A cada dia descobrimos mais podridão no tecido político nacional
Shakespeare hoje teria dificuldade para criar alguma frase para definir o nosso cenário político. A sua genial “Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que pode imaginar nossa vã filosofia” seria uma referência muito fofa diante da degradação moral à qual assistimos diariamente. E a frase não foi criada para retratar algum fato. Foi colocada na boca de Hamlet após o “diálogo” com o fantasma do seu pai. Lá, era ficção. Aqui, não. Por mais criativos que sejam nossos autores de novelas, não chegam a imaginar na ficção o que temos visto encarnado na Terra sob a forma de político.
Quando achamos que nada mais é capaz de nos surpreender sobre a sordidez humana, eles nos surpreendem. E agora eles se expõem ostensivamente, chegando um deles a vociferar o seu voto declarando que não estava preocupado com o que seria falado sobre ele pela mídia e redes sociais, chamando o povo de mentecapto. Só posso concordar com ele num detalhe. Apenas um eleitor mentecapto pode alçar ao Senado um elemento com 269 processos nas diversas esferas da Justiça, incluindo o STF. Volto a lembrar do que já comentei em crônica anterior: nenhum político foi andando para o Congresso e escolheu uma cadeira para se sentar. Todos foram eleitos pelo povo, que agora assiste ao descalabro moral promovido pelos seus eleitos. Mal — ou bem — comparando, é como entregar um revólver municiado na mão de uma criança curiosa. Mas é pior, pois o eleitor, adulto, supostamente consciente dos seus atos, de posse da arma legítima para mudar a realidade do cenário político, usa a urna eleitoral como se desse descarga.
O ostensivo escárnio dos políticos, entretanto, está promovendo uma mudança. O brasileiro está cada vez mais atento aos passos dos congressistas. Rapidamente se disseminam vídeos e informações com as declarações dos nossos políticos, nas quais eles escancaram o seu desprezo pelo povo, por princípios e valores morais, e evidenciam a sua ausência de decoro.
Acompanhei simultaneamente as sessões da Câmara e do Senado, enquanto se votavam o decálogo anticorrupção e a limitação dos gastos públicos, respectivamente. No circo do Congresso, se sujava uma mão e lavava a outra. As sessões entraram pela madrugada, permitindo esgotar a votação das pautas e seus remendos corrosivos da essência do combate à corrupção. Surpresa? Não. Não há mais espaço para ingenuidade. O batom na cueca é a constatação de que os que votaram contra as medidas estão, na sua imensa maioria, enrolados com a Justiça. Daí o Senado, flagrantemente mancomunado com a Câmara, ter tentado decretar urgência de votação do projeto remendado com os paliativos pró-corrupção para a mesma manhã da madrugada em que nasceu aquele natimorto Quasimodo.
A resposta das ruas foi imediata, o que nos faz concluir que o povo está mais atento do que nunca na história deste país aos passos dos “inquilinos” da Praça dos Três Poderes. Reproduzo aqui a mensagem indignada que mandei para a Presidência da Câmara na manhã seguinte à aprovação da baixaria:
“Prezado deputado, a sessão da noite e madrugada de ontem deu continuidade aos descalabros a que vínhamos assistindo sob a égide do governo anterior, deposto. Foi — mais — uma vergonha que empobreceu a honra dos brasileiros, representados por vocês, e nos expôs à execração pública, fortalecendo a percepção interna e internacional de que somos um país inconfiável, dominado pela corrupção sistêmica nos mais elevados Poderes da República.
Aqueles parlamentares que nos promoveram esse desserviço não representam os brasileiros. Representam tão somente os próprios interesses. Um novo golpe na autoestima dos brasileiros, que começavam a sonhar com dias melhores.
Tenho a esperança de que esse atentado contra a Justiça seja defenestrado nas próximas esferas de aprovação.
E aqueles arautos da versão distorcida de que ‘todos são iguais perante a Lei’, esquecendo-se ou deixando de lembrar- que a Justiça é a Lei, deveriam abdicar de imediato do próprio manto da impunidade, escudados pelo foro privilegiado. Esse é um esconderijo que nem mesmo o Judiciário e o Ministério público detêm, pois estão sujeitos aos tribunais superiores e ao CNJ”.
Outro alerta nefasto é que, enquanto dirigimos a atenção para as peripécias do Congresso, o país continua sob a letargia econômica, sem passos firmes para a retomada da atividade produtiva, do nível de emprego, da queda de juros, da ativação do consumo. Ou seja, desviamos a nossa atenção do essencial: devolver a vida ao país.
Aposto, com fé, que o eleitorado está consciente das suas escolhas erradas e não mais elegerão os políticos que hoje cospem no prato onde comem. E também lutará para que eles deixem de comer esse prato com aposentadorias milionárias e desproporcionais ao esforço da grande massa de trabalhadores que se aposenta com idade avançada, saúde comprometida, doentes, sem assistência médica, pobres, desesperados e desesperançosos, tendo trabalhado toda a vida para sustentar as vantagens da casta que desfila fugazmente pela Praça dos Três Poderes. Em algum momento próximo, o povo tomará as rédeas em suas mãos e aqueles intocáveis entenderão que só existe um poder, o da soberania do povo. Um povo compartilhando riqueza, e não discursos vãos e pobreza.
Até lá, vamos torcer para que a Lava Jato tenha muitos filhotes saudáveis para colocar na cadeia esse bando de corruptos que por muito tempo se escondeu detrás — ou debaixo? — do poder emanado lá daquela praça.