Análise/ Eleições 2018: O roteiro definitivo dessa peça virá mesmo somente após as urnas. De concreto, o palco. Este já está devidamente montado por Berlusconi, Renzi, Di Maio, Grillo e Salvini. Qual deles será o protagonista?
POR ANDRÉ FELIPE DE LIMA
O sábado na Itália é de silêncio eleitoral, como os italianos definem a véspera do pleito de amanhã. Mas o que se percebe nas redes sociais é uma grande mobilização dos candidatos e um debate incessante, que promete se prolongar após o resultado das urnas. Silvio Berlusconi, que escolheu Antonio Tajani para seu premier, anunciou que estará em Nápoles, com direito à caminhada ao lado de eleitores e muita pizza, como escreveu Dino Martirano, do Corriere della Sera. O esforço nas últimas horas também é visto nos adversários do Cavaliere. Todos estão de porta em porta, de rua em rua, de comuna em comuna abrindo sorrisos largos e tentando encantar os eleitores ainda indecisos, e são muitos. Há um forte indício de que haverá recorde de abstenções, superando o pífio resultado do pleito de 2013, que foi de quase 25%. Em 2003, foi de cerca de 7%.
A única certeza é que o resultado das eleições de amanhã é uma total incerteza. Por partido, o Movimento 5 Estrelas (M5S) tem 28% de intenções de voto, o Partido Democrático (PD), 22%, e o Forza Italia e aliados de direita, 38%. Ninguém chega aos 40%, maioria necessária para um governo estável, definida pela nova lei eleitoral. Novas eleições não são descartadas.
Líder do PD, Matteo Renzi tenta recuperar o sorriso. Diz que seja qual for o resultado de amanhã, permanecerá como secretário até 2021, como as primárias decidiram. Mais além, dá de ombros para um governo “parceiro” — como especulam nas coxias políticas — entre Massimo D’Alema (seu notório desafeto desde os tempos em que conviviam no PD) e Luigi Di Maio, dos “independentes” do M5S. Define a aproximação dos dois como uma “besteira” e sem papas na língua chama o palhaço e comediante Beppe Grillo, outro líder do M5S, de “uma merda”. “E Di Maio, após ter nos insultado durante anos, com que cara nos pede agora votos para o governo dele?”, ironiza Renzi. Mas a olhos vistos, o inevitável se constrói: após anos no poder, o PD sofrerá uma fragorosa derrota. Isso parece ser fato, mas o que poucos esperavam é que o jornalista americano Alan Friedman, como escreveu Hélio Gurovitz, colunista da revista Época, confirmasse uma previsão até então (quase) inverossímil: Berlusconi, mais uma vez, driblou o destino, e voltou mais forte que nunca. Friedman permaneceu pouco mais de um ano, entre 2014 e 2015, próximo do ex-premier, exatamente um ano após ele ter sido condenado pela primeira vez sem poder recorrer da sentença. Deram-no como um cadáver político. Subestimaram-no. Até 2019, Berlusconi está, em tese, fora de combate, ou seja, sem poder concorrer a cargos públicos. Mas o que a corrida eleitoral mostrou é um camarada com um vigor político fora do normal. Um homem convicto de estar próximo do que sempre ansiara: uma união entre as alas mais conservadoras da Itália, uma barafunda política que reúne liberais, conservadores, direitistas (de todos os matizes possíveis) neofascistas, xenófobos e por aí vai. Diz em alto e bom som que um modelo republicano, com o ácido tom impresso por Berlusconi, só seria possível com o seu retorno ao teatro da política. O palco atual mostra-se perfeito para o ressuscitado Cavaliere.
Mas Renzi, que para muitos é o único Quixote desse teatro político, confia em seus moinhos de vento, igual ao iludido personagem de Cervantes. “O que quer que aconteça, eles terão que passar pelo Partido Democrata. Para fazer qualquer governo, para fazer qualquer coisa, eles terão que entrar em contato conosco. Ambos, tanto Di Maio quanto Berlusconi “. E nem precisamos discorrer muito sobre Matteo Salvini, do Lega, a versão milanesa de Jean-Marie Le Pen, o francês xenófobo de extrema direita responsável por discursos repugnantes contrários a todo viés humanista que o mundo respeita.
O que pensaria disso tudo o grande dramaturgo Luigi Pirandello, sabidamente autor do que há de mais sagaz entre o cômico e o humor na história do teatro? O que ele escreveria sobre esses histriônicos atores das urnas de amanhã? Talvez ele viesse, inicialmente, com a célebre frase: “A vida está cheia de uma infinidade de absurdos que sequer precisam parecer verosímeis porque são verdadeiros”.
O roteiro definitivo dessa peça virá mesmo somente após as urnas. De concreto, o palco. Este já está devidamente montado por Berlusconi, Renzi, Di Maio, Grillo e Salvini. Qual deles será o protagonista? Nenhum deles. Esperamos ser o povo italiano o grande ator desse incerto roteiro.