Comunità Italiana

Mobilização mundial

Nove anos após o tremor de Áquila, Itália Central volta a sofrer com terremoto que deixa 296 mortos. Comunidades italianas no Brasil e no mundo organizam campanhas de arrecadação em prol das vítimas e da reconstrução de cidades históricas

O relógio da torre cívica de Amatrice, na província de Rieti, marcava 3:36 do dia 24 de agosto quando um terremoto de magnitude de 6.0 graus na escala Richter atingiu o centro da Itália, devastando a cidade. Segundo o Instituto italiano de Geofísica e Vulcanologia (INGV), o tremor que durou 142 segundos ocorreu a uma profundidade de quatro quilômetros, tendo como epicentro Accumoli, vizinha a Rieti, atingindo várias cidades das Regiões do Lácio, Marche, Abruzzo e Úmbria. Os municípios de Amatrice, de dois mil habitantes, Accumoli, de 700, e Norcia, de quatro mil, sofreram os maiores danos.
Em Roma, a 200 quilômetros do epicentro, o tremor pôde ser sentido por cerca de 20 segundos. O fato de ter acontecido tão próximo da superfície potencializou a devastação. Danos também foram registrados em Arquata del Tronto, Pescara del Tronto, Ascoli Piceno, Amandola e Gualdo.
O ator e diretor de cinema Patrick Orlando estava na Itália para participar do Cinemadamare, um festival itinerante que acontece em várias cidades italianas, que havia chegado a Aquila no dia do terremoto. Patrick conversou com Comunità e fez um relato do que sentiu na hora dos tremores.
— Eu estava dentro da escola escrevendo o roteiro que rodaríamos no dia seguinte. Lembro que eram 3:30h da madrugada quando comecei a escutar um forte som muito assustador se aproximando. Muito rapidamente veio o tremor da terra. Foi tudo muito rápido; lembro-me de todos nós correndo para fora da escola para encontrar um lugar seguro e nos proteger de possíveis escombros. Ficamos do lado de fora da escola até as 7h da manhã, quando os bombeiros chegaram para fazer a perícia e ver se estava tudo bem com a edificação. Depois do primeiro tremor aconteceram outros dois pequenos. Entre o primeiro e o segundo lembro de escutar o alarme de emergência, nos avisando do perigo. Muitas pessoas nas ruas colocaram suas coisas nos carros e saíram da cidade. Nós, inclusive, saímos de Aquila por volta de meio-dia por medida de segurança, pois poderia haver um novo abalo sísmico na cidade — relembra.
Patrick também conta sobre o clima observado na região após os abalos.
— O clima era de muita tensão. As pessoas não conseguem esquecer o ocorrido. Realmente é um momento muito forte para se esquecer em poucos dias. Espero realmente que todas as famílias afetadas pelo tremor tenham todo o conforto que merecem — relatou o brasileiro à Comunità.
Até o fechamento da edição, o número oficial de mortos era 296. Além disso, 2900 pessoas estavam recebendo assistência em acampamentos habilitados em diversas áreas do centro do país, de acordo com a Defesa Civil italiana. Nos dias seguintes, foram registrados vários tremores secundários, de magnitudes 5.5, 4.6 e 4.3, perto de Amatrice e Norcia. Mais de dois mil tremores secundários ocorreram na região.
Fazer uma comparação com o terremoto de Aquila, ocorrido em 2009, é quase inevitável. Na ocasião, a cidade que se situa a apenas 60 quilômetros do epicentro, causou 300 mortes e deixou 1500 feridos, além de inúmeros desabrigados. Em Amatrice, o terremoto se mostrou fatal pelo fato de ser uma cidade medieval, com construções antigas e sem um sistema antissísmico que poderia ter salvo vidas. A obstrução das ruas pelos escombros contribuiu para a demora da chegada de máquinas e equipamentos utilizados no resgate das vítimas.

Repercussão mundial: papa fala em “grande dor” e Merkel oferece ajuda financeira
Logo após os abalos, a Cruz Vermelha italiana respondeu de imediato, ativando todas as suas Salas de Operação, assim como todos os seus Centros de Emergência no território italiano. O primeiro-ministro Mattro Renzi visitou a região, onde se encontrou com o chefe da defesa civil, Fabrizio Curcio, e com o ministro de transporte e infraestrutura, Graziano Delrio. Em audiência geral realizada na quarta-feira (24), o papa Francisco expressou “grande dor” pelo terremoto que “devastou zonas inteiras e deixou mortos e feridos” na região central da Itália. O pontífice disse ter ficado “fortemente comovido” ao saber que a cidade de Amatrice foi destruída e que havia crianças entre as vítimas.
O presidente dos Estados Unidos, Barak Obama, ligou para o presidente italiano Sergio Mattarella e ressaltou que “os Estados Unidos da América estão próximos da dor dos italianos pelas vítimas do terremoto e estão prontos a oferecer ajuda e assistência”. No Brasil, o presidente interino Michel Temer usou o Twitter para expressar solidariedade à Itália. “Dirijo-me ao premiê Matteo Renzi e ao presidente Sergio Mattarella para levar minha solidariedade ao povo italiano nesta hora de dor”, publicou.
Em Maranello, a chanceler alemã Angela Merkel se encontrou com o premier Matteo Renzi e anunciou que a Alemanha vai ajudar a financiar a reconstrução das cidades afetadas, com a ajuda de empresários e da federação alemã de futebol, que pretende organizar uma partida para arrecadação de fundos.
Ainda em Maranello, a Ferrari anunciou que vai produzir um exemplar extra LaFerrari, em vez das 499 unidades planejadas. O modelo extra do “super-híbrido” de 963 cv de potência combinada será leiloado para ajudar as vítimas. O anúncio foi feito pelo presidente da Ferrari, Sergio Marchionne, durante um encontro bilateral entre representantes dos governos alemão e italiano. A LaFerrari tem preço estimado em 1,4 milhão de dólares, mas pode ultrapassar este valor no leilão. O lance inicial será de 1 milhão de euros.

Região afetada era polo turístico e gastronômico do Lácio
Além da inestimável perda de vidas humanas, o rastro de destruição deixado pelo terremoto fez com que pelo menos 293 edifícios de valor histórico e cultural ficassem seriamente afetados, segundo o primeiro balanço oficial. Entre os edifícios destruídos, estão o Museu Cívico, a basílica de São Francisco e a igreja de Santo Agostinho, onde só restou o campanário, que, mesmo assim, se encontra em condições muito precárias.
Na cidade mais afetada pelo terremoto, Amatrice, pelo menos 11 edifícios históricos desabaram, incluindo as basílicas de San Francesco e de Sant’Agostinho; as igrejas de San Giovanni, Sant’ Agnese, Santa Maria del Suffragio, San Giuseppe, Sant’ Emidio e del Crocifisso; o Arquivo Municipal, a Biblioteca Municipal e o Museu Cívico.
A diferença entre Amatrice e outras pequenas cidades pequenas do Appennino italiano é que ela apresenta um projeto urbanístico extraordinariamente regular, com vários cruzamentos de ruas que se encontram quase em ângulo reto, explica o professor Alessandro Viscogliosi, da Faculdade de Arquitetura da Universidade Sapienza de Roma.
— Tal característica é geralmente atribuída a uma reforma renascentista nas mãos de Cola dell’Amatrice. É muito mais provável que seja uma fundação da segunda metade do século XIII, inspirada na grelha de San Lorenzo, o santo padroeiro da cidade. Mesmo a posição dos grandes mosteiros, imediatamente em contato com as portas das muralhas da cidade, é tipicamente medieval. Casas, certamente medievais, ainda eram reconhecíveis antes do terremoto. Para uma planta tão importante há igrejas igualmente importantes (São Francisco, Santo Agostinho, Nossa Senhora de Loreto), mas também em cerca de 70 aldeias da região existem dezenas de igrejas ainda cheias de obras de arte — explicou à Comunità Viscogliosi.

Na pequena Accumoli, solo foi rebaixado em 20 centímetros
Em Accumoli, a 40 quilômetros ao sul do epicentro, o terremoto causou o rebaixamento de até 20 centímetros do solo no entorno da cidade. A medição foi feita a partir de imagens registradas pelo satélite japonês Alos 2. A pequena cidade de 667 habitantes tem no turismo uma de suas principais fontes de renda. O vilarejo possui importantes edifícios históricos, entre palácios e igrejas, a maioria em estilo medieval. Além de sua arquitetura, a cidade é famosa pela gastronomia, com destaque para o Spaghetti alla Griscia, que leva queijo pecorino.
Outros danos também foram identificados em igrejas e museus de Ascoli, Piceno, Montegallo, Montemonaco, Tolentino, San Ginesio, Gualdo Tadino, Valle Castellana, Rocca Santa Maria, Campli, Torano Nuovo, Teramo, Isola del Gran Sasso, Norcia, Sellano e Cerreto di Spoleto.

Renzi decreta estado de emergência e destina 50 milhões de euros à região
A primeira cerimônia solene, realizada em Ascoli, reuniu os parentes das vítimas da província de Marche, o presidente da Itália, Serio Mattarella, o premier Matteo Renzi, o presidente do Senado, Pietro Grasso, a presidente da Câmara dos Deputados, Laura Boldrini, e o vice-presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli. Os prefeitos de Arquata del Tronto, Leandro Petrucci, e de Aquila, Massimo Cialente, também compareceram.
Renzi decretou estado de emergência e aprovou a destinação imediata de 50 milhões de euros para enfrentar a crise. Renzi também participou de um workshop em Genova, com a presença do famoso arquiteto Renzo Piano, no qual foram abordados vários assuntos, entre eles o projeto Casa Itália, um plano nacional contra terremotos e prevenção de riscos de desastres naturais.
— Nenhum de nós pode parar a natureza, mas por que não mudar a mentalidade e trabalhar em conjunto em um projeto que vai manter nossa família e casas a salvo? Este é o sentido do projeto Casa italiana — declarou o premier, destacando que o processo vai levar anos ou até mesmo gerações para que se complete.
O governo planeja remover os sobreviventes das barracas da defesa civil em menos de um mês, além de construir casas de madeiras nos próximos três ou quatro meses para abrigar pelo menos 2500 pessoas. O ex-governador da Emília-Romanha, Vasco Errani, foi nomeado comissário especial para supervisionar a reconstrução pós-terremoto.
Outra medida de ajuda às 17 cidades afetadas pelo terremoto foi tomada pelo ministro de Economia Pier Carlo Padoan. No dia 1º de setembro, ele assinou um decreto que suspende o pagamento de taxas e obrigações tributárias dos municípios afetados. A isenção fiscal vai até o dia 20 de dezembro, com possibilidade de prorrogação do prazo.

Campanha gera filas em museus
O Ministério italiano de Bens Culturais e Turismo estabeleceu que a renda proveniente das bilheterias de museus e sítios arqueológicos públicos do país será revertida às cidades atingidas. Segundo o ministro Dario Franceschini, o dinheiro arrecadado será utilizado na reconstrução e recuperação de monumentos, como as igrejas de Amatrice. A medida fez com que grandes filas se formassem nas cidades italianas, repletas de cidadãos dispostos a contribuir com a causa.

Como doar I
Embaixadas da Itália em todo o mundo divulgaram o número da conta da Cruz Vermelha italiana para os interessados em fazer doações.
Código Iban: IT38R0760103000000000900050
BIC/Swift: BPPIITRRXXX
Destinatário: Poste Italiane con Croce Rossa Italiana – Terremoto Centro Italia

Meu dia de sorte em San Severino Marche
“Pegue o passaporte, o dinheiro que tiver e desça.” Foi essa frase do meu colega José Ribamar Pinheiro que me tirou do estado de choque em que entrei ao me dar conta que um intenso terremoto havia atingido a cidade onde estava na Itália. Passava das 3 da manhã. Eu batia papo ao telefone com um amigo jornalista, deitada confortavelmente na cama de um dos quartos do palácio Servanzi Confidati, na graciosa e hospitaleira San Severino Marche. O local é sede da escola Edulíngua, onde fui fazer um curso para melhorar meu italiano. Falávamos da crise econômica e política no Brasil, quando ouvi um barulho forte, como um estalo, ao mesmo tempo em que o grande armário de madeira e as grossas paredes do prédio balançaram ao meu redor.
Sem ter ideia da gravidade do que acontecia, lembrei-me da sensação semelhante que tive no Brasil em 2008, quando um terremoto que atingiu o litoral paulista foi sentido em várias regiões da cidade de São Paulo. Mas dessa vez, o estrondo e o tempo de movimentação me levaram a crer que a situação era mais séria.
Não lembro se desliguei ou não, mas deixei o quarto, tentando ter em mente tudo que já ouvi sobre terremoto e procedimentos de segurança. Foi então que, atordoada, encontrei José Ribamar no corredor, funcionário da Marinha Mercante aposentado. Como sabia que ele já tinha enfrentado experiências dramáticas no litoral brasileiro, o ouvi com atenção e segui exatamente o que me disse quase em tom hipnótico. Peguei meu passaporte, dinheiro e desci para o hall em tempo recorde.
Alguns minutos depois, o diretor da Edulíngua, Giorgio Massei, já estava lá, dando todas as orientações. Ele nos tranquilizou, mostrando que apesar da gravidade da situação, principalmente na cidade de Amatrice, a mais atingida, estávamos em segurança devido às estruturas que reforçam o palácio do século XVII, como exige a lei italiana.
Dei-me conta, então, que em nenhum momento ouvi um grito, que o choque que tomou conta da maioria de nós foi controlado pela troca de informações e o conforto dos mais experientes. Embora não tenhamos sofrido nada além do susto, o sentimento de consternação, respeito e solidariedade pelas vítimas era geral. Ouvi novamente Riba falar, tentando ajudar as pessoas a relaxarem: “Se este prédio está aqui há tanto tempo e nunca sofreu nada, não vai ser hoje”. Concordei novamente, subi e deitei para tentar dormir, mantendo os meus pensamentos naqueles que não tiveram a sorte, como eu, de estar na que se tornou a minha cidade do coração, San Severino Marche.

* Por Mirela Tavares

Como doar II
Na Itália, a Tim, em parceria com Corriere della Sera e TG La7, anunciou a campanha #unaiutosubito para arrecadar doações. Mais de 500 mil euros foram arrecadados até agora. Boa parte das doações vem dos Estados Unidos e países da Europa, como França e Inglaterra. O número de doadores e o montante arrecadado ficam visíveis no site, em tempo real. As doações vão direto para uma conta bancária vinculada à campanha e um comitê foi criado para coordenar as ações e aportar as doações em projetos prioritários. Brasileiros com cartão de crédito internacional podem doar valores a partir de 10 euros pelo site www.unaiutosubito.org/en/terremotocentroitalia2016

A gastronomia italiana
em prol da causa
A cidade de Amatrice, a mais atingida pelo terremoto, é o berço do tradicional spaghetti alla amatriciana, um prato que nasceu da tradição dos pastores. Para contribuir com a causa, o blogger culinário e design gráfico Paolo Campana lançou a campanha “Amatrice” com o objetivo de arrecadar fundos para as vítimas da tragédia. A iniciativa gastronômica tem como protagonista o próprio prato originário de Amatrice e logo se tornou “viral”, recebendo apoio de Carlo Petrini, presidente do Slow Food, que criou a campanha ‘Futuro per Amatrice’, na qual convida os donos de restaurante a colocarem no menu o prato emblemático da cidade afetada. O chef inglês Jamie Oliver respondeu ao apelo e convidou outros chefs através do Instagram e do Twitter. No Rio de Janeiro, o Comites e a Câmara Ítalo-brasileira de Comércio criaram a campanha “Uma amatriciana para Amatrice”, à qual aderiram 20 restaurantes. Ao pedir uma massa com o famoso molho no almoço ou no jantar, o cliente destina metade do valor pago à causa. Estabelecimentos representativos da culinária italiana aderiram à campanha, como Casa do Sardo, Da Carmine, Alessandro e Federico, Gabbiano e Fiammetta.

Como doar III
No Brasil, o Comites também lançou a campanha “Para a Itália de Coração”, para colher donativos para a Cruz Vermelha Italiana. As doações podem ser feitas através dos seguintes dados:
Comites – Comitato degli Italiani all’Estero
CNPJ – 80.518/0001-74
Bradesco – Agência 1342-0
Conta Poupança: 1003278-4