Theatro Municipal confirma que pintura do teto do Camarote do Governador, sem assinatura, é de Eliseu Visconti
Se estivesse vivo, Eliseu Visconti completaria 150 anos em 30 de julho deste ano. Considerado o primeiro designer do Brasil e um dos principais artistas do século XX, é conhecido principalmente pelas pinturas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde acaba de ser feita uma descoberta: a pintura sem assinatura que decora o teto da antessala do camarote do governador, com dois metros de diâmetro, foi realizada por ele. A comprovação veio após a análise de cartas trocadas entre o pintor e o então diretor do Theatro, Roberto Doyle Maia, em 1934. A obra traz figuras masculinas e femininas. O Projeto Eliseu Visconti, dirigido pelo neto do artista, Tobias Visconti, confirmou que a pintura apresenta todas as características artísticas do autor. Em tons de bege, azul e branco, sua excelente conservação é devida à localização do camarote, preservado da luz e da poluição.
Eliseu trabalhou ativamente até o ano de sua morte, 1944. Somente no Museu de Belas Artes existem 43 obras de Visconti, embora a maioria esteja guardada na reserva técnica. Além dos acervos em museus, calcula-se que existam dezenas de obras em coleções particulares. O Projeto conta com uma comissão própria que analisa obras e comprova a autenticidade delas.
— Existem, porém, muitas falsificações. Analisamos muitas obras de leilões. Somente cerca de 30% das 700 obras analisadas até hoje foram consideradas autênticas — revela Tobias.
Nascido em Giffoni Valle Piana, uma bela cidadezinha montanhosa da província de Salerno, hoje conhecida por hospedar um famoso festival de cinema todos os anos, Eliseo, como foi batizado, chegou ao país ainda menino, e foi morar em uma fazenda em Além Paraíba (MG). A família do barão de Guararema percebeu seus dotes artísticos e o estimulou a estudar na então capital, o Rio de Janeiro, onde estuda no Liceu de Artes e Ofícios e na Academia Brasileira de Artes, tendo como professores Victor Meirelles e Henrique Bernardelli. A partir de 1892, ano em que ganhou o primeiro prêmio de viagem (para a França), não parou de colecionar honrarias.
Em um passeio pelos edifícios históricos do centro do Rio, podemos apreciar suas obras mais importantes: além das pinturas no Museu Nacional de Belas Artes e na Biblioteca Nacional, ele compôs as peças decorativas do Palácio Tiradentes, sede da Assembleia Legislativa, e um tríptico em homenagem à cidade e ao médico Osvaldo Cruz no Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal. A influência da arte impressionista é uma de suas marcas. A partir de 1920, passa a criar um estilo próprio: o impressionismo viscontiniano — iluminado pela atmosfera tropical da capital brasileira.
Cenas do Rio Antigo estão em diversas telas do artista
Visconti pintou diversas paisagens do Rio Antigo, como o Pão de Açúcar, a praia de Copacabana, o antigo Morro do Castelo, o bairro do Andaraí — onde morou no final do século XIX —, a Avenida Central (atual Rio Branco), a Ladeira dos Tabajaras (onde fixou residência mais tarde) e os Arcos da Lapa, região onde manteve um ateliê, na Avenida Mem de Sá, que acabou demolido nos anos 1970.
Apesar da importância de seu trabalho para a arte brasileira, Visconti era pouco conhecido pelos mais jovens há cerca de 20 anos.
— Eu achava um absurdo que um pintor tão importante do século XX estivesse esquecido, principalmente por causa da influência do modernismo. Então, eu me aposentei e comecei a resgatar o trabalho de conservação que meu pai, que faleceu em 2003, fazia. O site www.eliseuvisconti.com.br foi lançado em 2005. Depois, realizamos exposições em 2007, 2008 e 2009, 2012, 2014, em São Paulo, Rio, Recife. Hoje, vejo que a quantidade de acessos na página do wikipedia sobre ele é bem alta — afirma Tobias à Comunità.
A pintura que acaba de ter autoria confirmada de Eliseu Visconti tem dois metros de diâmetro e traz figuras alegóricas masculinas e femininas em tons de bege, azul e branco. O artista, que retornou diversas vezes ao sul da Itália para ver a mãe (foto abaixo), retratou diversas paisagens do Rio Antigo, como o bairro do Andaraí e os Arcos da Lapa
Críticas por retratar mulheres…
Uma das marcas de Visconti era a predileção pela figura feminina, visível principalmente nos selos. Porém, a representação das musas sofreu censuras em seu tempo. O maior exemplo é o painel decorativo (1926) que representa a assinatura da Constituição de 1891, no Palácio Tiradentes, local que abrigava o Congresso Nacional e hoje sedia a Assembleia Legislativa do estado. A primeira versão pintada pelo italiano apresentava diversas figuras femininas, mas foi criticada pelos deputados, que pediram nova versão. O painel final foi executado com cores mais escuras e somente com os retratos dos constituintes, além do Marechal Deodoro da Fonseca.
… e negros
O artista também chegou a receber críticas por retratar pessoas negras em sua obra mais majestosa: o pano de boca do Theatro Municipal, realizada a convite do prefeito Pereira Passos. Ele expôs a obra em Paris, em 1907, antes de trazê-la ao Rio. Muitos brasileiros residentes na capital francesa enviaram reclamações ao autor e ao ministro Rui Barbosa, incomodados com as figuras de “pessoas populares”, de “uma preta mina” e de D. Pedro II — pois, na época, a ideologia republicana não via com bons olhos nada que lembrasse os tempos do império.
“Quanto à crítica propriamente dita, não ligo a menor importância; as opiniões são livres, recolho o que me interessa e o vento se encarrega do resto!”, escreveu em resposta Visconti, cuja arte venceu: o pano de boca, intitulado “A influência das Artes sobre a civilização”, não foi alterado e adorna até hoje o principal teatro do Rio.
O primeiro designer do país
Visconti é considerado pioneiro do design no Brasil por ter trilhado os primeiros passos do desenho aplicado às indústrias e às artes gráficas. Realizou cartazes, projetos para louças, cerâmicas, vitrais, luminárias tecidos e papel de parede, selos e emblemas, como o da Biblioteca Nacional. Com um projeto representando a energia elétrica em nanquim e guache sobre papel, venceu o concurso dos Correios de 1904.