Críticos e cineastas analisam a produção cinematográfica do Brasil e da Itália nos últimos 20 anos
O cinema italiano sempre foi motivo de inspiração para cineastas de todo o mundo e de admiração por parte dos cinéfilos de várias nacionalidades. No Brasil não é diferente. Nos últimos 20 anos, porém, Itália e Brasil estiveram lado a lado em premiações internacionais, mostrando a força cinematográfica dos dois países. Se de um lado o Brasil concorreu ao Oscar com O Quatrilho (1996), de Fábio Barreto, e O que é isso, companheiro? (1997), de Bruno Barreto, do outro, a Itália, antes de arrebatar este ano o Oscar de melhor filme estrangeiro com A Grande Beleza, de Paolo Sorrentino, causou comoção mundial com O Carteiro e o Poeta (Il Postino, 1995), dirigido pelo americano Michael Radford e estrelado e roteirizado pelo ator Massimo Troisi, que morreu no dia seguinte ao término das filmagens e não viu o filme concorrer a cinco Oscars — incluindo melhor filme e ator, post mortem, para Troisi.
Em 1998, os dois países estiveram lado a lado em uma disputa acirrada pelo prêmio máximo do cinema. Foi quando Central do Brasil, de Walter Salles, vencedor do Urso de Ouro de melhor filme do Festival de Berlim e do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, concorreu ao Oscar na categoria de filme estrangeiro, e na de melhor atriz, com a indicação inédita para Fernanda Montenegro. O Brasil seria favorito se não tivesse pela frente A Vida é Bela, de Roberto Benigni, que, além de concorrer como longa estrangeiro, também foi indicado na categoria de filme principal, ator e diretor. Assim como um clássico entre Brasil x Itália no futebol, a torcida nacional foi grande, mas os italianos levaram a melhor: além de Benigni ganhar como ator, faturou o prêmio de filme estrangeiro, recebendo a estatueta dourada das mãos de Sophia Loren.
De lá para cá, a Itália lançou novos diretores que vem conquistando sucesso e prestígio mundo afora, como Matteo Garrone, Emanuele Crialese, Nanni Moretti e Paolo Sorrentino, diretor do premiado A Grande Beleza, o mais emblemático filme italiano dos últimos anos. Já o Brasil não ficou atrás em sua nova geração de cineastas, apresentando ao mundo nomes como Fernando Meirelles e seu cultuado Cidade de Deus — vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro de 2003, e indicado a quatro Oscars (incluindo direção e roteiro adaptado) em 2004 — e José Padilha e seu famoso Tropa de Elite — Urso de Ouro do Festival de Berlim de 2008.
— O cinema brasileiro despontou novamente para o mundo nos anos 2000. Cidade de Deus é, sem dúvida, um marco. Tropa de Elite confirmou essa posição de destaque. O sucesso desses filmes se confirma com seus respectivos diretores, Fernando Meirelles e José Padilha, filmando atualmente em Hollywood — comenta o jornalista italiano Pietro Ferrara.
Ferrara cita que o cinema italiano vive um momento interessante, especialmente pela boa aceitação mundial de A Grande Beleza.
— O Oscar veio consolidar isso, mas o fato é que Sorrentino já flertava com Hollywood quando fez Aqui é o meu lugar, estrelado por Sean Penn, um ator ícone americano. Mas é bom ver que um filme tão italiano conquistou o mundo, mesmo que mostrando as nossas mazelas — analisa.
O crítico de cinema italiano Paolo Berroni destaca que, nestes 20 anos, a produção italiana deu espaço a diretores veteranos, como Marco Belocchio e os irmãos Taviani.
— Eles continuam tendo espaço, e apresentam um cinema de qualidade, com muito vigor — observa.
Sobre o cinema brasileiro, Berroni acha que é preciso inovar.
— Na Itália ainda nos lembramos de Cidade de Deus, que foi feito há uma década! É preciso renovar, e mesmo que no Brasil a produção seja boa, os filmes, no máximo, passam em festivais internacionais e não chegam ao grande público mundial. Acho que os brasileiros precisam ficar atentos a isso, e não fazer um cinema fechado para si mesmos — alerta.
Para o ator ítalo-brasileiro Felipe Folgosi, apesar do cinema italiano não ter passado por um hiato na produção como o brasileiro, os dois passaram por uma renovação nos últimos 20 anos.
— Ambos se encontram em situações similares, tentando achar um ponto de equilíbrio entre os filmes “de mercado” que tenham um apelo comercial e os filmes artisticamente mais relevantes, que façam avançar a linguagem cinematográfica.
Folgosi acredita que a parceria entre Paolo Sorrentino e Toni Servillo em A Grande Beleza é a mais marcante no cinema italiano atual. No Brasil, ele destaca os nomes de Walter Salles, Fernando Meirelles, José Padilha e Karim Ainouz entre os cineastas e de Wagner Moura, Alice Braga e Dira Paes entre os atores. Ele cita que filmes como A Vida é Bela, O Quarto do Filho (de Nanni Moretti), Gomorra (de Matteo Garrone) e Il Divo (de Paolo Sorrentino) representam, devido ao reconhecimento internacional que ganharam, o “Novo Cinema Italiano”. Entre os brasileiros, destaca Central do Brasil, Cidade de Deus, Amarelo Manga, Tropa de Elite e O Som ao Redor, que “têm importância na retomada do cinema nacional, na conquista do público e por apontar novas direções”.
Parizi destaca o grande poder autoral do cinema italiano
O cineasta ítalo-brasileiro Matheus Parizi, que em 2012 concorreu na Mostra Horizontes do Festival de Veneza com o curta O Afinador, dirigido por Fernando Camargo, acredita que filmes brasileiros como O Som ao Redor, de Kleber Mendonça (a produção nacional mais premiada em 2013 em festivais internacionais) e longas italianos como Salvo, de Antonio Piazza e Fabio Grassadonia (premiado na Semana da Crítica do Festival de Cannes do ano passado), são importantes por razões diversas.
— Parte dos filmes produzidos no Brasil e na Itália tem traçado novos limites para a linguagem cinematográfica, linguagens híbridas, procedimentos de apropriação e subversão de material de terceiros, entre outras questões no campo da linguagem, tanto como resultado, como no seu modo de produção. Outra parte serviu à missão de firmar a produção dos países no cenário internacional, levando prêmios em Cannes ou no Oscar, assim como atingindo o grande público — diz Parizi.
Segundo o cineasta, a produção brasileira de hoje vive um momento onde tanto a experimentação quanto a busca pelo grande público crescem paralelamente. Já o cinema italiano sempre foi um “continente cinematográfico” importante, uma zona que contém referências às quais voltamos e discutimos, rediscutimos.
— Sempre foi um cinema que combinou grande poder autoral e excelência na sua execução. Passou por uma fase em que muitos filmes com dramas familiares e psicológicos foram vistos, feitos de forma naturalista, e ultimamente parece estar bebendo em outras fontes, por exemplo, com A Grande Beleza e Reality.
Matheus Parizi ainda aponta que, no parâmetro mundial, a crise europeia afeta de alguma forma a produção cinematográfica na Itália.
— Com certeza a crise europeia inclui a Itália e dificulta a produção cinematográfica. Acho que um exemplo disso seria o comentário frequente nos jornais e mídias eletrônicas sobre o recente Salvo, de Grassadonia e Piazza, vencedor na semana da crítica em Cannes, onde era dito, a maior parte das vezes por italianos, que o cinema italiano foi “salvo”, ou que o filme veio “salvar” a cinematografia italiana. O mesmo tipo de ironia foi usado com A Grande Beleza, sobre o qual diziam que é “a grande beleza” em um momento de dificuldade particular — comenta.
O cineasta Vicente Ferraz, cujo filme A Estrada 47 — uma coprodução Itália/Brasil sobre os pracinhas na Segunda Guerra — estreia ainda este ano no Brasil, revela que tem uma profunda admiração pelo cinema italiano.
— Se eles não inventaram o cinema, podemos dizer que o reinventaram. E essa reinvenção foi a maior contribuição para o cinema mundial, e o latino-americano em particular. Ou seja, a cinematografia italiana não precisa de apresentações.
Ferraz acrescenta que o Brasil ainda é uma cinematografia jovem e sujeita a vários fatores, como a influência da TV, os modismos, a flutuação da economia etc.
— Acho que estamos vivendo um momento de grande diversidade temática, estética e estilística, que não víamos desde os anos 1960. As novas tecnologias baratearam os custos de produção, criando possibilidades tanto para uma nova geração de realizadores como diretores com carreira consolidada, dando uma visibilidade no Brasil e no exterior. Acho que realizadores como Karim Ainouz, Marcelo Gomes, João Moreira Salles, Kleber Mendonça, Ana Muylaerte, Laís Bodansky, Petrus Cariri, Maria Augusta Ramos e Sérgio Bianchi são fundamentais para entender o Brasil e o panorama do cinema contemporâneo — conclui.