A colheita começa cedo, pois o sol no início de setembro ainda é intenso como o rugido do leão. Às sete horas da manhã, elas começam a trabalhar cantando em dialeto salentino, ao ritmo de Pizzica. Parece uma festa. Afinal, para as mulheres camponesas, colher os frutos desta terra à qual elas tanto se dedicaram merece uma comemoração. Estamos no “salto” da Bota, no Salento costeado pelo Mediterrâneo: a leste, o mar Adriático; a oeste, o Jônico.
Ao sul da Puglia, a agricultura tem raízes profundas no tempo. Na paisagem plana permeada por oliveiras e vinhas, a vastidão das plantações é contornada por muros baixos de pedras como jardins encantados. No centro desta cultura, está o trabalho de tantas famílias e principalmente das mulheres. Na fazenda de Jaddico, a oito quilômetros ao norte de Brindisi, as trabalhadoras rurais sempre foram consideradas protagonistas, especialmente nas vinhas, onde sensibilidade e experiência são transmitidas a diversas gerações, sempre de mãe para filha.
Grazia Elia, de 55 anos, começou a colher uvas quando tinha apenas 15 anos de idade.
— Eu aprendi com a minha mãe que, por sua vez, aprendeu com a minha avó. Não é um trabalho fácil, pois exige esforço físico e habilidade manual. Mas o clima é maravilhoso, cantamos e dançamos para comemorar este momento especial — comentou com Comunità.
Assim como Grazia, diversas famílias salentinas baseiam sua existência no trabalho agrícola das mulheres.
Herança vem dos tempos da dominação grega
A viticultura no Salento é uma tradição herdada dos antigos gregos: uma cultura que se estendeu ao longo do tempo para se tornar uma das principais fontes da economia local.
— Nesta área, especialmente nas vinhas, a maior parte do trabalho é feita pelas mulheres por causa da habilidade manual delas, da sensibilidade, da delicadeza, e também porque, à diferença dos homens, elas não automatizam o gesto. Prestam atenção em todos os detalhes e cada cacho de uva é colhido com carinho — explicou Romina Leopardi, diretora de marketing da vinícola Tenute Rubino.
Para valorizar este patrimônio cultural, a empresa decidiu colocar as mulheres em evidência, reconhecendo o trabalho delas como fator essencial para obter a qualidade e o prestígio dos vinhos. Segundo Romina, a ideia nasceu anos atrás ao refletir sobre a cultura local.
— Chegamos à conclusão de que era preciso destacar a relevância das mulheres. Portanto, decidimos fazer um projeto de valorização e de educação, abrindo as vinhas à visitação pública. Deste modo, as pessoas podem participar diretamente da colheita das uvas com as mulheres e assistir ao início do ciclo de vinificação. Acreditamos que o melhor método para reconhecer a qualidade de um vinho é viver de perto todo esse processo, desde a colheita nos campos até a visita à nossa vinícola — contou Romina.
Vindima é uma grande festa da qual até as crianças participam
Em um sábado, Comunità assistiu à colheita no dia 6 de setembro, na fazenda de Jaddico, para a colheita da uva Susumaniello — uma variedade nativa. Famílias acompanhadas de crianças puderam participar da vindima. A ocasião é de fato uma festa: não faltou dança e música típica da Pizzica salentina, que usa instrumentos como violão, pandeiro, bandolim, sanfona e clarinete.
Depois de colher, dançar e cantar, foi a vez dos prazeres da gula. Como uma grande família italiana, todos se acomodaram diante de enorme mesa em um almoço à base de produtos locais, como pimentões, berinjelas e outros legumes mediterrâneos. O destaque foi a burrata feita na hora. Este queijo fresco é definido como um meio termo entre a mussarela de búfala e a manteiga — seu nome, inclusive, é derivado da palavra burro, que significa manteiga em italiano.
A redescoberta das uvas nativas, os rubis do Salento
Os dados da Vinitaly revelam que, nos últimos cinco anos, a Puglia é a terceira região que mais produz vinhos na Itália: 6,2 milhões de hectolitros. A primeira é o Vêneto (8,2), seguido pela Emília-Romanha (6,5). A Sicília está em quarto lugar, com 5,6 milhões de hectolitros, o dobro da quantidade produzida pelo Piemonte e pela Toscana, com 2,6 milhões de hectolitros cada uma.
A região da Puglia, com clima tipicamente mediterrâneo e a composição calcária do solo, a tornam ideal para o plantio de uvas. Sua topografia também favorece a grande plantação de videiras, sendo em sua maior parte do território dominada por planícies. Devido à grande produção de uvas, nos anos 50, os vinhos da região eram exportados dentro de caminhões e cisternas para a França, onde vinham misturados (cortados) com os vinhos franceses (assemblage).
Como acontece em todo o sul da Itália, a Puglia tem uma rica variedade de uvas nativas que representam um tesouro, pois dão charme e exclusividade aos seus vinhos nestes tempos de excessiva globalização. Nas últimas duas décadas, houve uma revalorização das uvas nativas como identidade territorial e personalidade local.
Na parte mais ao sul do salto da Bota, precisamente no Salento, ficam os vinhos considerados mais finos, a maioria tintos. O Negramaro é uma das variedades nativas mais encontradas na região do Salento. É considerada uma vinha tardia, pois a colheita das uvas é realizada a partir da metade de setembro. O cacho tem forma alongada, com as frutas bem unidas. Os vinhos tintos têm cor concentrada, com toque quase amargo. Quando a vinificação é branca, esta uva pode resultar em elegantes vinhos rosé, com cor rosada mais forte em relação à maioria dos rosé italianos.
Entre os amantes dos vinhos pugliesi, existe uma competição entre o Negramaro e o Primitivo, uma das variedades nativas mais conhecidas no mundo.
— O Primitivo, como o nome significa, é a primeira uva tinta que colhemos no verão, pois o seu amadurecimento acontece entre a metade e o fim de agosto. Portanto, é uma uva doce, carregada de açúcares. Caso não seja colhida, pode se transformar em uva passa na própria vinha, com um processo natural — explicou o produtor Luigi Rubino.
Neste processo de redescoberta territorial, a vedete é a uva Susumaniello, originária dos arredores da cidade de Brindisi. Os cachos são pequenos, com frutas escuras, em tom bordô quase preto azulado. O nome deriva de somarello, que em italiano quer dizer o burro que carrega nas costas a mercadoria. No caso, representa o cacho carregado de muitas uvas.
— O cacho parece uma miniatura; portanto, o rendimento por hectare é baixo, tanto que alguns produtores, nos anos passados, abandonaram as plantações. Hoje, é diferente, pois o vinho é visto como identidade e caráter, e a uva Susumaniello reconquistou o grande valor. Cultivam-se 44 hectares em todo o Salento, somente na província de Brindisi — disse Luigi Rubino.
Devido à sua posição geográfica estratégica, a Puglia, ao longo da história, sofreu invasões e dominações de diversos povos. Fez parte da Magna Grécia, no período de colonização grega no sul da península italiana entre os séculos VIII a.C. e VI a.C. Os gregos antigos chamavam-na de Enótria, que significa “Terra das Vinhas”. O Salento é, há muitos séculos, uma terra beijada pelos mares, ventos e vinhos.