{mosimage}Lega Nord aperta a corda do governo e constrói agenda paralela a Berlusconi
O parlamentarismo italiano, assim como desejado por Silvio Berlusconi, vem se tornando um jogo de forças onde o inimigo mora ao lado. No clichê habitual, um tiro no próprio pé. Após a debandada de parlamentares e aliados históricos do PDL— como o presidente da Câmara dos Deputados Gianfranco Fini — a Berlusconi não restou alternativa que agarrar-se politicamente à Lega Nord, um aliado volúvel que construiu aos poucos uma agenda política paralela, ciente de que tem o governo em mãos: se a Lega sair, a legislatura cai por falta de maioria nas votações.
As diferenças entre o projeto de governo do PDL e os anseios da Lega de Umberto Bossi estão longe de serem pontuais. Nas últimas semanas, o líder do partido com forte base no norte do país vem afirmando de modo direto e sem rodeios que alguns Ministérios devem mudar sua sede para regiões acima de Roma. O discurso é caro para a própria Lega, partido formado em uma vertente de separatistas italianos que acusa a capital do país de leniência e corrupção.
Berlusconi não parece fazer parte do jogo da troca —se houver — histórica da sede de Ministérios. Umberto Bossi fala sozinho à imprensa e garante, que após as férias de verão (julho/agosto), ao menos três pastas estarão operando na cidade de Monza, na região da Lombardia. Os Ministérios pretendidos por Bossi não devem ser perfumarias, e sim fazer parte do coração do governo; entre eles, o da Economia, guiado pelo também leguista Giulio Tremonti.
Além da troca das sedes de pastas políticas, a Lega bate constantemente no governo do qual é aliado usando assuntos caros ao próprio berlusconismo. Sempre em tom de ameaça, Bossi e seus ministros exigem a retirada das tropas italianas do Afeganistão — onde 38 soldados já perderam a vida desde 2004 — em uma guerra imposta por Mister B. para dar a sensação de poder nacional aos eleitores. Outra guerra que tem o apoio da Itália, a da Líbia de Kadafi, é igualmente criticada pelo partido e tratada publicamente como um erro histórico.
Se as guerras são a principal trincheira pública de Bossi para chantagear Berlusconi, o Ministério da Economia de Giulio Tremonti é o front aberto internamente na disputa de poder dentro da maioria de governo. Com uma grande manobra fiscal para tentar conter a sangria das contas públicas federais, Tremonti tenta esvaziar cada vez mais os cofres de Roma e encher aqueles das regiões, manobra do esboço chamado pela Lega de “federalismo fiscal”, um sistema financeiro que centralize menos a arrecadação e dê mais poder à prefeituras e entes locais — bandeira histórica do partido do norte.
A chantagem de Umberto Bossi contra o governo seria mais aceitável se a Lega Nord ajudasse Mister B. a recuperar sua popularidade. Nos últimos meses, sobretudo após a bomba do escândalo Ruby, a aceitação popular do premiê desceu a ribanceira e seu partido, o PDL, perdeu pela primeira vez desde as eleições nacionais vencidas por Belusconi o primato entre os eleitores.
As tentativas de retomar terreno popular impetradas por Berlusconi nos últimos meses não fazem eco acima do rio Pó, onde a Lega tem suas hortas de eleitores. Um dos principais trunfos de Mister B. seria dar uma solução que ao menos parecesse definitiva ao problema do lixo em Nápoles. Após anos de infiltração mafiosa no sistema de coleta, a bomba-relógio finalmente explodiu e deixou a região sem alternativas.
Em um horizonte muito estreito, Berlusconi poderia operar um “milagre” em Nápoles. Para isso, precisaria que cidades do centro e norte do país em melhores condições de tratamento abrissem suas portas para que caminhões lotados saíssem de lá e escalassem os Apeninos. Todas as pretensões políticas imediatas de Bossi, no entanto, não são abertas a negociações como essa. Il Senatur vem repetindo diversas vezes, publicamente, que o norte não quer saber do lixo de Nápoles. Certa vez, sem meias palavras, ele recomendou que os napolitanos comessem os próprios dejetos.
A situação de Berlusconi parece se estreitar a cada palavra de Bossi. No mês passado, preocupado com importantes votações na Câmara, Mister B. teve uma conversa com um político que surpreendeu aliados, adversários e imprensa. No Congresso, em meio à polvorosa da votação, chamou reservadamente Antonio di Pietro, líder do partido Italia dei Valori e talvez o maior crítico do atual governo: basta dizer que, no ano passado, Di Pietro chegou a chamar Berlusconi de “estuprador da democracia”. O movimento do premier em direção à IDV deu ares de desespero.
Após o incontro, Di Pietro disse que Berlusconi conclamou um momento de união nacional, mas reforçou que foi, é e continua sendo um dos mais atuantes críticos do governo e do modo de vida de Silvio. A conversa realmente parece não ter surtido efeito: nas semanas seguintes, PDL e Lega ficaram abaixo dos votos necessários em um par de votações. De mãos dadas com a Lega para levar a legislatura ao seu fim, a Berlusconi, cada vez mais, parece que só resta rezar.