Tradicional na Itália, o café espresso passou a cair no gosto de boa parte dos brasileiros. Marcas investem nas variedades especiais, de olho nesse mercado
Brasileiros e italianos têm muito em comum. Uma das paixões compartilhadas pelos dois povos é o hábito de tomar café. No Resumo das Exportações Brasileiras de Café divulgado em maio, a receita cambial gerada com as exportações registrou, no período de junho de 2014 a maio de 2015, um incremento de 34% em relação ao mesmo período ano passado. São números que confirmam a liderança do maior produtor cafeeiro do mundo. Foram exportadas 36.697.386 sacas de 60 kg, incluindo café verde, torrado moído e solúvel. A Itália constitui o terceiro mercado das exportações brasileiras, com 1.199.711 sacas (8%) importadas em uma lista liderada pelos Estados Unidos, que fica com 20% do volume exportado.
O modo de consumir a bebida, porém, ainda se diferencia nos dois países. Enquanto 84% dos brasileiros preferem prepará-lo com filtro, a Itália é o país do espresso por excelência, onde surgiram as primeiras máquinas. Angelo Moriondo, através de sua patente registrada em Turim, em 1884, criou a primeira máquina de bar a controlar o fornecimento de vapor e água separadamente ao passar pelo café. Mas foi com o aperfeiçoamento de Luigi Bezerra, 17 anos depois, que surgiu a máquina de café espresso. Em 1905, a patente foi comprada por Desiderio Pavoni, que fundou a La Pavoni, que começou a produzir as máquinas em uma pequena oficina em Milão. A partir daí, o espresso italiano conquistou o mundo, mas só nos últimos anos caiu no gosto dos brasileiros. A Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC) espera que o setor cresça 20% nos próximos 10 anos, já que houve um aumento de 52% no consumo de cápsulas entre 2013 e 2014, ainda que presente em apenas 1% dos lares brasileiros.
Segundo a ABIC, a mudança começou no início dos anos 2000, e cresceu a partir de 2006, com a entrada no país das redes como Starbucks e Nespresso. Mas a grande transformação ocorreu a partir da educação do consumidor, que descobria que café não é tudo igual, que existem inúmeros tipos, variedades, origens e blends. Esse trabalho de formiguinha feito pelas indústrias e pelas cafeterias que, com seus baristas, têm contato direto com os consumidores e podem transmitir informações e falar sobre a cultura e a importância do café, destaca Nathan Herskowicz, diretor executivo da ABIC.
Fabricantes e cafeterias investem no mercado gourmet
De olho no crescimento desse público, que em geral pertence à classe A, as empresas do setor preparam suas estratégias. A Teichner, por exemplo, já atentava para esse potencial em 1974, ao notar uma grande presença de imigrantes do sul da Itália em São Paulo. Foi quando Luciano Teichner instalou a primeira fábrica de máquinas de café espresso, a Faema do Brasil S.A., ainda ativa sob o nome de Farat Café. Pouco tempo depois, foram lançadas as máquinas automáticas de tipo “vending”, onde o consumidor coloca moedas ou notas e aguarda o preparo da bebida. A história do espresso no Brasil se confunde com a da presença da própria Teichner no país, mas o local de nascimento da marca é a Piazza in Lucina, em Roma, em 1922, que ainda hoje hospeda o Café Teichner.
— O aumento no consumo do café monodose no Brasil acompanha a tendência mundial. Está no contexto da evolução de consumos específicos e mais sofisticados que se disseminaram de modo geral, em quase todos os níveis sociais. Esta tendência permite saborear um ótimo espresso em lojas, consultórios, escritórios. É possível ter um bar onde não há bar. Mais recentemente, transfere-se esta possibilidade e esta ambientação para as residências. A principal ferramenta que viabiliza o procedimento é a máquina monodose, que traz higiene, praticidade, controle de utilização e ótimos resultados — observa o proprietário Rodolfo Teichner.
Além da própria Teichner, outras italianas marcam presença no mercado brasileiro, como a Segafreddo, presente no país desde 1996, e a Lavazza, que possui uma torrefadora em Três Rios (RJ), além do coffee shop Lavazza Expression, na Alameda Santos, em São Paulo, inaugurado no ano passado. A Illy Caffé, fundada por Francesco Illy, em Trieste, em 1933, também se mostra atuante no mercado brasileiro. Famosa pelos blends diferenciados e pelo design de seus produtos, está presente em mais de 140 países e conta com o Brasil como seu maior fornecedor, onde trabalha com cerca de 500 produtores, fazendo com que o café brasileiro componha 50% de seu blend, formado por nove variedades de puro Arabica provenientes da América do Sul, América Central, Índia e África.
— Recentemente, o espresso começou a ganhar terreno por aqui em relação ao café coado, principalmente em restaurantes e cafeterias. A grande diferença é que na Itália se toma um excelente espresso, muito bem extraído por um barista em qualquer um dos milhares de bares que existem por lá. Hoje, há um crescimento muito grande no mercado brasileiro, mas precisamos aprender mais sobre como extrair um bom café, além de selecionar os melhores grãos para este tipo de extração, que exige mais qualidade do que o café de filtro — destaca Anna Illy, diretora da Illy Caffé.
O after taste, ou o gostinho de quero mais, é o que diferencia do café especial dos comuns
Para se obter um bom espresso, é necessário um bom blend, que são composições com grãos especiais de diversas partes do mundo.
— O comum, também conhecido como convencional, tem cuidados e investimentos menores em relação à produção de um café especial. Esses cuidados envolvem a aplicação de tratos culturais nas lavouras, colheita seletiva de frutos-cerejas, possibilidade de processos de lavagem e despolpamento e secagem a temperaturas e condições ideais para a preservação da melhor qualidade dos frutos, além de processos de torra que se adaptem melhor a cada variedade de grãos. Para o consumidor, o café especial é aquele que deixa um after taste de quero mais, um sabor agradável que nos instiga a querer beber mais. Alguns conceituam o gourmet como especial. Na realidade, o consideramos uma das categorias de café especial, que envolvem diretamente a qualidade do produto — afirma à Comunità a diretora da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), Vanusia Nogueira.
Para ela, a mudança reflete todo um trabalho qualitativo do setor de produção, que passou a entregar cafés cada vez melhores e com qualidade elevada.
— Também foi fundamental o investimento realizado por cafeterias e casas de café, as quais, além de investirem na aquisição dos grãos especiais, passaram a fornecer um ambiente que se adequava às necessidades dos consumidores, com refeições e aperitivos com foco na alta gastronomia, com a possibilidade de realizar de reuniões de negócios ou mesmo socialização com direito à degustação de excelentes cafés ou bebidas à base de café — ressalta.
Segundo a BSCA, o Brasil produz cerca de cinco milhões de sacas de cafés especiais, montante que representa 10% da produção nacional anual. Os blends consumidos no país geralmente são importados já torrados, pois a legislação brasileira impede a importação de café verde de outros países. Em abril, a Câmara de Comércio Exterior (Camex) publicou a resolução que zera a tarifa de importação para máquinas de uso doméstico e de cápsulas de café torrado e moído. A medida, porém, não ajuda produtores já instalados no Brasil, como a Teichner, que precisa importar cápsulas vazias, que pagam tributos:
— Francamente, acho que se trata de lobby de quem importa cápsulas da Suíça e máquinas da China, considerando a temporalidade da medida e o improviso da portaria. E ainda mais quem já está estabelecido pode pensar em importar máquinas e cápsulas para, em seguida, distribuir e nunca fabricar aqui. Quem não está estabelecido, como poderia tomar conhecimento, decidir implantar o negócio, importar, montar os canais de venda, distribuir o que foi importado? E se conseguir, o segundo lote teria muito mais impostos para o cliente final. Isso sem falar que as cápsulas têm um vencimento real de seis meses — questiona Teichner, que trabalha apenas com grãos provenientes de fazendas em Minas Gerais, Paraná e Rio de Janeiro.