Na Itália e no Brasil, iniciativas itinerantes unem livros e entretenimento para despertar entre as crianças o amor pelos livros
Como dizia Mario Quintana, “Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas”. Dois exemplos de amor pelos livros seguem a máxima e se dedicam a conduzir as crianças pelo fascinante mundo dos livros e das letras. Na Itália, esse amor pela leitura foi o que moveu o professor aposentado Antonio La Cava a criar sua biblioteca itinerante, com a qual ele leva livros para crianças dos vilarejos da região da Basilicata. Em 2003, ele comprou uma moto APE usada e, com a ajuda do artesão Vincenzo Papandrea, modificou o veículo para criar sua biblioteca itinerante em forma de casa, então com capacidade para 700 livros: nascia, assim, o Bibliomotocarro.
Durante 42 anos, Antonio foi professor em Ferrandina, na província de Matera. Hoje, aposentado das salas de aula, ele continua com a mesma energia para espalhar o amor pela leitura entre as crianças. Entre uma cidade e outra, o Maestro La Calva, como é conhecido na região, conversou com Comunità e contou um pouco sobre sua história e experiência como professor.
— Sempre tive dentro de mim um desejo, um amor e uma dedicação pelas crianças. Sempre acreditei na scuola viaggiante e no uso didático do território. Sempre me fascinou a ideia de levar aos alunos o amor pela leitura. Os meus pais eram camponeses e quando minha mãe apagava a lâmpada de casa, nas noites de inverno, por volta das 19 horas, para poder ler, eu acendia uma vela, que nunca mais se apagou dentro de mim e alimentou a minha paixão pela literatura — conta.
Além de incentivar a leitura, Antonio vê o Bibliomotocarro como um resultado feliz e vencedor de uma afortunada conjugação entre razões objetivas, representadas pela defasagem e a tentativa de reconquistar a atenção perante a crescente insatisfação em relação ao livro, junto às gerações mais jovens, cada vez mais atraídas pelos meios de comunicação eletrônicos, e motivos subjetivos, representados por um professor que sentia o dever de fazer qualquer coisa para resolver o problema.
— Eu sentia a angústia de envelhecer em um país de não leitores e, incentivado pelos meus alunos, decidi que precisava dar um exemplo de ação concreta. Sobre isso, devo dizer que estou particularmente satisfeito e orgulhoso — explica o Maestro La Calva.
Projeto inclui laboratórios criativos, empréstimos de livros, animações e
criação de textos
A biblioteca também conta com livros bilíngues em italiano-albanês, italiano-árabe e italiano-chinês, além de obras feitas especialmente com didática para os idosos que abandonaram a escola. O Bibliomotocarro também conta com o projeto intitulado Fino ai Margini, destinado às crianças das pequenas localidades da Basillicata com menos de mil habitantes, composto por uma série de laboratórios realizados nas escolas das comunidades visitadas. Incluem os serviços I libri hanno le ruote, de empréstimo gratuito de livros; I Libri Bianchi, nos quais diversas crianças das mais diferentes localidades escrevem suas próprias histórias; Dalla Pagina al Mondo, uma atividade que combina teoria e pratica para realizar um curta metragem partindo de um texto literário; e Entrare com La Testa, Uscire com La Testa, que realiza animações partindo de um texto.
O professor aproveita para citar alguns dos motivos que levam os pequenos a se distanciarem da leitura:
— As razões são tantas e começam na escola, que ensina a ler, mas não a amar a leitura; continuam com a família, com a falta de modelos positivos. Por isso, o Bibliomotocarro tem o modelo de uma casa. E encontram, enfim, na sociedade, fútil e banal na qual vivemos — explica o professor, que destaca também os novos meios de comunicação como úteis e indispensáveis para o incentivo e aprendizado, mas sem abandonar o livro, que ele insubstituível.
Tudo é mantido pelo professor aposentado de Matera, sem patrocínio
Entre as despesas com a compra de obras e a manutenção do veículo La Cava, ele estima que a cada ano os gastos com o Bibliomotocarro cheguem a 10 mil euros, que ele tira do próprio bolso, já que não conta com apoio de patrocinadores, autoridades ou editores. Ainda assim, se esforça para manter o acervo atualizado, uma vez que as crianças, assim como os pais, sempre pedem novidades.
Aos 70 anos, Antonio continua com o entusiasmo de quatro décadas atrás. Para provar isso, a cada semana, percorre 500 km pelas vilas da região, e é recebido com alvoroço pelas crianças, que vão ao seu encontro quando escutam o Bibliomotocarro chegar. Nestes 16 anos de projeto, Antonio já percorreu cerca de 100 mil quilômetros, sendo 80 mil só na Basilicata, principalmente nas províncias de Matera e Potenza. E sempre que possível chama a atenção de pais e professores para ficarem atentos às crianças.
Projeto criado por pedagoga alegra as crianças de Londrina
No Brasil, o exemplo vem de Londrina, no Paraná. A ítalo-brasileira Daniella Fiorucci Caricati, juntamente com Fernando Goes, que interpreta o palhaço Coisa Fina, é a idealizadora do projeto Biblioteca Viva Itinerante, que surgiu em 2006 com o nome Biblioteca Viva, que combinava brincadeiras da tradição popular e a figura cômico-popular do palhaço. Após passar por uma mudança, em 2009, o projeto adquiriu o nome atual e hoje combina palavras e brinquedos, histórias e brincadeiras, poemas, livros e palhaços para despertar os interesses das crianças. A criadora do projeto comenta sobre a boa aceitação junto à população.
— Vemos crianças participando das atividades propostas e propondo brincadeiras, o que significa que elas sabem que têm um espaço; voltam e trazem companheiros. A troca de livros é um diferencial no projeto. É preparada para cada encontro, a partir do momento que conhecemos as características do público, como idade e interesses. Isso possibilita que as crianças tenham acesso a esse bem cultural. Depois de mais de 100 ações em praças, podemos afirmar que não há criança que não se encante com os livros e com as histórias — destaca Daniella.
A Biblioteca Viva Itinerante se restringe à cidade de Londrina e conta com o apoio de escolas municipais dos bairros visitados, assim como de pessoas que contribuem com doações, e da livraria Ciranda. Além da troca de livros, o projeto conta com oficinas, geralmente oferecidas por membros convidados. Durante o mês, nas visitas a escolas e às ruas dos bairros escolhidos, são trocados cerca de 30 livros e oito gibis na saída da escola. Mas esse número pode chegar a 100 livros nos fins de semana. Entre livros e gibis, 500 trocas foram feitas durante o ano.
Quando a biblioteca chega a um bairro, o público é convidado a brincar e a se apropriar das linguagens artísticas. Já na última visita ao bairro, é realizado o evento Biblioteca Viva, que ocupa praças públicas. Pedagoga de formação, Daniella Fiorucci acredita que um dos fatores pelos quais tantos jovens não despertam o verdadeiro gosto pela leitura é a prática de ensino, que impõe a leitura como uma obrigação.
— A literatura nunca foi presente realmente na vida da população do Brasil, mas as histórias, sempre. Não é dada uma real oportunidade para esse gosto. Literatura aparece na escola como obrigação; raramente se incentiva o gosto por ela — comenta Daniella.