Projeto revitaliza o complexo de Porta Nuova, que recebe o novo quartel-general da UniCredit, principal investidor do empreendimento, que estará pronto antes da Expo 2015
O crescimento urbano de Milão acontece em plena crise imobiliária. O fenômeno não chega a ser um milagre mas, sim, fruto de uma estratégia com as fundações bem presas no aporte financeiro e na qualidade do complexo. A começar pela localização: o cruzamento de uma estação ferroviária, a Porta Garibaldi, com linhas internacionais. Paris está somente a cinco horas de distância com o TGV que chega na porta de casa de um sistema intermodal urbano — como quatro linhas de metrô e tantas outras de bonde e ônibus — além de estar plantada numa passarela obrigatória para quem vive e respira a moda e o design, em corso Como e na via Moscova. O complexo residencial e comercial de Porta Nuova, distante apenas um quilômetro do Duomo, revitalizou uma zona milanesa abandonada a si própria, que começava iluminada mas terminava na maior escuridão, como trilhos que acabavam em um terreno baldio. Em meio a mil e uma polêmicas, a prefeitura autorizou a realização de arranha-céus, e tudo deverá estar pronto até a primavera de 2014.
O skyline de Milão foi redesenhado com o condomínio Bosco Vertical do arquiteto Stefano Boeri, e com a torre UniCredit, eleita uma das dez mais belas do planeta pelo Emporis Skycraper award 2012, segundo a rede de televisão CNN. Ambos são apenas a ponta do iceberg de um conjunto de três quarteirões — Garibaldi, Varesione e Isola, numa área total com cerca de 300 mil metros quadrados, dos quais 90 mil dedicados à criação de um parque verde denominado “os jardins de Porta Nuova”. A visão dos sócios do fundo Hines, principais empreiteiros da obra, se confirma: o projeto, nascido em 2005, antes da crise, é hoje o maior da Europa, e responde por 10% do total de obras na Lombardia.
Hoje, a média por metro quadrado das residências de luxo colocadas à venda gira em torno dos 9 mil euros — 50% acima dos apartamentos normais das áreas vizinhas. Dos 380 apartamentos divididos ao longo de 15 edifícios, 60% já foram vendidos. Quase todos os compradores são residentes milaneses do centro, além de dois brasileiros que fazem parte dos 30% da clientela internacional. Desde fevereiro, a torre do banco UniCredit, uma das duas maiores instituições financeiras do país, vem sendo ocupada pelos quatro mil funcionários do grupo, de mudança para o novo quartel-general do colosso, o principal financiador do projeto, orçado em cerca de 2 bilhões de euros. Essa massa de gente já encontra a praça Gae Aulenti servindo de cenário para fotografias de moda e “takes” de produções estrangeiras, entre indianas e chinesas, e trilhas urbanas novas que conectam os quarteirões históricos de Brera, Isola e Reppublica, além da inauguração da filial de supermercados Esselunga no subsolo da torre e lojas de grifes.
Tudo nasce dentro de uma zona urbana condenada ao abandono nos últimos 30 anos, fruto da suspensão de estações e galpões ferroviários. Durante a escavação do terreno, os operários não se depararam com ruínas romanas, e sim com trilhos de ramais soterrados pelo tempo. Desde 2005, a área estava imersa em uma nuvem de poeira. A Casa da Memória e a Biblioteca das Árvores, o Centro Cultural de Unicredit e um pequeno centro comercial irão surgir antes da Expo 2015. O fundo soberano do Quatar comprou 40% do projeto este ano, operação que foi o maior “ shopping” imobiliário dos árabes por estas bandas.
O crescimento vertical de Milão ocupa um terreno já explorado anteriormente e não acrescenta cimento à superfície. É verdade que os novos prédios projetam uma grande sombra sobre aqueles mais baixos. Por isso, urbanistas internacionais que defendem a verticalização das cidades estão propondo que os prédios mais baixos tenham um desconto nos impostos. Em tempos de vacas magras, porém, é difícil imaginar uma compensação que interfira no já escasso orçamento público. Com certeza, o tema vai ser alvo de uma discussão futura. Surge no horizonte a pergunta: “em termos de qualidade de vida, quanto custam as minhas horas de sol a menos”?