Em uma pequena sala repleta de réplicas de obras primas de Leonardo da Vinci, Lucia Borgonzoni, a subsecretária da Cultura da Itália e membro da Liga, partido de direita, confirmou a autenticidade da sua aversão pelos franceses. Ela acusa a França de tentar apropriar-se culturalmente de Leonardo da Vinci para uma exposição, este ano, no Louvre, pelos 500 anos de sua morte. E este era apenas o começo.
A França tratou a Itália com “falta de respeito” e como um “supermercado” cultural, “enviando uma lista de compras” das obras que pretendia tomar emprestado – praticamente tudo. “Provavelmente nenhum outro país ousaria” comportar-se como a França, comentou, e ficou mais irritada ao ver uma falsa Mona Lisa no museu de Leonardo da Vinci, perto do Vaticano. Ela analisou as reproduções do “Homem Vitruviano” e da “Anunciação”. “Vamos mandar estas para eles”, disse rindo.
Nem tudo foi barrado enquanto a Liga batalha pelo seu programa “A Itália em primeiro lugar”. A cultura, por muito tempo, foi um terreno relativamente neutro. Já não é mais. “É dessa maneira que vemos o país, a sociedade e o mundo”, disse Borgonzoni. Nascido em 1452, perto de Vinci, séculos antes da criação do Estado italiano, Leonardo cresceu em Florença e morou em Milão e Roma antes de se mudar para a França, onde morreu e foi sepultado. A “Mona Lisa” está exposta no Louvre, que tem mais quadros do grande artista do que qualquer outro museu.
Em troca das obras que queria da Itália, o Louvre não fez qualquer oferta consistente, afirmou Borgonzoni, para uma exposição que se realizaria em Roma em 2020, pelos 500 anos da morte de Rafael. Entre os franceses e o governo italiano anterior de centro esquerda nasceu um espírito de cooperação. Uma carta de junho de 2017, do ministro da Cultura da época, Dario Franceschini, enfatizou a importância da mostra de Rafael e a intenção da Itália de “colaborar ativamente com” a exposição do Louvre.
O ministério então convidou diretores de museus do país para uma reunião em julho daquele ano, mostraram documentos fornecidos por Borgonzoni, que assumiu o cargo em junho. Na sua opinião, a correspondência demonstrou que estava se preparando um péssimo acordo. Eike Schmidt, o diretor dos Uffizi de Florença, informou ao Louvre que o seu museu não emprestaria as três obras primas de Leonardo que a instituição solicitara em 2015, por serem excessivamente frágeis.
As Gallerie dell’Accademia de Veneza concordaram em emprestar seis desenhos de Leonardo da Vinci, e os franceses retrucaram: “E o ‘Homem de Vitrúvio’? ”, indagou Paola Marini, a antiga diretora do museu. Até o momento, prosseguiu, “os nossos curadores não se mostraram favoráveis”. A única obra importante de Leonardo que irá para o Louvre, até agora, é a “Scapigliata”, da Galeria Nacional de Parma. “É uma verdadeira novela italiana”, comentou Simone Verde, o diretor.
(Estadão Conteúdo)