Associações italianas no Brasil pedem mais participação do governo italiano e dizem que não querem mais assistencialismo
A coletividade italiana que reside no Brasil mudou nos últimos vinte anos e, com ela, suas necessidades e exigências. Os Comites dos Italianos no Exterior e as várias associações espalhadas pelo país tentam se adaptar, mas a crise econômica pela qual atravessa a Itália também prejudica as entidades.
Os Comites, além da falta de verbas, devem enfrentar outro problema: já se passaram dez anos desde a última eleição, em 2004.
— A lei previa a renovação em 2009, mas, desde aquele ano, foi prorrogada até hoje, através de decretos e mais decretos. As eleições devem acontecer necessariamente antes do fim do ano — declara à Comunità a presidente do Comites em São Paulo e atual presidente do Intercomites, Rita Blasioli Costa, que mora no Brasil há quase 27 anos. A abruzzese lembra que uma lei de 2004 determina que um conselheiro não pode ocupar o cargo por mais de dois mandatos consecutivos e que cada mandato deve durar cinco anos.
— Se não houver eleições neste ano, segundo o meu ponto de vista, nos tornamos ilegais! — desabafa.
Rita acredita que as eleições são uma ótima oportunidade para dar aos jovens e aos ítalo-brasileiros a possibilidade de representar a coletividade italiana, acompanhar de perto as novas tecnologias para se comunicarem e “darem aquele espírito novo do qual os Comites precisam”.
Os Comites foram instituídos pela lei 205/1985 e são organismos representativos eleitos diretamente pelos italianos residentes no exterior. Atualmente, em território brasileiro, existem seis sedes ligadas às circunscrições consulares (Recife, Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba e Porto Alegre) e um organismo representativo chamado Intercomites, formado pelos seis presidentes que periodicamente assumem a presidência.
Umas das conquistas dos Comites foi a obtenção do direito de voto dos cidadãos que residem no exterior, instituído pela Lei Tremaglia, em 2001, de autoria do então ministro Mirko Tremaglia, falecido em 2011 aos 85 anos.
Segundo o presidente do Comites em Porto Alegre, Adriano Bonaspetti, ter um representante dos italianos no exterior é muito importante, pois ele pode defender os direitos dos cidadãos e relatar ao Parlamento o que a comunidade precisa.
— Tudo o que representa a Itália no exterior, Embaixada, Consulados, Câmaras de Comércio e Comites, está em crise, porque cortaram os fundos — diz o italiano de Savona que mora há mais de 50 anos no sul do Brasil.
A presidente do Comites de São Paulo considera os representantes eleitos nas ultimas eleições muito participativos.
— Infelizmente o problema é que até a Itália alcançar uma estabilidade política, acho difícil pensar nas políticas para o exterior — explica Blasioli, definindo os Comites como células de base do trabalho desenvolvido pelos parlamentares na Itália.
A questão na qual os Comites insistem é a dos poderes e das funções que lhe são atribuídos, sem relação com a atualidade. Os parlamentares ítalo-brasileiros chegaram ao governo italiano após a constituição dos Comites, o que deveria mudar as funções dos organismos, de forma que possam se tornar um instrumento de colaboração no território brasileiro dos políticos eleitos, trabalhando junto com os Consulados e a Embaixada.
Entidades não navegam em boas águas
Além dos órgãos representativos como os Comites, as associações também vivem situações trágicas. Na capital fluminense, a primeira instituição, a Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro (SIBMS), foi criada em 1854 com o financiamento do imperador Pedro II e da imperatriz napolitana Teresa Cristina. A SIBMS também é mantenedora do Hospital Italiano desde 1859, do Centro Médico e da casa de repouso Villa Paradiso, situados no bairro carioca do Grajaú. O Hospital Italiano retornou as atividades em agosto de 2013 após reformas estruturais e organizativas.
O presidente do Comites do Rio de Janeiro, Francesco Perrotta, explica que, até o final dos anos 1980, surgiram várias associações ítalo-brasileiras, mas, com o tempo, e principalmente devido ao cansaço dos mais velhos e a falta de interesse dos mais novos, a quantidade tem diminuído. Ele contabiliza que existem hoje apenas três ou quatro associações italianas na capital fluminense.
— Devido à crise econômica, à falta de verbas e de atenção por parte das nossas autoridades, infelizmente, muitas das associações estão fechando, uma por uma — ressalta à Comunità Perrotta, cansado das “falsas promessas das autoridades”.
Segundo ele, há duas décadas, a situação era diferente.
— A coletividade italiana existente hoje é feita por cidadãos de segunda e terceira geração que, mesmo com fácil acesso aos meios de comunicação, nem sempre se preocupa com o que acontece na Itália — desabafa o presidente do Comites.
Com a chegada da crise econômica europeia, as verbas e as ajudas diminuíram sensivelmente para as associações italianas a ponto de algumas encerrarem suas atividades, como é o caso do Comitê Assistencial Italiano (Coasit), que fechou as portas em agosto de 2012, após 50 anos de existência.
O que precisa ser mudado, na opinião de Rita Blasioli, é a visão da Itália sobre a coletividade da América Latina e, em particular, sobre a realidade do Brasil, que “muitas vezes se limita a intervenções de caráter assistencialista”.
— Não somos mais os primos pobres de 30 anos atrás e acho que isso ainda não foi compreendido. Hoje, em particular no Brasil, essas intervenções devem ser vistas como investimento, pois a sociedade brasileira mudou e aqui temos um potencial de 30 milhões de descendentes que nesse momento poderiam ser úteis à Itália, também sob o ponto de vista econômico, como mercado consumidor ou turístico — enfatiza Blasioli, que vê o Brasil como um grande patrimônio para o Belpaese. Por isso, segundo ela, é preciso renovar os Comites e o Conselho Geral dos Italianos no Exterior (CGIE), para que possam ter outras funções e sejam mais propositivos.
Sistema mostra interesse pela comunidade ítalo-brasileira
No mês passado, o subsecretário do Ministério italiano das Relações Exteriores, Mario Giro, realizou uma visita ao Brasil, quando encontrou com políticos e representantes da comunidade italiana de São Paulo e Rio. Giro admitiu que “tradicionalmente, na Itália, temos prestado pouca atenção na região da América Latina e não empreendemos uma política para os descendentes”.
Segundo os dados da Embaixada italiana no Brasil, as comunidades no exterior, estão presentes cerca de 450 associações italianas ou ítalo-brasileiras de vários tipos.
— O fenômeno associativo no Brasil é muito ativo e isso dá muita satisfação à Embaixada que segue de perto as atividades das associações e no limite do possível tenta sempre de participar e dar apoio — declara à Comunità o conselheiro da Embaixada italiana no Brasil, Gabriele Annis.
O conselheiro admite que, com as dificuldades financeiras italianas dos últimos anos, diminuíram as contribuições do Estado italiano para as associações, e, “por isso, a maioria segue adiante com seus próprios recursos e especialmente com o entusiasmo e o apego às raízes que caracteriza os seus membros, que são centenas de pessoas”.
É o caso do Circolo Veneto de Bento Gonçalves (RS), que tem como sede física a casa do ator e ex-presidente da entidade Daniel Luis Rasador Mascherim.
— As associações não existiriam mais se não fosse pela ajuda e apoio das pessoas. O Circolo Veneto não recebe ajuda governamental. Por isso, às vezes, os sócios até ajudam, tirando o dinheiro do próprio bolso, para que a associação continue a existir— comenta à Comunità Daniel Rasador, que faz teatro típico italiano e cedeu gratuitamente sua casa para as reuniões da entidade.
Bento Gonçalves é um dos mais importantes roteiros turísticos da Serra Gaúcha e anualmente recebe uma média de um milhão de visitantes, que buscam o clima romântico da serra, o bom vinho e a farta gastronomia, herdada dos imigrantes italianos.
— Se não fosse pelos imigrantes italianos, a nossa região não existiria. Aqui em Bento Gonçalves a maioria veio do Vêneto e do Trentino — conta.
O Circolo Veneto tenta preservar as tradições através do idioma: na associação, são oferecidas aulas de italiano e os sócios procuram falar em dialeto durante as reuniões para não perder as raízes.
Daniel explica que antes, a prefeitura ajudava com uma verba para pagar o aluguel de uma sala, mas depois a extinguiram.
— A gente não quer deixar morrer as nossas raízes vênetas e italianas. Nós estamos fazendo de tudo para manter viva a associação!