Espaço brasileiro é usado para ressaltar a capacidade do país de ampliar a produção de alimentos, inclusive com a ajuda da tecnologia transgênica
A Exposição Universal “Nutrir o planeta, energia para a vida” foi inaugurada com muita festa que os protestos em Milão não conseguiram ofuscar. A longa avenida Decumano, com os pavilhões nacionais em ambas as margens, foi tomada por uma multidão de todas as latitudes e longitudes do planeta. A presença de 150 países revela bem o tamanho da importância deste encontro. Unido pelo ideal de matar a fome no mundo, um exército de voluntários e operadores do setor agrícola levanta a bandeira contra o desperdício e a favor da sustentabilidade do trabalho na terra e em toda a cadeia alimentar. Estas expressões podem até evocar a um romantismo utópico, mas estão e são muito mais concretas como nunca antes. Segundo os dados da ONU, em 2050, a humanidade vai contar com cerca de 9 bilhões de seres humanos que devem ser alimentados. E esta é uma batalha que não pode ser travada apenas no campo da plantação e da criação, mas, principalmente, naquele da especulação nas bolsas de mercadorias que permitem a transformação dos produtos agrícolas em produtos financeiros, criando cotações artificiais distantes dos preços reais. Confrontos de ideias e tecnologias e troca de informações prometem fazer desta Exposição Universal um grande salto em direção ao futuro. Os organizadores esperam a visita de 20 milhões de pessoas ao longo dos seis meses do evento. Mais da metade deste total já tinha adquirido o ingresso para ver de perto o que está sendo feito e proposto em termos de equilíbrio entre as necessidades do homem e os recursos disponíveis na natureza.
A tarefa de chamar a atenção desta maré humana de passagem por Milão não é nem um pouco simples. A quantidade de gente é proporcional à oferta ao redor. O pavilhão do Brasil é privilegiado e fica quase na entrada da Expo. Ocupa uma área de 4.400 metros quadrados, o dobro da maioria dos seus concorrentes, com um projeto do Studio Arthur Casas que venceu a licitação da obra orçada em 40 milhões de reais e que teve a participação graças à Apex-Brasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), sob a coordenação de um grupo de ministérios liderado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC). Mas caminhar diante dele não significa entrar para conhecê-lo de perto, ainda que não faltem motivos para isso. Afinal, o tema proposto pelo país, “Alimentando o mundo com soluções”, revela o seu desejo de contribuir para acabar com a fome.
Pavilhão brasileiro seduz com uma rede para “pescar” o público
Uma gigantesca trama de cordas trançadas e unidas por fechos de alumínio servem de rampa para o acesso interno. Ela parte, praticamente, do Decumano, e desperta no visitante uma vontade lúdica de se jogar na treliça, de caminhar sobre ela e de pular como se fosse uma cama elástica para desespero dos seguranças. A fila para entrar provou que a estratégia deu certo.
O uso de um mesmo pedaço de terra para a pecuária e para a agricultura é um dos cartões de visita do “país que é um dos principais produtores internacionais de suco de laranja, açúcar, carne bovina e café”, entre outros, como afirmou o embaixador do Brasil, Roberto Neiva Tavares. O representante da Embrapa junto à FAO, em Roma, Pedro Arcuri, afirmou que o uso de alimentos transgênicos — em boa parte responsáveis pelo aumento da produção com menos uso de terra — não é obrigatório e cada produtor é livre para escolher o tipo de semente que mais lhe convier. Mas ele lembrou que “o uso de ciência no desenvolvimento de material geneticamente modificado faz parte da busca de uma agricultura tropical sustentável que, para um ambiente tropical, como no caso do Brasil, implica no uso de menor quantidade de substâncias tóxicas, que são causadoras de danos à saúde dos animais, do meio ambiente e dos seres humanos”. Ele disse ainda que até hoje “não foi demonstrado de forma irrefutável que os OGM, especialmente os grãos, causem dano à saúde humana”.
Para convencer o público a conhecer de perto as ideias brasileiras, foi preciso que a arquitetura e a cenografia se dessem as mãos para introduzir e apresentar o tema da melhor maneira possível. Para isso, os criadores do espaço, o croata Marko Brajovic e a brasileira Carmela Rocha, armaram, literalmente, uma rede para “pescar” os mais curiosos.
A mandioca é exaltada no menu da culinária brasileira de raiz
A rede conduz o visitante ao pavilhão de ferro que caminha a 3,4 metros de altura, sobre uma horta plantada no pavimento térreo, composta de pés de soja, feijão, banana, pimenta, além de muitas outras frutas e legumes. Uma vez dentro do espaço, o visitante entra num grande mezanino, parcialmente coberto por telas que projetam vídeos sobre os processos agroindustriais do país e exibem a capacidade de ampliar a produção de alimentos com tecnologias inovadoras e de forma suficiente, saudável e sustentável, com qualidade capaz de atender às demandas mundiais e de derrubar o tabu dos organismos geneticamente modificados — uma barreira quase intransponível erguida pelos italianos, principalmente. Depois, o curioso visitante desce uma ampla escada e passa por uma série de casas de joão-de-barro em cerâmica, até chegar a uma sala onde a história da gastronomia brasileira é contada através das cartas de Pero Vaz de Caminha, dos primeiros colonizadores que tiveram contato com a cultura indígena, que se baseava na pesca e na caça, mas também e, sobretudo, no consumo da farinha de mandioca. O tubérculo está na raiz do cardápio nacional e agora vem sendo redescoberto e valorizado graças aos grandes chefs que mergulham na história do país e resgatam sabores e ingredientes que tinham se perdido no tempo e no espaço.
Uma galeria de arte foi instalada para ilustrar melhor a relação do brasileiro com as origens de suas iguarias e de seus hábitos culinários. Grandes artistas participam desta exposição dentro da mostra: Vik Muniz, Beatriz Milhazes, Candido Portinari, Hélio Oiticica, Ernesto Neto. O menu das obras é praticamente o mesmo da exposição Alimentário — Arte e construção do patrimônio alimentar brasileiro, que já tinha sido vista no Rio de Janeiro e São Paulo — e, que, agora, pode ser admirada por todo o mundo.