Comunità Italiana

Mais aplausos que vaias

A torcida brasileira vaiou a Azzurra quando disputava medalhas com o Brasil, mas, na maior parte dos momentos, os anfitriões aplaudiram os atletas italianos cantando Volare ou Funiculì Funiculà

Verde, amarelo, branco e… azul. Azul também de Azzurra. A Itália fez sucesso com a torcida brasileira na Olimpíada do Rio. Foi uma das delegações mais aplaudidas no desfile de abertura. E enquanto não havia um brasileiro competindo nas arenas contra algum atleta ou equipe do Belpaese, os torcedores frequentemente tornavam-se tifosi. Não foram poucas as vezes que os italianos caíram nas graças do público.
Antes mesmo da Olimpíada, sabia-se que Brasil e Itália estariam entre os candidatos à medalha de ouro no vôlei masculino. E fizeram a final. Na primeira fase, as duas seleções enfrentaram-se com vitória da Itália por 3 a 1. Na semifinal entre Itália e Estados Unidos, vencida pela Azzurra por 3 a 2, foi evidente a simpatia brasileira pelos europeus no Maracanãzinho. Na final, como não poderia deixar de ser, o coro “Brasil, Brasil” dominava o ginásio. Mas houve respeito ao hino italiano e as vaias foram normais do ponto de vista esportivo, quando algum jogador adversário preparava-se para o saque, por exemplo. Na hora da premiação, a equipe norte-americana foi aplaudida na hora da entrega das medalhas de bronze pelo terceiro lugar. Aplausos educados, nada fora do script. Mas no momento da squadra subir ao pódio para receber a prata, o Maracanãzinho gritou entusiasmadamente “Itália, Itália”. E o oposto Zaytzev, conhecido como o martelo do time pelas suas potentes cortadas, foi o mais festejado na premiação.      
Líbero da seleção italiana e do Trentino Volley, Massimo Colaci, de Gagliano del Capo, na província de Lecce, deu depoimento emocionado à Comunità pouco depois da final do vôlei masculino sobre o público e o povo brasileiro. Com os olhos marejados, ele se disse até contente pela alegria de Bruno Rezende, o Bruninho, capitão do Brasil, e de Lucão, Lucas Saatkamp. Até a temporada passada, os dois brasileiros atuavam pelo Modena: 
— O vôlei há muito tempo não experimentava esse calor. Mantivemos sempre os pés na terra, as nossas características, a nossa simplicidade. Muitos nos davam não por favoritos depois da Liga Mundial, mas sabíamos que não deveríamos temer ninguém. Saíamos daqui de cabeça erguida. Perdemos a final para uma grandíssima equipe, estou contentíssimo por Bruno, por Lucas, por todo um país que nos tratou muito bem.
Ele reparou que a torcida mostrou todo o seu respeito até a premiação no pódio quando gritou “Itália, Itália”.
— Isso deve ser dito, pois não acontece frequentemente. Há alguma lágrima, pois não sabemos quando teremos uma situação como essa. Mas se tínhamos de perder, melhor perder para eles. Sempre há um elo entre Itália e Brasil e tantos países sul-americanos com a imigração. Nós nos sentíamos um pouco em casa e eles sentiam-se próximos a nós porque somos semelhantes de alguma maneira. Estamos orgulhosos, pois alguma boa deixamos aqui. Não sabíamos o que nos esperava no Brasil, apesar da ideia positiva que tínhamos da expectativa de disputar a Olimpíada. Ficamos entusiasmados com o que vimos. Todo o público, todos os voluntários foram gentilíssimos. Uma coisa que permanecerá dentro de nós e, não será só a medalha que traremos do Brasil — confessou.
Já Ivan Zaytsev, oposto que caiu nas graças da galera brasileira, foi mais comedido sobre a torcida. Filho do ex-jogador de vôlei russo e atual técnico Vjaceslav Zaytsev, nasceu em Spoleto, mas rodou a Europa para seguir o pai esportista. Voltou à Itália, cresceu no vôlei e conseguiu obter a cidadania italiana, pois, mesmo tendo nascido no país, a lei italiana não concede a cidadania como um direito quando se é filho de estrangeiros. Agora joga pelo Safety Umbria.
— Talvez se o resultado tivesse sido outro, não aplaudiriam — comentou depois do jogo, falando sobre as homenagens do público brasileiro à seleção italiana de vôlei.

No vôlei de praia, brasileiros torceram na semifinal pelos italianos
No outro vôlei, o de praia, houve casos parecidos na Arena Copacabana. Os brasileiros torceram muito na semifinal pelos italianos Nicolai e Lupo contra os russos Semenov-Krasilmikov. A torcida deu certo: a dupla chegou à final contra os brasileiros Alisson-Bruno Schmidt, os quais acabaram campeões. Houve vaias normais no momento de saque, além de respeito ao hino italiano antes do jogo e aplausos quando a dupla recebeu as medalhas de prata.
Sobrinho de Oscar Schmidt, Bruno é considerado o maior jogador de vôlei de praia do mundo. Mesmo antes da final, Oscar, astro do basquete brasileiro, que também na Itália havia-se tornado ídolo em Caserta e Pavia, nos anos 80 e 90, disse à Comunità que seu sobrinho era invencível:
— Quem jogar contra ele vai perder. Não importa o adversário.
O presidente da Federação Italiana de Vôlei, Carlo Magri, ficou muito contente com a subida ao pódio, apesar do resultado na partida decisiva. Foi a primeira medalha italiana na praia desde que a modalidade é olímpica, a partir de 1996:
— Foi uma partida histórica. Os garotos são jovens e têm uma longa carreira pela frente.
Daniele Lupo nasceu em Roma, em 6 de maio de 1991. Paolo Nicolai é de Ortona, cidade da província de Chieti. Nasceu em 6 de agosto de 1988.
— Jogar em casa é uma grande vantagem. Mas, se as coisas não vão bem, criam-se pressões, aumentam as emoções. Nós procuramos pressioná-los, mas eles saíram como os grandes campeões que são. Quero dedicar essa medalha a todos os torcedores italianos que acordaram no nascer do sol para nos ver na TV — enfatiza Nicolai, lembrando que na Itália o jogo começou às 5 horas da manhã.
— Vamos nos refazer para Tóquio 2020 — prometeu Lupo.
Quando a dupla Alison-Bruno jogou contra os italianos na primeira fase, no entanto, a torcida teve outro comportamento. Carambula e Ranghieri foram derrotados pelos brasileiros. Uruguaio com cidadania italiana graças à avó materna nascida em Turim, Carambula foi o que mais chamou atenção por mostrar a genitália para a torcida depois de um ponto em favor da equipe italiana:
— Eu tenho bolas grandes — bradou Carambula, dizendo de outra maneira mais chula de que era preciso coragem.
No vôlei de praia e de quadra estavam as torcidas mais animadas da Olimpíada. Em Copacabana e no Maracanãzinho, locutores agitavam a galera fazendo brincadeiras, e iluminando a praia e o ginásio com os celulares do público antes dos jogos. Músicas em alto volume e dançarinos não deixavam ninguém ficar parado. Entre as mais tocadas estavam Tu vo’ fa l’americano, famosa canção napolitana de Renato Carosone, de 1956, tocada numa versão remix. Nel blu dipinto di blu, composta por Franco Migliacci e Domenico Modugno em 1958, mais conhecida come Volare era outro sucesso das arenas.
 Alison Cerutti disse ainda que as Olímpiadas no Rio foram lindas e não deixaram nada a desejar em comparação a Londres.
— A Vila dos Atletas está linda. As arenas estão perfeitas e este ginásio a céu aberto é maravilhoso. O Brasil está de parabéns! — destacou Cerutti à Comunità que, junto a Bruno Schmidt, bateu a dupla italiana Paolo Nicolai e Daniele Lupo, chegando ao topo do pódio.

Nathalie Moelhausen:
“Foi como no futebol,
foi incrível”
A esgrimista italiana que representou o Brasil na competição por espada feminina, Nathalie Moelhausen, disse à Comunità que a torcida lhe deu uma grandíssima força.
— Foi como no futebol, foi incrível. Não sabia que os brasileiros pudessem se apaixonar tanto pela esgrima — comentou a simpática atleta, que chegou às quartas de finais e, com isso, alcançou o melhor resultado brasileiro na modalidade feminina até hoje. Nathalie contou que conseguiu até fazer um argentino torcer pelo Brasil: o seu noivo.
Outro atleta brasileiro descendente de italianos que agradeceu a torcida foi o tenista Thomaz Bellucci.
— Para mim foi muito emocionante receber todo esse carinho, mesmo saindo com a derrota da quadra. Acredito que tenha dado 100% e isso fez a torcida gritar o meu nome até o final do jogo. É uma grande vantagem jogar com essa torcida, com tanta gente apoiando — declarou aos jornalistas ao término do jogo contra o espanhol Rafael Nadal.
O ginasta ítalo-brasileiro, Arthur Zanetti, que conquistou a medalha de prata na competição das argolas ficou maravilhado com a torcida brasileira durante a sua apresentação e disse que para ele foi mais emocionante ganhar uma prata no Brasil do que o ouro em Londres 2012.
— Acredito que competir em casa tem o seu lado positivo: ter a torcida a seu favor. Eles torcem bastante para todos os atletas, mas principalmente para aqueles de casa e isso dá uma energia bem maior — afirmou Zanetti após a competição.
Além dos ítalo-brasileiros, os italianos também elogiaram a torcida verde-amarela. Roberta Bianconi, do polo aquático feminino italiano, conhecido como Setterosa, disse que a torcida foi excepcional: até cantou a canção napolitana Funiculi Funicula.
— Nós nos sentimos amadas pelo público brasileiro; parecia que estávamos na Itália e não no Brasil — comentou Bianconi na zona mista, após ter ganhado a medalha de prata. Entre o público, havia algumas bandeiras italianas. Uma em particular seguiu o Setterosa em todos os jogos: a de Silvano Ferreccio, originário de Recco, que mora em Salvador há 26 anos.
— Assisti a todos os jogos do polo aquático feminino porque uma das jogadoras, Roberta Bianconi, considerada a melhor na Europa, é de Recco e é filha de um amigo — disse à Comunità.
O torcedor italiano elogiou a organização, apesar das polêmicas iniciais.
— Os brasileiros são muito bons em organizar festas. Então, como organizam bem o carnaval, também organizaram muito bem as Olímpiadas — comentou Ferreccio, que viu poucos torcedores italianos nos Jogos.
Outra atleta italiana que agradeceu o público brasileiro foi Erika Fasana, que chegou em sexto lugar na competição de ginástica no solo.
— Não esperava uma torcida tão grande por parte dos brasileiros. Foi realmente muito bonito — afirmou, ao sair da Arena.

Hospitalidade brasileira encanta Tania Cagnotto
Apesar da equipe italiana de florete masculino ter retornado à Itália de mãos vazias, chegando em quarto lugar, no Rio de Janeiro tiveram uma torcida mais do que especial, sobretudo Giorgio Avola, apoiado por um grupo de amigas que vinha da sua cidade natal, Modica, na Sicília. Marta, Rebecca, Rachele e Serena fizeram uma torcida alegre e colorida e estamparam até camisetas que, juntas, formavam a palavra Itália. Rachele Sipione, namorada de Avola, já tinha acompanhado o esgrimista nos Jogos de Londres 2012 e disse que achou a Olimpíada brasileira bem organizada.
— A única pena é que é um pouco longe da cidade e se vive menos a atmosfera olímpica que se vivia em Londres, onde era possível encontrar até os atletas pela rua e ouvir o barulho da torcida fora das arenas, mas a torcida brasileira compensa tudo isso. A torcida brasileira emociona, mesmo para aqueles que não são brasileiros — afirmou à Comunità Rachele, que já conhecia o Brasil, pois em 2013 fez um intercâmbio na Universidade de Brasília.
As amigas gostaram muito da acolhida brasileira e se apaixonaram pelo pão de queijo e pelo pastel.
— Com italiano, dialeto siciliano e usando os gestos, nos fazemos entender — contou Marta Giuca que, apesar de não falar português, não teve problemas para se comunicar.
A esgrimista Rossella Fiamingo ganhou a primeira medalha italiana dos Jogos Olímpicos 2016 ao conquistar a prata na espada feminina individual.
— No início, tivemos que nos adaptar um pouco, mas, no final, deu tudo certo. Os brasileiros não parecem muito organizados, mas demostraram que o são; então, não podemos reclamar. Além disso, após ganhar uma, tudo fica melhor e os lugares onde eu ganho permanecem no meu coração. Entre outras coisas, foi no Rio que ganhei a minha primeira medalha de ouro, no Mundial de 2012 — afirmou à Comunità a atleta que, nos primeiros dias, tinha declarado que a organização de Londres era melhor que a do Rio.
A dupla de saltos ornamentais Tania Cagnotto e Francesca Dallapè, que conquistou a medalha de prata, não ficou hospedada na Vila Olímpica. Elas escolheram um apartamento perto do Parque Olímpico.
— A atmosfera olímpica é um pouco abafada para nós, mas isso é bom, pois sabemos que outros atletas tiveram alguns desconfortos na Vila. No nosso apartamento também há alguns problemas, mas nos adaptamos — contaram à Comunità. Ambas destacaram que a bela hospitalidade brasileira as surpreendeu.