Domenico De Masi
Diz um provérbio da Itália do sul que exercer o poder torna as pessoas mais felizes do que fazer amor. Procurei na história algum testemunho que pudesse confirmar este provérbio. Qual teria sido a felicidade de Don Juan de Áustria quando derrotou os turcos em Lepanto? E a de Napoleão quando venceu a batalha em Austerlitz? E a de Hitler, enquanto milhares de jovens desfilavam debaixo de seus olhos no estádio de Nuremberg? E aquela de Stalin, Churchill e Roosevelt reunidos em Yalta para dividir entre si o mundo? Como decifrar o entusiasmo de um papa enquanto benze milhões de fiéis ajoelhados a seus pés? O delírio da onipotência de um chefe que vende e compra, contrata e demite? A torva volúpia de um torturador enquanto sevicia suas vítimas indefesas?
Depois, pensei no conforto que deve ter provado De Gasperi quando, diante da assembleia das Nações, defendeu a Itália derrotada. E o alívio de Kennedy quando, diante do muro de Berlim, lembrou que nunca, nenhuma nação antes da sua, tinha mantido longe da pátria tantos filhos, não para trazer a guerra, mas para manter a paz.
Hoje temos a impressão, talvez não infundada, que depois da morte de personagens como Mao, De Gaulle, Adenauer, o mundo ficou órfão de grandes líderes carismáticos. Só resta a comparação entre Papa Francisco e seus recentes antecessores. Portanto, só nos resta contentarmos com o passado mais remoto, voltando a testemunhos imortais, como aquele em que Tucídides descreveu a sã e consciente felicidade proporcionada pelo poder embasado na sabedoria.
Estamos na Atenas de 430 antes de Cristo. A hegemonia da cidade está ameaçada pela rival Esparta, e a guerra do Peloponeso já causou as primeiras mortes. Tucídides conta que, na cerimonia solene para o sepultamento dos jovens heróis, Péricles é chamado a pronunciar seu elogio fúnebre.
Ele sobe em um alto palanque, assim que sua voz possa alcançar mesmo os que estão mais longe, e lembra ao seu povo, que ali estava reunido de forma ordenada, que os guerreiros de Atenas têm que defender um patrimônio muito mais precioso do que aquele que as cidades inimigas possuíam. Precisam defender a democracia: uma forma de governo em que todos são iguais perante a lei; em que os cargos públicos são atribuídos não com base nos partidos aos quais pertencem, mas na base do merecimento; em que o cidadão que se desinteresse da política não é considerado pacífico, mas inútil; em que se discute antes de tomar decisões; em que a ousadia se casa com o cálculo, sem ser nem afoitos, nem hesitantes. Uma forma de vida em que o decoro social advém da contribuição que cada um, mesmo o mais pobre, pode dar à cidade; em que todos os cidadãos obedecem às leis escritas e até àquelas não escritas, quando todos as considerarem respeitáveis; em que uns ajudam os outros “não por um cálculo de utilidade, mas por uma confiante liberalidade”. Inclusive, graças à sua importância, Atenas possui bens de todo tipo, que lá chegam de todas as partes do mundo.
Estamos diante do esquife de jovens mortos para defender a pátria, diante de seus parentes em luto, diante do inteiro povo ateniense, compacto no silêncio e na dor. Mesmo assim, Péricles não se limita a elencar os méritos políticos, próprios de sua cidade. Logo depois, e com igual ênfase, acrescenta: “Além disso, como alívio para o cansaço, providenciamos para o nosso espírito muitos tipos de lazer, celebrando, segundo os costumes de nosso povo, jogos e festas que se sucedem o ano inteiro, e morando em casas que dispõe de todo o conforto, que afastam de nós a tristeza”.
Atenas nada tem a esconder: mesmo quando prepara as guerras, permite a qualquer estrangeiro entrar e sair da cidade a seu bel-prazer. Conta com o valor, não com estratagemas; não educa os jovens para o heroísmo militar, embora depois ganhe pontualmente as guerras. Seus cidadãos amam “enfrentar os perigos com nobre autoconfiança, em vez de ser um incômodo exercício, e com uma coragem que não é fruto de leis, mas de uma determinada maneira de viver”.
E, depois, Péricles nos oferece o suco da felicidade coletiva: “Nós amamos o belo, mas com moderação; amamos a cultura do espírito, mas sem frouxidão. Usamos a riqueza mais pela oportunidade que oferece à ação, que por uma tola forma de nos vangloriarmos da palavra, e não reconhecer a pobreza é vergonhoso entre nós, porém mais vergonhoso é não fazer qualquer coisa para afugentá-la”.
Eis, em síntese, a consciente, serena, profunda felicidade que pode brotar do poder: só quando é justo e criativo.