hoje o líder político e espiritual do Tibete. No ano seguinte, graças a sua atuação em campos internacionais, foi denominada comissária européia para ajuda humanitária. Em 1998, junto como PR e a associação Non c’è Pace senza Giustizia, organizou várias conferências para estimular os países membros das Nações Unidasa realizarem um tribunal penal internacional para julgar crimes de guerra – uma vitória que comemorou junto a Kofi Annan, entãoSecretário Geral da ONU.
Até 2006, Emma foi deputada européia. Durante seus mandatos, foi uma das principais “pontes” entre a União Européia e o Egito. Desde 2001 possui um pequeno apartamento no Cairo, onde morou e estudou língua árabe. De sua estadia por lá, lançou uma campanha contra a mutilação genética feminina e de ajuda às mulheres muçulmanas.
No currículo de Emma consta ainda o cargo de ministro do Comércio Internacional e das Políticas Européias no segundo governo Prodi e deputada pela lista Rosa nel Pugno. Desde abril do ano passado é a vice-presidente do Senado italiano, na lista do Partido Democrático, ao qual o seu partido se aliou.
— As mulheres na política podem ser capazes ou incapazes, exatamente como os homens. Assim, a estrada para a Presidência ser, de certa maneira, barrada às mulheres é pura discriminação de gênero — diz a senadora nesta entrevista à Comunità feita por e-mail, na qual preferiu não responder às perguntas referentes aocaso Cesare Battisti.
ComunitàItaliana – A senhora está sempre pronta a defenderos direitos humanos e as pessoas contra as injustiças. Quando se descobriu uma “salvadora do mundo”?
Emma Bonino – Simplesmente faço as coisas em que acredito com determinação e convicção. Porém, não tenho vocação de salvadora. Eu não sou Maria de Lourdes!
CI – O que a senhora renunciou pela política?
EB – É impossível saber. Só sei que não me arrependo da escolhaque fiz, de dedicar-me inteiramente à política. A minha segunda família eu encontrei no
próprio Partido Radical.
CI – É verdade que o seu empenho na luta a favor do aborto parte deuma experiência pessoal?
EB – Sim, uma experiência que me fez abrir os olhos para a condição das mulheres na Itália epara a hipocrisia não apenas da política, mas também da sociedadeem geral. Fiz o aborto porque não me sentia pronta para ter um filho.
CI – O que significa a lei 194 (que regulamenta o aborto) para a senhora?
EB – Lutei por uma lei limpa que pudesse ser defendida através de um referendo. O que foi aprovado é somente um compromisso suficientemente hipócrita. Paradoxalmente, a lei funciona justamente porque as partes mais
hipócritas simplesmente não são respeitadas.
CI – Quanto a senhora está disposta a jogar-se em política?
EB – Tudo, sempre. Por isso, junto às maravilhosas vitórias das quais sou orgulhosa, existem tantas amargas derrotas. (Em 1976, Emma e seu partido recolheram 700 mil assinaturas em um referendo pela liberalização do aborto
no país, mas o processo não foi aceito porque a Câmara não se reuniu na data em que deveria para fazer a contagem dos votos. Dessa forma, a lei 194, aprovada em 1978, prevê o aborto, mas sob várias normas).
CI – Como foi viver no Cairo? Encontrou os mesmos problemas de integração que hoje existem aqui na Itália?
EB – Foi uma experiência que amei muito. Pessoalmente, não tive problemas de integração. Porém, certamente existia uma curiosidade a respeito daquela mulher estrangeira que vivia sozinha. Os estereótipos femininos são universais e é difícil de erradicar.
CI – Para a senhora, porque a Itália não consegue fazer uma boa política de integração?
EB – Porque escolheu legislar como se vivêssemos em um estado de emergência contínuo. Isto leva a intolerâncias xenófobas. Nesse sentido, não nos diferenciamos tanto de outras partes da Europa. Os fluxos migratórios são uma realidade que não podemos mudar. Dessa forma, é melhor aplicar rapidamente uma boa política de integração, isso sem esquecer que a nossa economia precisa de mão-de-obra.
CI – Quanto custou para o seu partido o acordo feito com Partido Democrático para as eleições passadas?
EB – Como se sabe, nós preferíamos uma aliança externa, como a feita com o partido Itália de Valores do Antônio Di Pietro. Teria sido mais vantajoso para nós e para o PD. Porém, com essa lei eleitoral não tivemos escolha. O resultado se vê: após um ano e um comportamento absolutamente leal da nossa parte, o PD nos trata mal.
CI – O que não funciona na Itália atual?
EB – Muitas coisas, infelizmente. A mais grave é que, tanto à esquerda quanto à direita, a ilegalidade e a negação das leis e do estado de direito, se transformaram em prática cotidiana de todaa classe política italiana.
CI – Falamos de ocupação feminina: qual a primeira coisa quese deve fazer quem assume um Governo?
EB – Valorizar a enorme potencialidade que representa o mundo feminino. Isso significa dar assistência às mulheres, criar um mercado de trabalho que as coloque em condições de concorrência com critérios merito cráticos e igualar a idade da aposentadoria homem-mulher, como pede a Europa.
CI – Do que a senhora se orgulha de ter feito durante seus anos no Parlamento Europeu?
EB – Passaram mais de trinta anos da primeira vez que fui eleita. Acho que as minhas lutas contraa fome no mundo, nos anos 80, e mais recentemente, contra a mutilação genital feminina, foram as que me deram maior satisfação.
CI – A senhora foi a única mulher a se propor como possível Presidente da República. Acha que aItália está pronta para ser representada por uma mulher?
EB – Claro! As pessoas estão sempre um passo à frente das instituições. As mulheres na política podem ser capazes ou incapazes, exatamente como os homens. Assim, a estrada para a Presidência ser, de certa maneira, barrada às mulheres é puradiscriminação de gênero.
CI – Quanto devemos esperar para ter uma primeira ministra ouuma presidente?
EB – Muito porque a política italiana ainda está nas mãos dos homens.
CI – Qual ministério a senhora gostaria de ter em um próximo governo?
EB – O ministério do Exterior.
CI – Cite um desejo para as próximas eleições?
EB – Uma montanha de votos para a lista Bonino – (Marco) Pannella.