Professor da Universidade de Verona defende durante evento em São Paulo a transformação de estações de tratamento de esgoto em biorrefinarias urbanas
Quando o assunto é meio ambiente, o maior desafio brasileiro é dar adequado tratamento a cerca de 60% dos esgotos domésticos gerados. Na Itália, a realidade é parecida, onde aproximadamente 40% da água sem tratamento é lançada em rios e no mar. Essa poluição toda prejudica não somente a biodiversidade e a saúde das pessoas, como a economia de muitas cidades. Para falar do assunto, o especialista em Biotecnologia Ambiental da Universidade de Verona, Francesco Fatone, participou de uma palestra em São Paulo durante a 27ª Feira Nacional de Saneamento e Meio Ambiente, no último mês de agosto.
O professor apresentou o projeto Smart Plant, uma ação pioneira de gerenciamento de redes de esgoto lançada neste ano, com investimentos de € 10 milhões. A planta inteligente envolve Itália, Espanha, Holanda, Inglaterra, Alemanha e Israel e prevê, além do reúso da água, recuperar recursos como celulose e fertilizantes. A convite da Italian Trade Agency, o especialista Ph.D explicou como é possível transformar as estações de tratamento das cidades em biorrefinarias urbanas, usando o conceito de economia circular e sistema regenerativo, para manter materiais em circulação, tirando o máximo valor e utilidade.
— A ideia é mostrar como as indústrias químicas podem recuperar produtos e matérias-primas e reutilizá-los sem prejuízo, gerando economia financeira e benefícios incalculáveis para o planeta — explicou Fatone.
Lançado em junho deste ano por pesquisadores da Universidade de Verona e com duração prevista até 2020, o projeto inovador vai sair dos laboratórios científicos para ser trabalhado em larga escala para melhorar a vida das pessoas.
Segundo o palestrante, o projeto vai adaptar sistemas de gerenciamento de esgotos municipais já existentes e terá quatro pilares centrais: economia circular, monitoramento robótico, gestão de resíduos urbanos e integração dos sistemas de tratamento de águas.
Para desenvolver o Smart Plant, a Universidade de Verona criou um consórcio que envolve 25 parceiros, 18 empresas e sete universidades. A iniciativa está dividida em três fases. A primeira, que se estende até 2018, é de desenvolvimento e demonstração tecnológica; a segunda é de recuperação dos recursos; e a terceira tem o objetivo de de colocá-los efetivamente no mercado. Espera-se que até 2020 esteja concluído. A partir disso, o modelo estará pronto para ser repetido em outras economias na Ásia, Oriente Médio e América Latina.
Crise hídrica motivou iniciativas brasileiras
O Brasil também avança em pesquisas nesse sentido, apesar das diferenças regionais em níveis de atendimento e tratamento de esgotos domésticos.
— Quanto ao uso inteligente, podemos apontar que há uma relação direta com a disponibilidade da infraestrutura em coleta e tratamento de esgotos, com a cultura do uso adequado e, consequentemente, ‘sustentável’. Percebe-se ainda uma curva ascendente no número de pesquisas e desenvolvimento tecnológico com foco em reúso, aproveitamento dos subprodutos do esgoto e tratamento —explica Edgard Faust Filho, coordenador da Câmara Temática Tratamento de Esgoto da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (ABES).
Segundo Faust Filho, a crise hídrica vivida nos últimos anos, no Brasil, foi um amargo propulsor dessa curva ascendente.
— Nesse sentido, várias iniciativas foram desenvolvidas: reúsos indiretos e diretos, sendo os primeiros mais difundidos em sistemas de saneamento e o segundo em sistemas industriais; aumento de fornecedores de produtos e legislações estaduais e municipais, para regulamentar o reúso dos efluentes — afirma.
Como exemplo, na Bacia do Rio Paraíba do Sul (na região Sudeste), o reúso é praticado por cerca de 50% das grandes indústrias. Há estações com aproveitamento energético e de secagem do lodo de esgotos sendo implantadas e em operação em São Paulo, Minas Gerais e Paraná, explica o coordenador.
Apesar das iniciativas, ainda existe um longo caminho de investimentos em pesquisa, capacitação para coleta e tratamento de esgotos, mas o princípio do uso inteligente, com o aproveitamento dos subprodutos, a redução e a reciclagem, já representa uma luz em meio à poluição que ainda afeta muitas cidades do mundo.