Com exposições inovadoras que conduzem à interação, artista ítalo-brasileiro recebe elogios do público e da crítica italiana
A matéria-prima da arte de César Meneghetti é a vida. Pode parecer vago, mas a obra deste artista paulistano ítalo-brasileiro não é um conceito abstrato ou existencial que só os intelectuais entendem. Ao contrário, no seu trabalho não existe uma elite vertical privilegiada e sim um relacionamento entre todos. Um não vive sem o outro, como átomos interagindo em movimentos circulares. Com sucesso pelo mundo, foi o primeiro artista brasileiro a fazer uma exposição individual no MAXXI, o maior museu de arte contemporânea de Roma. Na mostra Io è un altro (O eu é um outro), que terminou em 17 de janeiro, ele recebeu diversos elogios dos críticos de arte italiana. O espectador se deparava com amplos ambientes escuros, nos quais sobressaíam em diferentes ângulos imagens em vídeos e sequências fotográficas ritmadas. “Resultado emocionante de um trabalho intensíssimo concentrado num percurso contínuo de relações de troca entre os protagonistas e o artista”, escreveu Virginia Marchione, da revista Inside Art.
Neste trabalho, Meneghetti propôs uma compreensão profunda entre as pessoas consideradas normais e os chamados anormais. Com uma linguagem contemporânea de sons, vídeos e fotos, ele rompe as barreiras do preconceito, porque quando os “diversamente normais” falam, despertam no público uma reflexão sobre o ser essencial. Meneghetti começou a obra em 2010 com um grupo de cerca 200 pessoas com deficiência mental, física e psíquica que frequentam os nove laboratórios de arte da Comunidade Santo Egídio, na periferia de Roma. Em uma série de reuniões, workshops, diálogos, fotografias e gravações, ele abordou a frágil fronteira da normalidade em um contexto amplo. Durante os encontros, o artista desenvolveu uma relação criativa com estas pessoas que se autodenominam gli amici (os amigos). O resultado é que os amigos demonstram que somos todos diversamente normais. A curadora da mostra Simonetta Lux definiu a obra de Cesar Meneghetti como “um divisor de águas na arte contemporânea” por incluir todos os normais e anormais, desconstruindo barreiras.
Origens italianas de um nômade global
O artista, através de uma longa trajetória entre os continentes e culturas, torna seu trabalho ainda mais relevante porque a sua orientação artística é uma parte integrante da sua própria história.
— Minhas origens refletem quem eu sou, uma mistura de culturas de diversas regiões da Itália e uma pitada da Áustria que acabaram se encontrando no Brasil. Eu também sou um migrante brasileiro, de classe média, que volta às próprias origens como uma espiral — afirmou à Comunità Meneghetti, nascido em São Paulo, em 1964. Seus avós paternos, Bernardo Meneghetti e Adelaide Cavicchioli, eram imigrantes italianos, respectivamente, das regiões do Vêneto e da Lombardia. Já o avô materno, Domenico Toscano, veio de Abruzzo e conheceu no Brasil a austríaca Elizabeth Brosch, com quem se casou.
Depois de se graduar em design e comunicação visual na Faap de São Paulo, decidiu emigrar em 1987. Seu primeiro destino foi Londres. Na London Metropolitan University, cursou, durante quatro anos, Fine arts (Mixed Medias), até se transferir para Roma, onde estudou no renomado Centro Sperimentale di Cinematografia de Cinecittà. Ele viveu 21 anos na Itália e realizou mostras pelo mundo. Dirigiu filmes e documentários, realizando trabalhos audiovisuais de sustentabilidade com ONGs na África, Ásia e América Latina. Desde 2013 mora em Berlim.
— A minha identificação com a Itália vai além da relação familiar, na tradição de uma antiga civilização, na arte, nos movimentos de vanguarda italianos, no cinema e no sistema de relações e inclusão social. Não se trata de um conceito político ou econômico, mas cultural. A democracia aqui ainda resiste e é igual para todos: todos têm acesso à educação, à saúde e à segurança. Existe uma tutela dos direitos do homem e do cidadão, de uma herança histórica milenar que ainda hoje é um produtor de modelos para o mundo. Como dizem por aqui, la cultura è tutto che ci resta quando nient’altro ci resta.
O ítalo-brasileiro figura entre os 99 nomes da antologia Made in Brasil – 30 anos de vídeo brasileiro, de Arlindo Machado. Para Simonetta Lux, ele é um dos 22 mais interessantes artistas contemporâneos, analisados no seu volume Arte Iperconteporanea.