Morte de turista italiano no Morro dos Prazeres dá luz a projeto social para apoiar o estudo das crianças de favelas. Vítima de sequestro e sobrevivente da tragédia, Rino Polato conversa com exclusividade com Comunità e pede a colaboração de todos para evitar que adolescentes das comunidades carentes do Brasil caiam na armadilha do crime
A viagem dos primos e amigos vênetos Roberto Bardella e Rino Polato era uma espécie de continuação das etapas cumpridas na América do Sul entre 14 de dezembro de 2010 e 18 de janeiro de 2011. Eles já haviam explorado as paisagens argentinas e chilenas seis anos atrás, ao longo de 13 mil quilômetros a bordo da BMW F650GS. A ideia de viajar pelo continente era um projeto antigo de Roberto. Na primeira aventura, eles percorreram Santiago do Chile, a ilha de Chiloé, Ushuaia, Mar del Plata e Buenos Aires. A segunda etapa, de 2016, também comemoraria a aposentadoria de Rino, que passou a ter mais tempo livre para o turismo sobre duas rodas. Foi combinado, então, que voltariam à América do Sul para conhecer o resto do continente. E o Brasil era um destino inédito para ambos, apaixonados por motociclismo.
Os disparos efetuados em um dos acessos do Morro dos Prazeres na manhã de 8 de dezembro, no Rio, seguindo a ordem do chefe do tráfico local, além de colocar fim à viagem dos sonhos do pai do jovem Mattia, mais uma vez confirma ao mundo os graves problemas sociais brasileiros. Tão graves a ponto de comoverem as próprias vítimas e seus familiares. Poucos dias após o ocorrido, já de volta à Itália, Rino anunciou o desejo de ajudar as crianças de favelas cariocas através de campanha de arrecadação de fundos e outras atividades. O projeto ganhou o nome de Il viaggio di Roberto e por enquanto está apoiado na congregação das Irmãs Paulinas, à qual pertence a tia da esposa de Roberto. Em princípio, o valor arrecadado será usado para a compra de livros para as crianças. E as crianças são a prioridade absoluta do projeto, destaca Rino.
— Eu passei duas horas e meia em um carro, dentro da favela, e vi vários garotos com armas, muito provavelmente drogados, num lugar onde existe pobreza e medo de tudo. Que a morte de Roberto não tenha um fim em si mesma, que não seja inútil. Se ajudarmos pelo menos uma criança por ano a sair da malavita, do mundo das drogas, já será válido… Viramos a página e queremos falar do que virá, com a minha vontade, a vontade da esposa e do filho de Roberto, Mattia, de 19 anos, de ajudar as crianças das favelas — afirmou à Comunità o italiano, adiantando que também pensa em realizar outros projetos na Itália com o apoio, talvez, da mídia e de clubes esportivos, “priorizando o futuro e não o passado”.
Consultor aposentado de uma multinacional alemã, Rino confirma que provavelmente a dupla foi confundida com policiais, fato agravado pela presença de uma câmera instalada no capacete do primo.
— O problema era a câmera, as roupas; enfim, tudo nos colocou como suspeitos.
Segundo a polícia, Claudio Augusto dos Santos, o traficante Jiló, que continua foragido, teria dado a ordem de disparar contra qualquer pessoa suspeita que tentasse entrar na favela.
— O caso teve muita repercussão também em nível europeu; a CNN quer me entrevistar, sem mencionar os diversos jornalistas brasileiros que me procuram — comenta o motociclista, que foi liberado pelos traficantes após mais de duas horas de tensão.
Apesar do trauma, a impressão do Brasil que o viajante carrega consigo é a melhor possível, e ele faz questão de transparecer essa ideia aos amigos e em suas publicações nas redes sociais.
— Eu digo a todos os meus amigos, ao padre da minha cidade durante uma missa, que eu tive uma boa impressão. As pessoas que eu conheci no Rio e no Brasil em geral eram sempre brava gente. Não quer dizer que, porque entramos numa favela, porque Roberto morreu por causa de uma pistola numa favela, os brasileiros não sejam boas pessoas. Pelo contrário. As pessoas me paravam na rua, me abraçavam e pediam desculpas. Quando eu estava na polícia, veio falar comigo o vice-diretor de Turismo. No Consulado italiano do Rio, os brasileiros que ali trabalham vieram falar comigo, pedindo desculpas. Lembro-me de uma senhora baixinha e magra, que pediu ao cônsul se poderia me abraçar, e ela me abraçou muito. Seria a mesma coisa se um brasileiro fosse atingido por um tiro em alguma cidade italiana, em Nápoles, ou Veneza. As pessoas são boas, têm alma, coração. Infelizmente, por diversos motivos, políticos corruptos etc., acontecem essas coisas nos países — comenta o italiano da pequena Fossalta di Piave.
O turista lembra com carinho das abordagens das pessoas nas cidades brasileiras antes da tragédia.
— Justamente na noite antes da tragédia, comentávamos o quanto era belo o povo no Brasil. As pessoas nos paravam para perguntar de onde éramos. Todos nos felicitavam pela nossa linda viagem. Roberto, inclusive, sonhava com Copacabana, Foz do Iguaçu e com o Cristo… Queria também ir até a Floresta Amazônica fazer o passeio de barco — revela.
Comoção em Jesolo
A morte de Roberto Bardella comoveu em cheio Jesolo, onde vivia com a esposa Claudia Vianello e o filho Mattia, a 40 km de Veneza. O litoral da cidade de apenas 26 mil habitantes atrai no verão milhares de turistas, sobretudo do Vêneto. Na Piazza Aurora, ele administrava uma agência imobiliária junto com a esposa. Mais de mil pessoas se reuniram na Igreja do Sagrado Coração de Jesus para o último adeus a Roberto.
O prefeito de Jesolo, Valerio Zoggia, lamentou ocorrido, lembrando que era conhecido por frequentar ambientes esportivos.
— Era uma pessoa muito solar, como definem seus amigos. Quando recebemos a notícia, a comunidade ficou muito comovida. Colocamo-nos à disponibilidade da família, caso ela precise de nós.
O governador do Vêneto, Luca Zaia, cujo avô nasceu no Brasil em 1896, que esteve no último mês de novembro no Rio Grande do Sul, também lamentou o ocorrido em entrevista ao telejornal TG Venezia.
— Estamos próximos da família e à disposição em caso de necessidade — afirmou Zaia à TV local.
O San Donà, equipe à qual pertence Mattia Bardella, promessa do rugby italiano, também lamentou a morte do pai do atleta em sua página no Facebook.
Como colaborar
O primeiro passo do projeto Il viaggio di Roberto é recolher fundos financeiros para dar suporte às atividades com as crianças de favelas cariocas, em parceria com a Instituição Irmãs Paulinas, com sede na Itália e no Brasil. O montante arrecadado deverá ser enviado à Associação Franco Brasileira, mantedora do projeto Casa Irmã Felicidade, que atende 60 crianças e adolescentes de comunidades em situação de vulnerabilidade social.
— Temos várias ideias, mas primeiramente pensamos em enviar o dinheiro para a favela através das Irmãs Paulinas — adianta Rino Polato, que também está preparando um artigo com dicas para motociclistas que queiram viajar pelo Brasil para uma revista italiana especializada.
Quem quiser colaborar pode fazer um depósito a partir do Brasil ou da Itália.
Na Itália:
-Transferência bancária:
IBAN IT 06 V 02008 03298 000005053238
Banco Unicredit
Favorecido: Pia Sociedade Filhas de São Paulo
Motivo: “Il viaggio di Roberto”
Vale postal: 000030434005
Favorecido: Pia Sociedade Filhas de São Paulo
Motivo: “Il viaggio di Roberto”
No Brasil:
Banco do Brasil
Ag. 0288-7; C/C -27572-7
Favorecido Associação Franco Brasileira
Motivo: “Il viaggio di Roberto”
Apoio de Comunità
A revista Comunità está apoiando o projeto Il viaggio di Roberto. Além de divulgar a campanha de arrecadação de fundos na edição impressa e nas redes sociais, a redação prepara um guia com recomendações para motociclistas italianos que planejam viajar para o Brasil, com dicas de viajantes experientes.