Depois de BH, é a vez de o público fluminense conferir obras-primas de pintores italianos dedicados a São Francisco do Barroco ao Renascimento
San Francesco d’Assisi, São Francisco de Assis. Um dos santos mais venerados na Itália, no Brasil, em todo o mundo católico, que dá nome ao Papa atual. Devotos e não devotos, cristãos, judeus, muçulmanos, budistas, ateus: é praticamente impossível não se sensibilizar com essa figura da história. Quem quiser conhecer algo mais desse personagem pode conferir no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Centro do Rio, até 27 de janeiro, a mostra São Francisco na Arte de Mestres Italianos. Iniciativa da Embaixada italiana, com o patrocínio máster da Fiat e da revista Comunità, em conjunto com Consulado Geral, Instituto Italiano de Cultura, Ministério da Cultura, Instituto Brasileiro de Museus e Associação de Amigos do MNBA.
A exposição apresenta coleções italianas dos séculos XV a XVII e, com elas, as principais fases da representação do santo de Assis por meio da arte. No total, são 21 obras, das quais 20 são oriundas da Itália e uma de Nova Jérsei (EUA): o óleo sobre tela de São Francisco contemplando um crânio, de Lodovico Cardi, dito Cigoli, em destaque numa linda moldura dourada. O pintor nasceu em San Miniato, província de Pisa, na região da Toscana, em 1559, e morreu em Roma, em 1613.
As 20 obras originárias da Itália, produzidas entre os séculos XV e XVII, vieram de oito cidades diferentes: Roma, Ascoli Piceno, Áquila, Perugia, Osimo, Rieti, Bolonha e Novara. Os admiradores da pintura vão poder apreciar obras de arte renascentista e barroca de gênios como Tiziano Vecellio, Perugino, Orazio Gentileschi, Guido Reni, Guercino, Carracci, Cigoli.
Quadro de Ticiano é avaliado em 12 milhões de euros
A grande estrela da mostra é o quadro São Francisco recebe os estigmas (1570), de Tiziano Vecellio, avaliado em 12 milhões de euros. Um dos principais artistas da escola veneziana do Renascimento, ele nasceu em Pieve di Cadore, na província de Belluno, no Vêneto, entre 1488 e 1490, não se sabe ao certo, e morreu em 27 de agosto de 1576, em Veneza.
Dois italianos com larga experiência no campo da arte são curadores da mostra. Giovanni Morello, responsável por diversas exposições de arte antiga na Itália, no Vaticano e em outros países, e membro da comissão permanente de tutela dos monumentos históricos e artísticos da Santa Sé. O outro é Stefano Papetti, diretor do Museu Cívico de Ascoli Piceno, na região Marche, na Itália Central.
Papetti conversou com Comunità na abertura da mostra no Museu de Belas Artes do Rio:
— É ótimo que italianos que moram no Brasil conheçam esses trabalhos. É um santo que traz consigo grandes mensagens sociais, patrono da natureza. Fizemos essa mostra em Ascoli Piceno e Assisi, cidade do santo. Na Itália, em 2016, aproveitamos a ocasião do oitavo centenário de São Francisco para organizar esses eventos. No Brasil começamos por Belo Horizonte. Após o Rio, existe possibilidade de levá-la para São Paulo. Depois de terminarmos as exposições no Brasil, as obras devem voltar para os seus lugares de origem na Itália, onde precisarão permanecer um tempo para evitar maiores desgastes. Não é fácil transportar tantas peças. Elas precisam ficar protegidas da umidade. A transportadora responsável pelo deslocamento é especialista em mudanças de obras de arte. A exposição tem custo em torno de um milhão e 800 mil euros.
Quem não teve oportunidade de conhecer pessoalmente a Basílica de São Francisco em Assis, na província de Perúgia, localizada na região da Úmbria, na Itália Central, pode fazer uma viagem no tempo e no espaço sem sair do Rio. Em palavras mais claras, vale a visita à sala de realidade virtual do Museu de Belas Artes. Com óculos de terceira dimensão, pode-se contemplar a basílica pelo lado de dentro e de fora. A igreja, meta de peregrinação de devotos de todo o mundo, é onde repousam os restos mortais do famoso santo desde 1230. Os óculos 3D dão a nítida sensação de estar no interior da basílica, onde se pode conhecer passagens da vida de São Francisco e mesmo escutar um pouco da sua história. Na mesma visita virtual é possível admirar os afrescos do artista Giotto di Bondone (1266-1337).
Quadros em terceira dimensão especialmente pensados para os cegos
O presidente da Casa Fiat de Cultura, João Ciaco, lembra o sucesso que a mesma exposição teve na sua passagem pela capital mineira.
— Em Belo Horizonte, 116 mil pessoas viram a mostra nos dois meses em que ficou por lá. Uma média de 1.800, dois mil espectadores por dia. Havia filas que dobravam o quarteirão. Pessoas de todas as idades compareceram. Muitas visitas de estudantes de 10, 12 anos. Muita repercussão nas redes sociais também. É um santo da paz, muito atual. Ainda mais em Minas, um estado tão religioso.
As pinturas são só para serem admiradas com os olhos? Na mostra, os deficientes visuais também têm vez, como explica Ciaco:
— Os cegos podem sentir pelo tato os quadros em terceira dimensão esculpidos e colocados ao lado das imagens.
O embaixador da Itália no Brasil, Antonio Bernardini, destacou a importância da passagem da mostra pelo país que o hospeda:
— Há diversas mensagens positivas. São Francisco é figura muito amada na Itália, onde é o patrono, no mundo católico, assim como no Brasil. É o santo que traz também mensagens moderníssimas. É lembrado por todos pelo seu amor à natureza. É muito bonito ver como esse frade, por volta de 1200, já demonstrava sua atenção em direção às criaturas. Também é importante que esta mostra chegue ao Rio no momento em que a cidade absorveu a tragédia do incêndio no Museu Nacional. É uma pequena contribuição para o Rio continuar a manter forte as atenções com relação à cultura, elemento essencial na vida de qualquer lugar, especialmente para o Rio de Janeiro. Além do mais, são obras importantes que retratam períodos do Renascimento ao Barroco. Não foi fácil trazer esses quadros ao Brasil. Conseguimos. É uma oportunidade única. Espero que o público aqui no Rio nos dê razão. Em Belo Horizonte fez sucesso incrível, impressionante.
Rodolfo Teichner, empresário do ramo do café, italiano radicado no Brasil, ficou maravilhado com a mostra:
— É preciso enaltecer o caráter incrível da coleção. As obras, do mesmo tema, vieram de cidades diferentes, escolas diferentes. A nórdica, mais escura. A do Sul, mais dourada. A Igreja, na época, já era patrocinadora dos grandes artistas, precursora do marketing.
Prisioneiro de guerra, visão mística e renúncia aos bens paternos
Batizado como Giovanni di Pietro di Bernardone, São Francisco nasceu na cidade de Assis. O pai Pietro — ausente durante o nascimento do filho, ocorrido possivelmente em 1182 (há dúvidas de que poderia ter sido em 1181) — decidiu na volta de sua viagem que ele se chamaria Francesco. Em 1202, foi feito prisioneiro durante cerca de um ano na guerra entre cidades na qual sua Assis foi derrotada pelos exércitos de Perúgia. O futuro santo sofreu longo período de doença em 1204. Ao fim daquele ano, decidiu combater na Puglia, no Sul da Itália. Mas, quando chegou a Spoleto, Itália Central, teve misteriosa visão que começaria a mudar sua vida. Desistiu do combate e voltou a Assis. O ano de 1205 marcou sua conversão: fez peregrinação até Roma e iniciou sua experiência de pobreza. Em 1206, renunciou aos bens paternos. Na primavera de 1208 reuniu companheiros com os quais viria a formar a Primeira Ordem dos Franciscanos.
Na noite de 3 de outubro de 1226, com 44 anos, o frade morreu na igrejinha de Porciúncula, em Santa Maria degli Angeli, fração (espécie de distrito) de Assis. O corpo foi transportado provisoriamente à Igreja de São Jorge (San Giorgio), em sua cidade natal. Em 16 de julho de 1228, o Papa Gregório IX deslocou-se até Assis para canonizar o santo. No dia seguinte, colocou a pedra fundamental para a construção da basílica em sua homenagem. Em 25 de maio de 1230, o corpo foi trasladado à nova Basílica de São Francisco de Assis.
Museu Nacional de Belas Artes
Até 27 de janeiro