O Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República no Distrito Federal instaurou um procedimento investigativo criminal sobre a atuação da máfia da cidadania italiana no Brasil. Criminosos estariam falsificando documentos obrigatórios para a obtenção da cidadania, num esquema que movimentaria 175 milhões de Euros (cerca de R$ 774 milhões) e já causou o cancelamento de 5.000 processos de cidadania. Outros 30 mil passaportes ainda podem ser cancelados.
A máquina utilizada pela quadrilha fica em Curitiba e por isso o processo passa para os cuidados da Procuradoria da República do Paraná. A medida foi tomada após o advogado ítalo-brasileiro inscrito na Ordem dos Advogados de Roma, Brasil e Portugal, Luiz Scarpelli denunciar a confecção de documentos falsos pela organização criminosa. “Em reposta e denúncia formal efetivada por mim, contra os malditos ‘coyotes’ e a ‘máfia da cidadania italiana’, o Procurador da República Cláudio Drewes José de Siqueira deu andamento a minha denúncia”, disse Scarpelli.
No despacho, o procurador declinou da atribuição por questão territorial e mandou cópia de tudo (denúncia e provas) para o Paraná, porque a máquina de falsificação de certidões públicas de registro civil estaria operando em Curitiba. E mandou também cópia de tudo para a Embaixada da Itália em Brasília e para a Polícia Federal em Brasília, indicando na decisão a gravidade dos fatos supostamente envolvendo inclusive o Consulado da Itália em Curitiba, segundo palavras do advogado.
Em contato com a reportagem da Tribuna, a assessoria de imprensa do Ministério Público Federal do Paraná confirmou a existência da investigação, mas ressaltou que o procedimento consta no sistema como “reservado”, o que corresponde a um processo sigiloso. O MPF-PR não pôde, portanto, confirmar se a investigação já está em Curitiba.
Outras autoridades brasileiras também já receberam formalmente um dossiê do advogado. O material contém denúncias e provas colhidas ao longo de três anos mostrando o grande impacto desse esquema.
Em março deste ano, uma megaoperação da polícia da Itália prendeu pelo menos sete brasileiros acusados de fraude, e cassou pelo menos 800 passaportes de brasileiros que obtiveram a cidadania italiana de forma irregular pelo esquema, entre eles, juízes, promotores, um jogador da Chapecoense que morreu no acidente de 2016 e até o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo). Todos podem responder por corrupção ativa, falsidade ideológica e ficar com o nome sujo perante os órgãos públicos italianos.
A máfia opera por meio de falsos grupos de ajuda (no Facebook e Whatsapp) que, na verdade, são “redes de pesca”. São dezenas de comunidades, ainda ativas, controladas pelo mesmo grupo de 15 pessoas no Brasil. Esse grupo criminoso atua há mais de dez anos. Um deles, o “Cidadania italiana – área livre”, no Facebook foi criado em 2014, possui mais de 140 mil membros e 50 pessoas que atuavam no Brasil como assessores (coiotes) que também administravam o grupo.
No caso do Whatsapp, são pelo menos 14 grupos de falsa ajuda, com uma média de 256 pessoas em cada grupo, buscando informações com a quadrilha. Pelo menos 40 nomes foram listados como assessores (coiotes) responsáveis por esses grupos. Após intensa investigação, a polícia italiana descobriu que os passaportes foram emitidos com o intermédio de organizações criminosas que cobravam cerca de € 4.000 a € 7.000 (cerca de R$ 30 mil) pelos trâmites. O esquema envolvia propina a cartórios, servidores públicos e policiais italianos corruptos, tráfico de influência, lavagem de dinheiro, tráfico de pessoas, tráfico de drogas, evasão de divisas e o uso de documentos e de residências falsas.
O governo conseguiu chegar ao esquema porque, segundo Scarpelli, para fazer um documento italiano para os brasileiros – equivalente ao nosso CPF –, os assessores (coiotes) chegaram a registrar 1.200 brasileiros em uma cidade (comune) de pouco mais de 3.000 habitantes. “Uma série de prisões estão acontecendo na Itália e vários comunes investigados já foram ‘estourados’ pela polícia italiana, podendo atingir 30 mil famílias e mais de 400 comunes”, diz.
Entre os comunes já investigados estão:
– Ospedaletto Lodigiano: 1.188 processos de cidadania anulados e passaportes cassados;
– Verbania e Novara: 800 processos anulados;
– Siracusa (Sicilia): 600 processos anulados;
– Maddaloni (Caserta): 251 processos anulados;
– Val di Zoldo: 1.600 processos sob suspeição;
– Portici (Napoli): 100 processos anulados;
– Omegna: 100 processos anulados;
– Terrano (Notaresco): 500 processos anulados;
– Brusciano: 200 processos anulados;
– Omegna: 2 assessores presos e 37 processos anulados;
– Mantova: um brasileiro foi preso e 325 processos podem ser anulados;
Total: 5.701
A polícia italiana ainda investiga 68 empresas de assessoria na Itália e, se as investigações continuarem, o número de processos cancelados pode chegar a 30 mil. “Essas assessorias (coiotes) que atuam na Itália, pagam propina para servidores públicos italianos corruptos, para confirmarem a residência para pessoas onde elas não residem. E fazem tudo muito rápido: em 30 dias a pessoa é já italiana”, explica do advogado.
Os supostos crimes cometidos por essa organização criminosa transnacional, são:
– Tráfico internacional de pessoas;
– Tráfico internacional de drogas;
– Lavagem de dinheiro;
– Evasão de divisas;
– Corrupção ativa;
– Corrupção ativa;
– Formação de quadrilha;
– Falsidade ideológica;
– Favorecimento a prostituição;
– Falsificação de documentos públicos.
(Com informações da Tribuna PR)