O cinema italiano marcou forte presença na 15ª edição do Festival do Rio, o maior evento da América Latina, que aconteceu na Cidade Maravilhosa. Uma das sensações do festival foi o longa que conta a história de um assassino interpretado por Saleh Bakri, perseguido por um chefe da máfia siciliana. Salvo, Uma História de Amor e Máfia (Salvo), de Antonio Piazza e Fabio Grassadonia, lotou todas as sessões. Vencedor da Semana da Crítica, uma mostra paralela ao Festival de Cannes organizado pelo Sindicato Francês de Críticos de Cinema, foi exibido no Rio, São Paulo, Curitiba, Brasília e Florianópolis. Na trama, o personagem principal decide matar quem ordenou o seu assassinato, mas acaba se apaixonando pela irmã cega do rival.
Os diretores ficaram surpresos com a recepção por parte da crítica e do público:
— Tivemos uma recepção calorosa. O Brasil foi o primeiro país a comprar a distribuição do filme, antes mesmo da Itália! E nós ainda não tínhamos ganhado o prêmio — revelou Piazza à Comunità.
Antonio Piazza e Fabio Grassadonia acreditam que um dos pontos chaves para a boa aceitação do público é o modo diferente de apresentar a máfia siciliana.
— A máfia siciliana não é mais imbatível. Ainda é forte em alguns lugares da Itália, mas na Sicília, nem tanto. Então as pessoas se surpreendem ao ver o filme, porque existe esse preconceito com a máfia. Queríamos mostrar esse ambiente sufocante, com personagens que buscam escapar de um lugar que parece longe do resto do mundo — comentou Grassadonia.
Outro filme bastante procurado pelo público foi A Grande Beleza (La Grande Belleza), de Paolo Sorrentino, representante da Itália a uma indicação ao Oscar de melhor filme estrangeiro. A trama mostra senhoras da aristocracia, novos-ricos, políticos, criminosos de alto nível, atores, nobres decadentes, artistas e intelectuais — verdadeiros ou presumidos — sob a ótica de um só personagem: o jornalista e escritor Jep Gambardella.
Com o apoio da associação cultural Controluce, do Instituto italiano de Cultura do Rio de Janeiro e do Ministério para os Bens e Atividades Culturais, produções inéditas — com destaque para algumas premiadas em festivais internacionais — chamaram a atenção do público, que também pode participar de debates com alguns diretores especialmente convidados.
Claudio Giovannesi representa a nova safra do cinema italiano
Também chamou a atenção do público que passou pelo festival, entre 26 de setembro e 10 de outubro, Ali tem Olhos Azuis (Ali ha gli occhi azzurri), de Claudio Giovannesi, vencedor do Prêmio Especial do Júri no Festival de Roma 2012. Ambientado em Ostia, periferia de Roma, e com um elenco formado por não atores, é baseado na história real de Nader, um adolescente de origem egípcia (que interpreta a si mesmo no filme, assim como seus pais e sua namorada, que representam no filme os mesmos papeis da vida real). Nascido e criado em Roma, o jovem vê pouco sentido nas tradições que sua família insiste em conservar. Os conflitos em casa se agravam quando os pais desaprovam seu relacionamento com a italiana Brigitte. Apaixonado e decidido a viver este amor, Nader deixa a casa onde cresceu para viver nas ruas frias de Roma. Enquanto comete pequenos delitos ao lado do amigo Stefano, tenta recuperar sua própria identidade.
Em seu segundo longa, Giovannesi explicou, em entrevista à Comunità, como surgiu a ideia.
— Eu fiz um documentário, Fratelli D´Italia, em 2009, sobre a relação de três adolescentes filhos da imigração, um romeno, um árabe e uma russa, com a Itália. Um deles era o Nader. Tempos depois o encontrei em frente a uma estação e perguntei como estava a vida dele. Ele disse que não estava bem e contou a história de seu amor proibido. Fazia muito frio e fiquei tocado ao ver aquele garoto de 16 anos morando na rua em pleno inverno. Quis filmar aquela história. Mas não poderia mostrá-lo praticando roubos em um documentário, seria muito complicado. Então optei por fazer uma ficção, para que a realidade estivesse presente.
O trabalho com os não atores, porém, não foi fácil, revela.
— Mesmo eles fazendo os papéis deles mesmos, era preciso atuar. O que mais “pegou” foi o fato de ter que fazer isso todos os dias durante dois meses. No começo, eles estavam bem disponíveis e achavam que era uma brincadeira. Na segunda semana, disseram que não queriam mais trabalhar. E eu disse “Não, vocês não podem parar agora!”. Mas no final deu tudo certo — explicou o cineasta, que define seu filme como um “Romeu e Julieta dos dias de hoje”.
Uma curiosidade é que o Ali do título não é o nome do protagonista, e sim de Profecia, de Paolo Pasolini, dedicado a Jean-Paul Sartre, em 1962, prenunciando a sociedade multicultural da Europa de hoje. Nader tem o hábito de usar lentes azuis para ir às discotecas. Por causa dessa coincidência, e porque gosta muito de Pasolini, o filme se chama Ali tem Olhos Azuis.
Outra produção que cativou o público foi Mel, primeiro longa de Valeria Golino, mundialmente conhecida como atriz através de Rain Man (1988), estrelado por Tom Cruise. Exibido no Festival de Cannes. foi apresentado no Rio pela atriz italiana Jasmine Trinca, que na trama vive uma garota que ajuda doentes terminais a cometer suicídio.
— A Valeria descobriu um lado meu que estava muito escondido. É uma personagem que parece forte, mas também muito frágil. Ela sugeriu que eu cortasse os cabelos bem curtos e eu topei. Fiquei impressionada com a transformação. Não só em relação à imagem. É como perder uma proteção, como se eu trocasse de pele — revelou a atriz durante a apresentação do longa.
Jasmine também representou o filme Chegará o dia, de Giorgio Diritti, onde interpreta uma italiana que embarca em uma viagem de autoconhecimento pela região amazônica. Ainda dentro da seleção de filmes italianos, foram exibidos, entre outros títulos, Eu e Você, de Bernardo Bertollucci, e Sacro GRA, de Gianfranco Rossi, vencedor do Leão de Ouro em Veneza.
Os pracinhas finalmente no cinema
O drama A estrada 47, de Vicente Ferraz, foi apresentado pela primeira vez no Festival do Rio e ganhou o prêmio de melhor montagem. O ator Francisco Gaspar recebeu uma menção honrosa do júri. Selecionado para a competição oficial de ficção da Première Brasil — a mostra competitiva exclusiva dos filmes nacionais — o longa foi bem recebido pelo público e pela crítica.
Ambientado durante os últimos anos da Segunda Guerra Mundial, descreve como um grupo de pracinhas brasileiros sobreviveu aos campos de batalha italianos. O roteiro, escrito pelo próprio Ferraz, retrata a trajetória de quatro caçadores de minas da Força Expedicionária Brasileira que, após um ataque de pânico, tentam recompor os ânimos e desarmar a estrada minada que os separa de uma vila monitorizada pelas forças do Eixo. Coprodução de Brasil, Itália e Portugal, e rodado totalmente na Itália, o longa traz no elenco Daniel de Oliveira e Julio Andrade.
Em entrevista à Comunità, o diretor Vicente Ferraz, autor do premiado Soy Cuba, o mamute siberiano (2005), ressaltou que o filme mostra o lado humano dos pracinhas.
— O filme não é de gênero, é um filme de personagens, fala do lado humano. O fato do Brasil estar na guerra, se foi ou não importante participar, não é o foco da história. Eu quis mostrar o lado humano, o que aqueles garotos passaram. Além disso, é importante lembrar que o Brasil esteve do lado certo da história, do lado da democracia — explicou.
Ferraz salienta que a volta dos pracinhas acelerou a queda de Getúlio Vargas.
— Para muitos, a participação brasileira não teve importância, ninguém lembra. Mas a ida do Brasil à guerra foi importante. Eles eram meninos de 18, 19 anos, que passaram muitas dificuldades no inverno mais rigoroso da história da região. Além disso, na guerra, a morte se encontra para todos, então é preciso mostrar que eles arriscaram suas vidas. Outro fato foi a volta ao Brasil, quando são recebidos com festa no porto do Rio, e inicia-se uma mudança histórica, com a queda do Vargas.
Na noite da exibição oficial, um grupo de ex-combatentes brasileiros que participaram da guerra esteve presente. Um deles agradeceu ao diretor Vicente Ferraz pela realização do longa.
— Esperamos 70 anos por esse filme, muito obrigado — agradeceu.
A Estrada 47 ainda não tem data de estreia no Brasil, mas a previsão é que seja lançado em 2014, com distribuição da Europa Filmes.