Ela completaria cem anos em dezembro e deixou um legado para a cultura, o meio ambiente e para o patrimônio histórico que fica para esta e outras gerações
Para comemorar o centenário da italiana de nascimento e brasileira de adoção, Lina Bo Bardi ganha uma grande retrospectiva na Triennale de Milão. A exposição em homenagem à grande obra e vida deste ícone vem através do trabalho da artista holandesa Madelon Vrisendorp, filmes do finlandês Tapio Snellman e das fotografias da romena Ioana Marinescu. O fio condutor que une os três participantes é a presença deles no mundo da arquitetura, vivida, vista e revista em diferentes expressões e disciplinas. O objetivo da exposição, curada pela argentina Noemí Blager, é celebrar a atualidade do método e da pesquisa que compõem as pilastras do seu conceito de projeto, nos cem anos do seu nascimento.
Lina Bo Bardi fazia a defesa da construção de uma identidade baseada nas próprias raízes. O respeito à população e à cultura locais era uma condição primordial para colocar em pé uma obra, fosse ela qual fosse. Somente assim a completa liberdade de expressão poderia se transformar num potente motor, capaz de impulsionar o ato da criação. Na realidade, a mostra traz e realça a força contemporânea e a grandeza da influência do pensamento de Lina Bo Bardi (1914- 1992) a 360 graus. Cada um dos artistas convidados traz consigo uma visão pessoal da arquiteta romana de nascimento, paulista como cidadã. Instalações, vídeos e fotografias são os vértices de um triângulo dentro do qual Lina Bo Bardi é reinterpretada, representada e reapresentada em suas diferentes versões.
A artista plástica Madelon Vriesendorp, uma das fundadoras do OMA, Office for Metropolitan Architecture, ilustradora e desenhista, apresenta a sua porção de artesã através da realização de instalações que valorizam os aspectos e os objetos artesanais da vida quotidiana. A matéria-prima é variada e vai de jogos feitos com latas até votos religiosos que indicam a forte presença do sincretismo. No caso específico, do trabalho composto a partir de itens recolhidos nos mercados populares em Salvador. E ali, realiza-se uma forte conexão do mundo material com o espiritual. Lina Bo Bardi, quando desenhava um rascunho sobre alguma coisa, ilustrava com um dedo indicando o tema. Madelon Vriesendorp traz “mãos” de papel com o indicador que aponta citações de Lina Bo Bardi.
A intervenção de Tapio Snellman é um mergulho audiovisual no mundo de Lina Bo Bardi, e como suas obras são vivas, são capazes de criar uma interação entre as paredes, vãos, pilastras e muros e as pessoas que passam por ali. Tapio Snellman realizou um vídeo sobre a Casa de Vidro, a residência da arquiteta – atual sede do Instituto Lina Bo e P.M. Bardi onde aparece um olhar da vida privada da casa através das lentes da fotógrafa Ioana Marinescu, e uma série de outros 4, entre eles um abstrato numa poça d’água e outro que reflete a passagem. A partir de objetos, o cineasta e arquiteto finlandês explora, com “olhar lina bo bardiano”, o estilo de vida, os ritmos, o povo e a métrica do tempo, o mundo táctil e intuitivo da artista. As contruções dela se tornam organismos vivos graças aos frequentadores. Duas projeções exploram a vida no SESC-Pompeia, centro cultural de Lina Bo Bardi, em São Paulo. Os outros dois trabalhos foram filmados em Salvador. Um deles apresenta a Solar do Unhão, transformado por Lina Bo Bardi em espaço de laboratório e um museu; não por acaso, este último abrigou o material produzido pela holandesa Madelon Vrisendorp.
Todo ambiente do percurso da exposição foi criado pelo estúdio inglês Assemble. A mostra inclui a presença da poltrona Bardi’s Bowl Chair, desenhada pela própria em 1951 e que continua sendo produzida, em edição limitada, a 500 peças, pela empresa Arper, de Treviso.
A mostra celebra e fertiliza as ideias, os princípios éticos e arquitetônicos desta romana que se tornou paulista. Lina Bo Bardi deu os primeiros passos no escritório do renomado arquiteto Gio Ponti, em Milão. Jovem e aguerrida, a recém-laureada tenta abrir o próprio estúdio, em plena Segunda Guerra Mundial. Nem teve tempo para conquistar clientes já que o local foi destruído pelo “raid” aéreo aliado, em 1943. Depois da guerra, Lina Bo Bardi se casaria com Pietro Maria Bardi e, juntos, imigrariam para o Brasil, três anos depois.
No novo país, o casal começou uma profícua colaboração. E, de suas pranchetas, nasceram “filhos” famosos como o Museu de Arte Moderna de São Paulo, o prédio dos Diários Associados, a Casa de Vidro, no Morumbi, o centro social SESC-Pompeia, o teatro Gregório de Mattos, de Salvador, a Casa do Benin, também na capital baiana. Lina Bo Bardi foi a italiana mais brasileira ou a brasileira mais italiana que desembarcou na terra de Pindorama. A resposta vai ser dada pelos frequentadores da exposição. Lina Bo Bardi completaria cem anos em dezembro de 2014. A exposição é um presente de aniversário ao legado que ela deixou e que, curiosamente, é mais valorizado agora do que antes. Sinal de como Lina Bo Bardi estava adiante do tempo, como que indicasse uma nova estrada a ser desbravada e seguida, tal qual uma bandeirante do tempo das Entradas. Cultura, meio ambiente, patrimônio histórico e produção de objetos e de arquitetura permeiam uma existência que foi tão rica a ponto de ditar conceitos básicos para as atuais e futuras gerações.