Comunità Italiana

O ciclo de vida

 

 Ary Grandinetti Nogueira

 

 

Sobre amigos, família, carreira e os olhares tolerantes, respeitosos, mas impávidos

Meu primeiro contato direto com o meu primeiro filho foi o início de uma nova lição de vida. O médico entrou no quarto, seguido da enfermeira com ele no colo, e fulminou: está entregue, perfeito, veja lá o que você vai fazer com ele! Eu, que já estava todo borrado antes disso, expus toda a minha inexperiência e insegurança diante “daquela” vida, numa voz quase muda: venha no colo do titio!
Ali começava a minha jornada de pai. Além do medo de esmagar a criança e/ou deixá-la cair no chão, aqueles frágeis 4kg pareciam 4 toneladas. Chegando à casa dos meus pais, longe do ambiente protegido hospitalar, realizei a paternidade ao ver o meu filho sendo amamentado. Sentado a pouca distância, observando aquela criança a mamar avidamente –  sua única percepção de ligação à vida –, ouvi a voz da consciência como se fosse uma sentença: começa a sua responsabilidade por fazer dessa criança um grande homem, como é o seu pai e você se esforça para ser. Amadureci de imediato, como banana deixada no sol. Os meus então 24 anos dobraram. Era um novo aprendizado.
Meu segundo filho já nasceu quase mamando, tomando banho e indo dormir sozinho. Minhas netas me dizem coisas, do alto dos seus 4 aninhos, que só entraram no meu processamento mental aos 17. Nos próximos 5 anos é provável que as crianças já saiam da barriga sem ajuda de médico, dando ordens claras, em voz alta, do que querem para o almoço. É a evolução da raça humana que, percebo, está vindo de fábrica com cada vez mais opcionais e elevação do nível de consciência.
O ciclo da vida, entretanto, é incontornável. A vida precisa ser vivida para construir uma história. Se 3 pessoas veem uma mesma foto, darão interpretações diferentes de acordo com o repertório colecionado de suas experiências.
A essência humana é a mesma, conduzida pelos ciclos naturais em mutação, suas fases, seus hormônios, sentimentos… Mas a experiência não se esgota nos livros. A exposição à vida e às respostas dela fazem parte do aprendizado e do crescimento.
Começamos a vida da maneira mais confortável da nossa existência: só berrar que a comida aparece.
Na escola, começa a competição: contra as aulas, os livros, o dever de casa, o boletim x o passar de ano (ufa!.. mais um!), o coleguinha espaçoso e brigão, a merenda diferente da torta da mamãe. A vida começa a ficar “difícil”…
Pouco mais adiante, já começam a ficar espertos, munindo-se de um pequeno arsenal de malvadezas já adquirido para contornar as vicissitudes da vida impostas pelo furacão emocional da pré-adolescência.
O conforto vem em seguida. Na adolescência, já sabem tudo. Não há mais nada a aprender. Se falamos algo sobre a vida, as suas fases, os cuidados e o futuro num círculo de amigos dos filhos, vemos os olhares tolerantes e respeitosos, mas impávidos. Ao darmos as costas: o velho é gente boa! fala isso para nos ajudar, pensando que sabe tudo, mas quem sabe tudo mesmo somos nós… Lá na frente essa conversa voltará à lembrança da garotada: se tivéssemos ouvido o velho!…teríamos pulado algumas fogueiras sem nos queimarmos.
Aí vem a luta. Competição contra o tempo. A escolha da profissão, passar no vestibular, a dispersão dos amigos que se espalharão pelas suas opções e universidades, escolhi a profissão correta? etc. Mas ainda é a fase da elaboração dos sonhos, quase hora de acordar.
Formado, o despertador toca. Vem, então, a briga pelo mercado de trabalho. Conseguirei me posicionar, encontrar o emprego dos meus sonhos? Ou terei que me resignar “aprendendo a gostar do que faço”?
Até que o emprego chega, escolhido ou tragado pela necessidade, junto com a insegurança do novo ambiente. Hostil, como costuma ser a entrada de algum corpo estranho no organismo. Afinal, a empresa é um terreno pequeno para a sobrevivência de tantos leões. A nossa ingenuidade do sonho colorido precisa se adaptar à convivência com pessoas desconhecidas e competitivas. Mas logo as qualidades aparecem, assim como as parcerias, os desafios comuns, a necessidade de resultados em equipe… e o novo habitat é dominado.
Aí surge um chefe mais experiente para falar aos jovens sobre a vida profissional. Conceitos e valores, ambição, sucesso, objetivos, desafios e oportunidades, atualização permanente como higiene profissional, colaboração, metas, ética, coaching, blá-blá-blá diante de… olhares tolerantes. O coroa é gente boa! Passam-se os anos: se tivéssemos ouvido o coroa!…
Sucumbi à primeira fase, pois era muito hormônio, diante de um mundo em permanente ebulição a ser descoberto, para ficar aprisionado sob tantos conselhos.
Já maduro, pai e profissional, aproveitei cada palavra, cada mensagem do que foi o meu grande mestre e melhor amigo, presente comigo ainda hoje em todos os bons e difíceis momentos: o meu saudoso, querido e eterno pai.