Um dos maiores especialistas em propaganda e marketing do Brasil, o ítalo-brasileiro Francisco Gracioso fala do futuro no mundo da comunicação numa época em que os jovens migram cada vez mais da televisão para a internet e reclama da falta de promoção do respeito ao cidadão, mais do que ao consumidor
Presente na vida das pessoas o tempo todo, a propaganda é uma das formas de comunicação mais fortes para influenciar diferentes públicos. Seja nos jornais e nas revistas, na TV e mais recentemente na internet, ela ocupa grandes espaços na mídia ao tentar fortalecer marcas, promover causas e vender produtos e serviços, sendo uma importante área do marketing, inclusive por ajudar a girar a economia. Reconhecido como um dos grandes especialistas do assunto, o professor Francisco Gracioso fala um pouco sobre essa atividade e sobre como sua origem italiana o ajudou em seu crescimento pessoal e profissional. Administrador, publicitário e estrategista no segmento do marketing, atuou em agências pioneiras do mercado, como J. Walter Thompson e McCann Erickson, assim como em grandes empresas anunciantes, tendo sempre mantido o seu viés de estudioso e pesquisador. Foi presidente da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), uma das mais reconhecidas instituições de ensino da área, por 26 anos, sendo hoje conselheiro emérito.
Sua família veio de Castel San Lorenzo, na Campânia. “A vila de onde eles vieram era um lugar perdido nas montanhas, muito bonita, muito fria o ano todo. Eles tinham propriedades naquela região e perderam tudo devido às lutas políticas na época da unificação da Itália. Acabaram vindo para o Brasil”, revela Gracioso, autor de As Novas Arenas de Comunicação com o Mercado, livro que completa dez anos e que previu fenômenos pelos quais o mundo da comunicação passa atualmente. Ele também dirigiu, por mais de 30 anos, a Associação Brasileira de Alumni do IMD, sendo hoje seu presidente de honra. Conferencista e autor de várias publicações nas áreas de planejamento estratégico, marketing e propaganda, Gracioso fala à Comunità sobre os desafios da propaganda e da importância de empresas e do próprio Estado em olharem, mais do que para o consumidor, para o cidadão.
ComunitàItaliana — Poderia contar um pouco sobre a influência da origem italiana em sua vida?
Francisco Gracioso — Tenho de começar dizendo que o meu sobrenome originalmente se escrevia com “z” e não com “c” como é hoje. Essa troca pode ter acontecido porque naquele tempo, durante a ditadura de Getúlio Vargas, existia uma política de nacionalização. Até os nomes tinham de ser brasileiros. A minha formação inicial foi toda italiana. Na minha casa só se falava italiano e meu avô era muito rígido quanto a isso. Os valores culturais e sociais que me formaram foram todos italianos. Acho que uma das contribuições que os imigrantes trouxeram para o Brasil foi essa multiplicidade de valores que acabaram se fundindo no país. Eu diria que a minha origem italiana me manteve aberto para o mundo. Eu recebia e assimilava com mais facilidade as coisas novas, tudo o que era diferente.
CI — O senhor tem alguma referência italiana na área de Comunicação. Design, por exemplo?
FG — Você falou a palavra certa: design. Já naquela época, os italianos eram famosos no mundo inteiro pelo seu design gráfico e design de produtos. Tanto assim que o Pietro Maria Bardi, que fundou o MASP (Museu de Arte de São Paulo), contratado pelo Assis Chateaubriand, era um grande crítico de arte na Itália que durante muitos anos trabalhou como chefe de propaganda da Olivetti. Se você consultar os arquivos de anúncios da Olivetti, verá que tinham uma linha gráfica moderna, limpa, que se distinguia de qualquer outra concorrente pela forma gráfica. Os italianos sempre lideraram o grafismo, a estética gráfica da propaganda. Agora, em termos de propaganda no seu todo, olhando-a como parte do marketing, a Itália daquele tempo estava atrás de nós, como a maior parte da Europa.
CI — Como exatamente?
FG — Logo que termina a Segunda Guerra Mundial, vieram para o Brasil as grandes agências e também os grandes anunciantes americanos, que trouxeram para o Brasil, antes mesmo de se estabeleceram na Europa, a filosofia do marketing. Portanto, quem começou a trabalhar com eles naquela época começou a encarar a propaganda como uma forma de comunicação a serviço de algo ainda maior. Os europeus não tinham essa concepção até então. Eu mesmo fui convidado duas vezes para trabalhar na Itália. Não aceitei. Eles precisavam justamente da experiência de gente como um brasileiro que falava italiano. Muitos amigos foram chamados para trabalhar na Europa. Veja você como é o mundo.
CI — E qual a comparação que o senhor faz da propaganda hoje?
FG — Está muito parecida no mundo inteiro. A propaganda brasileira não está abaixo da europeia de maneira geral, mas os europeus têm certas vantagens. Eles têm mais acesso à informação qualificada para problemas determinados, têm uma tradição que torna mais fácil a criação e produção de televisão que hoje é vital, e vídeos para internet que também têm origem no cinema. Então, sim, têm algumas vantagens sobre nós, mas o Brasil continua muito bem em criatividade, e mesmo na concepção de marketing que embasa toda a propaganda.
CI — Há cerca de 10 anos o senhor apresentava as principais tendências da comunicação contemporânea, as quais chamou de Arenas da Comunicação (novas configurações de comunicação para diferentes públicos por meio de eventos, moda, esportes, shows, varejo, propaganda tradicional e entretenimento). Hoje está evidente a articulação entre comunicação, cultura e mercado para valorizar marcas, divulgar produtos e serviços e prender a atenção do público-alvo. Como o senhor vê as “arenas” hoje e o que ainda está por vir?
FG — Desde aquela época eu percebia que mais e mais formas de comunicação estavam surgindo, e eu nem me referia muito ao mundo digital, que há dez anos ainda era embrionário como forma de comunicação publicitária. Mas já havia outras formas de comunicação, como no varejo. Percebia que o varejo estava se tornando, além de um canal de distribuição, um veículo de promoção da marca. Os grandes eventos esportivos, culturais, musicais — os de música pop especialmente — já vinham surgindo como novas formas de comunicação e de forma espetacular, transformando a publicidade e a forma das marcas falarem com seus públicos. Mas se você me permite, acho que a propagada de hoje tem quatro problemas ou fenômenos muito importantes.
CI — Quais?
FG — O primeiro é o fato de que está lidando com as arenas, essa comunicação múltipla, que está levando a se fazer menos propaganda. Hoje, em termos reais, a propaganda representa 0,5% do PIB brasileiro. Na minha fase de profissional representava 1%, ou seja, o dobro. Portanto, se hoje temos R$ 30 bilhões em propaganda de mídia, deveríamos ter R$ 60 bilhões se seguíssemos as mesmas proporções. Ela deixou de ser para muitos anunciantes a maneira básica de comunicação do mercado. Atualmente, com essas arenas, existe o varejo, os grandes eventos, o mundo digital e tantas outras formas que são escolhidas de maneiras diferentes por cada empresa. Uma montadora usa vários canais de comunicação que um fabricante de leite em pó não tem, e vice-versa. Esse é um cenário, e isso não vai mais regredir. Olhando para o futuro, creio que a propaganda sofrerá cada vez mais a concorrência direta ou indireta dessas outras formas de comunicação. É inevitável.
CI — Quando o senhor fala dessa queda, o senhor fala do modelo tradicional, correto?
FG — Falo de propaganda segundo a definição clássica da America Marketing Association: “Propaganda é toda forma de comunicação identificada e assinada pelo patrocinador de maneira clara, cujo objetivo é criar, reforçar ou transformar atitudes mentais, que levem o consumidor a escolher a marca anunciada”. Dentro dessa definição, verá que quase tudo que se faz nas redes sociais e no mundo digital de modo geral não é nem assinado com clareza por quem patrocina. Você chega a pensar: mas que marca é essa? A matéria editorial do blogueiro, em geral, é sempre paga de alguma maneira, mas para o internauta isso nunca fica claro realmente. O mesmo ocorre no varejo, quando uma marca se promove. Quem patrocina isso? É a loja de varejo, mas o público nem sempre sabe. O relacionamento já não é mais o mesmo. Em um merchandising de novela ou em outros tipos de programação, de repente, alguém enche um copo com refrigerante. Isso é perfeitamente aceitável, mas o patrocinador não está assinando isso. É uma cena incorporada à vida interpretada na novela. Isso é cada vez mais comum, mas não pode ser chamado de propaganda. Propaganda são anúncios, comerciais perfeitamente divulgados por uma marca, que inclusive assina ao final.
CI — Essa falta de clareza não leva a um problema ético?
FG — Não há dúvidas! Acho que essa dualidade causa um problema ético sério também em outras formas de comunicação, como o jornalismo. Não se respeita o consumidor como se deveria, tornando-o indefeso.
CI — Como um publieditorial, que usa elementos do jornalismo para fazer publicidade.
FG — Se você ler, por exemplo, uma notícia em que é mencionado que uma personalidade consume um determinado produto (sem nenhum contexto jornalístico), o leitor acredita naquilo, é influenciado. Então, este é o primeiro grande problema da propaganda: a comunicação múltipla, feita em várias arenas distintas. O segundo grande fenômeno é a concorrência de grupos, de empresas que passaram a servir também aos anunciantes, mas que não são agências de propaganda.
CI — Poderia exemplificar?
FG — Eu assisti à última reunião do Fórum de Comunicação há poucos meses e passei um dia inteiro em várias apresentações. A que mais me impressionou foi a da Accenture, que é uma grande consultoria. Ela apresentou um estudo e mostrava como, cada vez mais, a comunicação ideal de produtos de venda em massa é a combinação da televisão com a internet. E aí, veja você, algo tão importante para a propaganda não foi apresentado por nenhuma empresa de propaganda, mas por uma consultoria que está trabalhando com isso com grandes clientes e dizendo: continuem a trabalhar com a sua agência na hora de fazer grandes comerciais, isso nós não fazemos, mas quando se trata de definir rumos é conosco, não com eles mais. Não sei como as agências vão resolver isso.
CI — Qual é o terceiro problema?
FG — O terceiro são as mudanças ocorridas na cabeça do consumidor. Isso também é irreversível. A cabeça do consumidor mais jovem principalmente, influenciado pelo mundo digital, nunca mais será a mesma. Eu vi uma pesquisa que mostrava que o adolescente brasileiro é o que mais tempo fica na internet: cerca de três horas e meia por dia. É uma coisa de louco. Eles ficam mais tempo na internet do que na escola, às vezes. Isso significa que a pessoa se torna mais interativa, passa a acreditar muito mais no que diz o seu amigo do outro lado do computador do que em um anúncio de propaganda. Essa cabeça é um problema e a nossa criatividade continua voltada principalmente para a televisão, que não é mais indicado para esse tipo de público. Esses jovens que já chegaram à idade de 22, 25 anos não têm o hábito de assistir a televisão. Eles não têm nada em comum com os pais ou com pessoas de 30 ou 35 anos. Principalmente nas classes A/B, que são as que mais consomem. Só há duas grandes televisões no Brasil, a TV aberta voltada para as classes menos favorecidas, e a televisão por assinatura, que parou de crescer por causa da crise. Se você comparar os anúncios de uma contra a outra é como se estivéssemos em dois países diferentes. A propaganda da TV aberta é basicamente de varejo. E como “gritam”!. É aquela gritaria que me deixa até tonto. E tem também os serviços de telefonia, cartão de crédito… Já a TV por assinatura quem domina realmente são as montadoras e os serviços financeiros. Eu acho que isso é ainda o que segura a propaganda na TV.
CI — E não acaba?
FG — De jeito nenhum. O varejo precisa disso, algo que permita mudar a mensagem rapidamente, diariamente até se for o caso, seja fazendo ofertas, seja lá o que for. O serviço financeiro também. E olhando para a ponta da pirâmide, os fabricantes de carro, o que melhor do que a TV para mostrar um comercial maravilhoso de um carro? O desafio da TV agora é fazer o jovem da internet em algum momento migrar para lá.
CI — E o quarto fenômeno?
FG — É a mesmice das agências. O jornal Meio & Mensagem publicou recentemente uma reportagem sobre um seminário nos Estados Unidos em que os grandes grupos de comunicação (WPP, Interpublic, Omnicom e Publicis) se reuniram para discutir o que fazer com a criatividade da propaganda. Os clientes estão apertando cada vez mais e exigindo resultados como forma de avaliar a qualidade do comercial publicitário. Eles não estão mais dispostos a aceitar a criatividade brilhante, porém descompromissada, que infelizmente acontece. Quanto mais brilhante e mais feérica, menos tem a ver com problemas táticos, imediatos da marca. Ao mesmo tempo, quando se passa a atender a esses problemas, sua criatividade encolhe, passa-se a falar cada vez mais de valor, de vantagens concretas, o que nem sempre se tem muito para explorar criativamente. O que está acontecendo é que todas as agências já estão cientes disso e estão caminhando para a solução padrão: todas são iguais. Antigamente era possível identificar claramente de qual agência era tal comercial. Hoje, a mesmice criativa é impressionante. Muitas vezes o que faz o brilho de um comercial não é nem a criatividade da agência, mas a qualidade da produção, o que depende, na verdade, do diretor e da produtora com a qual a agência está trabalhando.
CI — E o que o senhor diria sobre outra forma de comunicação, o jornalismo?
FG — Eu diria que os grandes grupos de notícias, O Globo, TV Globo, TV Bandeirantes, os jornais O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo, a editora Abril, você consegue distinguir claramente uns dos outros. Eles se diferenciam. A Globo ainda tem a novela da qual é líder, mas a novela não consegue mais isso. O jornalismo é que fará a diferença.
CI — O senhor previu as mudanças que estamos vivendo agora na comunicação. Arriscaria falar sobre os próximos dez anos?
FG — De modo geral, a comunicação se tornará cada vez mais específica, de nichos. Cada tipo de empresa procurará um modelo que não tenha nada a ver com os modelos clássicos que usamos hoje igualmente para todos, justamente pelo avanço dessas formas novas de comunicação, estas arenas. Mas não pensem que são receitas milagrosas. Todos vão penar bastante para se comunicar. Quem está fazendo isso muito bem é a Fiat, com o Ciaco (João Ciaco, Head of Brand Marketing Communication da Fiat Chrysler). Ele é um homem dotado de uma sutileza, uma sensibilidade enorme para a propaganda, e defende a comunicação sob medida.
CI — Nessa preocupação maior com os consumidores, o senhor daria alguma recomendação para quem lida direto com eles?
FG — O Brasil, antes mesmo de muitos grandes países, conta com um código que defende o consumidor. Não vejo mais nada a fazer, nem sob o aspecto ético ou prático. Por outro lado, o Brasil não tem um código de defesa do cidadão. A nossa Constituição, que deveria ser justamente encarregada de defender o cidadão, pecou totalmente nesse item. Ela defende as instituições, os funcionários públicos, os partidos políticos… Mas não defende o cidadão. Creio que não se trata de tentar promover mais respeito da empresa pelo consumidor; trata-se de promover o respeito da empresa pelo cidadão, do Estado, da nação como um todo pelo cidadão, que ainda é a parte fraca de tudo isso. Mais do que ao consumidor, devemos prestar atenção ao cidadão.