O fotógrafo italiano Valerio Bispuri completa 43 anos em 2014 e dedicou um quarto da sua vida a um projeto: ver de perto 74 prisões nos países da América do Sul. Além do Brasil, ele conheceu a realidade por trás das grades no Peru, Bolívia, Argentina, Chile, Equador, Paraguai, Uruguai, Brasil, Colômbia e Venezuela. Só faltou visitar os cárceres das Ilhas Malvinas, Guiana Francesa e Guiana.
A sua incansável vontade de contar o mundo através das imagens rendeu-lhe o trabalho fotográfico chamado Encerrados, que foi exposto em várias partes do mundo, como na cidade francesa de Perpinhã, em 2011, durante o Visa Pour l’Image; no Palazzo delle Esposizioni, em Roma; na Universidade de Genebra; e nos festivais de Berlim e de Buenos Aires. Para outubro deste ano, já está programada uma mostra oficial em Nova York.
As imagens capturadas não apenas servem como denúncia: constituem também um projeto antropológico.
— Decidi contar a América do Sul através das prisões porque acho que representam o espelho de uma cultura, de uma sociedade, de um país. Encerrados é um longo fio que atravessa as cidades, os sorrisos, a raiva e as ilusões de quem vive preso. É um trabalho de denúncia que mostra as condições muitas vezes desumanas e terríveis em que vivem os detentos e ao mesmo tempo um trabalho antropológico que não quer dar juízos, apenas contar — explica à Comunità o fotógrafo apaixonado pelo Novo Mundo e, sobretudo por Buenos Aires, onde morou por 10 anos.
Tudo começou no Equador. A ideia do projeto nasceu em 2002. Bispuri queria contar sobre o continente sul-americano e estava à procura de um fio condutor, algo que pudesse unir todos os países.
— Uma noite, em Quito, durante um jantar com um escritor que tinha acabado de publicar um livro sobre o novo sistema prisional no Equador, me convidaram para entrar numa prisão. Foi uma experiência forte, impactante e, após isso, pedi para ver outros presídios daquele país — relata Valerio que, em 2010, quando nasceu o seu filho, decidiu regressar à sua cidade natal, Roma.
A experiência o marcou e, de volta a Buenos Aires, onde morava na época, continuou pensando naquela realidade escondida.
— A principal coisa que se agitava em minha barriga, cabeça, coração, era investigar, procurar, mostrar o que está escondido, o que não se conhece, o que se oculta — ressalta o italiano formado em literatura, que não consegue passar muito tempo longe do seu continente e a cada ano volta duas ou três vezes.
Assim, decidiu visitar outros presídios na Argentina e encontrou, atrás das grades, o tema para o seu projeto, que durou uma década.
Valerio acessava os presídios através de permissões, que conseguia com a ajuda da Embaixada e com diversas organizações envolvidas no sistema penitenciário. Somente em um país teve dificuldades para obter as autorizações: o Brasil.
— No Rio, apesar de ter todas as permissões, todos os acordos, o diretor de Bangu II me disse que, para entrar, tinha que ter autorização do chefe do Comando Vermelho. No fim, o chefe concedeu a permissão e, quando o encontrei, me pediu para tirar algumas fotos enquanto posava mostrando os músculos — conta, lembrando-se da cena em Cidade de Deus, em que o protagonista, antes de fotografar o líder da quadrilha, estava apavorado, enquanto os chefes, bem naturais, posavam com as armas.
No país, ele conseguiu visitar apenas o presídio de segurança máxima do Complexo de Bangu, na capital fluminense: as penitenciárias Laércio da Costa Pellegrino (Bangu 1); Alfredo Tranjan (Bangu 2) e Dr. Serrano Neves (Bangu 3). Bispuri queria conhecer também as prisões paulistas, mas na época tinha acontecido uma grande rebelião.
Entre o desespero e a alegria
A experiência carioca já deu para entender a vida dos detentos brasileiros. A 41 quilômetros do centro da cidade, Bangu 1 recebe os prisioneiros mais perigosos, entre sequestradores, assaltantes de banco e homens ligados ao tráfico internacional de drogas e armas.
— As prisões do Rio não foram as mais terríveis entre as que visitei. Já tinha visto de piores, porém encontrei muita tristeza. Tenho fotos de prisioneiros brasileiros com o olhar muito triste e deprimido. Também tenho um retrato de uma mulher alegre, dançando e bebendo — analisa Valerio, para quem os brasileiros são excessivos em tudo: ou viram loucos no Carnaval e em festas ou são “apagados”. O fotógrafo considera o povo brasileiro triste, fechado e infeliz, o que se reflete nas festas que são uma explosão dessa tristeza.
— Os brasileiros riem, brincam, mas depois é difícil entrar em contato, é um povo muito fechado — afirma.
Para estabelecer um contato com os detentos, Valerio fez um curso intensivo de português com aulas particulares com uma professora brasileira, a quem pediu que lhe ensinasse as gírias das penitenciarias.
Uma das lembranças sobre os presídios cariocas é a existência de uma bebida que os detentos tomavam e os deixava atordoados e, além disso, “circulava muita droga, sobretudo nas prisões masculinas”.
— Não sei se alguma coisa mudou agora, porém acredito que as prisões nunca mudam. A estrutura é sempre a mesma e por isso é um trabalho congelado no tempo — analisa ele, que terminará o projeto Encerrado com a publicação de um livro através de arrecadação dos fundos.
O impacto na hora de entrar nos presídios sempre é muito forte, pois são realidades fechadas onde os sentimentos se amplificam e não têm uma lógica própria, explica.
— A minha foto favorita é aquela em que há sete presos agarrados nas grades; cada um tem uma expressão do rosto diferente: raiva, tensão, desespero e cansaço, que resumem um pouco o mundo dos presídios.
Quase estuprado pelas detentas sexualmente reprimidas na Colômbia
Entrar nas prisões e conversar com os detentos não foi sempre fácil: já tentaram até esfaqueá-lo. Outras vezes foi recebido com sacolas cheias de urina e prepararam uma seringa com sangue infectado para ele, mas felizmente conseguiu fugir dessas situações.
— Na Colômbia, quase me violentaram nos presídios femininos, pois as mulheres não viam um homem há muito tempo. Elas não podem receber visitas dos parceiros, enquanto nos presídios masculinos a visita intima é permitida. Tudo isso é terrível. Assim, muitas mulheres se tornam lésbicas — conta, enquanto explica que aos homens é concedida a visita, pois no caso de repressão sexual masculina há o medo de uma possível violência.
Durante esses dez anos, também aconteceram episódios positivos, como quando, presídio de Mendoza, na Argentina, graças às suas fotos expostas no Centro Cultural Recoleta de Buenos Aires e à pressão da Anistia International e do governo argentino, conseguiram fechar e destruir o Pavilhão 5.
— Ainda me lembro da sensação ao entrar lá dentro: celas completamente destruídas onde dormiam cinco pessoas em 2 m², um em cima do outro, animais mortos, banheiros inexistentes, latrinas de onde vinha tudo — relata.
O que o deixou mais impressionado, depois desses 10 longos anos, foi como o ser humano se acostuma a tudo, após um período de grande dor, desespero e raiva, e, no final, prevalece o desejo de sobreviver, mesmo em condições difíceis.
— Na América do Sul, a taxa de suicídios é de 0,001%. As pessoas não cometem suicídio como na Europa, onde o percentual é alto — constata.
Um continente que se recusa a pertencer ao primeiro mundo
Todos os projetos de Valerio têm como cenário o continente que ele tanto ama: a América do Sul, que apelidou de “segundo mundo”.
— É um continente que não quer ser nem primeiro mundo e nem terceiro mundo, no sentido de que, quando está em um nível de primeiro mundo, faz de tudo para diminuir, cria problemas e situações através das quais se torna segundo mundo e, quando é rebaixado, por causa das crises econômicas, tem a força de se rebelar para recuperar a sua posição. Viaja sempre entre esses dois mundos: não quer ser primeiro para não perder a sua liberdade de expressão e a vitalidade, porém não quer ser tão pobre a ponto de ser tratado como terceiro mundo — conclui.