{mosimage}Milhares comparecem ao funeral do ex-presidente Luigi Scalfaro, falecido aos 93 anos, em Roma. Visita ao Brasil em 1995 foi marcada pela emoção
No último adeus, na Igreja de Santo Egidio, no bairro de Trastevere, no coração da capital, não havia uma coroa de flores, mas o buquê de pimentas malaguetas escolhido pela sua única filha Mariana. Oscar Luigi Scalfaro adorava comida picante, especialidade do Sul da Itália, embora tivesse nascido em Novara, na região do Piemonte, no Norte do país. Ele morreu no último 29 de janeiro, aos 93 anos, em seu apartamento, em Roma. Sua despedida foi sóbria, sem cerimônia solene e repleta de significados. A começar pela pimenta, que simboliza a união cultural entre o Norte e o Sul do país — em um momento de ventos separatistas que sopram de partidos extremistas setentrionais.
Durante a missa celebrada na igreja Santa Maria, em Trastevere, o monsenhor Vincenzo Paglia recordou que, em cima do criado mudo de Scalfaro, havia sempre um rosário e o livro da Constituição, representando a sua fé católica e a devoção laica pela instituição.
Poucos homens guiaram a Itália em situações tão difíceis como durante o período do seu mandato, de 1992 a 1999. Eleito presidente da República em 25 de maio de 1992 — apenas dois dias após o clamoroso assassinato do juiz Giovanni Falcone, morto junto com a esposa e os guarda-costas, no atentado mafioso na estrada de Capaci, na Sicília. Em seguida, a Itália foi sacudida pela operação mãos-limpas, que investigavam o envolvimento entre política e corrupção. As investigações acabaram derrubando muitos políticos e partidos, entre estes a Democracia Cristã, a qual, durante quase meio século, esteve no comando do país — da qual Scalfaro foi membro.
Como presidente, enfrentou momentos difíceis com coragem. Em 3 de novembro de 1993, políticos derrubados pela operação mãos-limpas o envolveram no controverso escândalo do caixa dois dos serviços secretos italianos, o Sisde, na tentativa de difamar a presidência. Como reação, o presidente fez um forte pronunciamento transmitido em todos os canais nacionais de radio e televisão, e disse a frase que ficaria para sempre na história da Itália:
— Eu não aceito este jogo ao massacre.
O nono presidente da Itália era definido como o homem de transição entre a Primeira e a Segunda República. No entanto, era um tutor severo e coerente da Constituição que ele ajudou a escrever em 1946. Costumava repetir que “a Constituição defende a figura humana violada pela ditadura fascista”. Em 1943, durante o poder de Mussolini, foi obrigado a jurar fidelidade ao regime para poder assumir o cargo de magistrado. Terminada a guerra, em 1946, fez parte da Assembleia Constituinte e foi eleito deputado no primeiro Parlamento, em 1948. A partir daí, nunca mais deixou a política: foi senador vitalício, diversas vezes ministro, mas nunca premier.
Diversos políticos prestaram homenagem a Scalfaro durante o seu funeral, exceto os filiados ao Partido da Liberdade e da Liga Norte. Ele não tinha uma boa relação com Silvio Berlusconi, especialmente após 1994, ano em que não aceitou que Cesare Previti, advogado do magnata da televisão, fosse nomeado ministro da Justiça. Após tantas batalhas, Scalfaro se considerava um lutador otimista.
— Espero morrer otimista. Para mim, o otimismo tem um só significado: se as coisas não vão bem, existe um espaço para lutar. Este é meu otimismo. Não digo para vencer, porque o importante é lutar. Poder dizer, com a ajuda de Deus, “eu batalhei”. Posso até perder. Mas o que aconteceria se a minha parte tivesse vencido e eu não tivesse feito nada? — declarou, certa vez, em uma entrevista à imprensa italiana.
Colaborou Cintia Salomão Castro