Economista da Banca d’Italia analisa o atual cenário de crise e frisa que não haverá desenvolvimento se não forem levadas a cabo profundas mudanças no país, que passam pelo acesso mais igualitário à educação e às políticas públicas e pela abertura de mercado ao capital externo
Inédito no mercado brasileiro, o livro L’economia del Brasile (Il Mulino) foi publicado na Itália em 2012, ano em que o país estava na “moda”. Sede da Copa de 2014, a imagem do eldorado emergente começou a ruir — talvez junto com a derrota por 7 x 1 contra a Alemanha, campeã no futebol e na economia. Juntamente com Andrea Goldstein, coautor da obra, o economista bresciano Giorgio Trebeschi, que trabalha na Banca d’Italia desde 2001 e atuou no escritório da instituição em São Paulo entre 2008 e 2013, apontou as zonas sombrias da economia do país “mais moderno” entre os Brics. A estrutura social e econômica é explicada de forma detalhada para os leitores italianos, incluindo o perfil do mercado de trabalho e das empresas, a estrutura do serviço público, a distribuição de renda e o déficit de habitação da população de baixa renda, além de um capítulo inteiro dedicado às relações entre Brasil e Itália, com características da comunidade italiana, as relações comerciais e a experiência do made in Italy no país. Dez páginas são dedicadas às famosas e necessárias reformas para o desenvolvimento nacional. Os autores enumeram três setores nos quais elas são urgentes para que a nação finalmente levante voo, e todas tocam profundamente um problema secular brasileiro: a desigualdade social. No campo da educação, Trebeschi e Goldstein identificaram uma desigual aplicação de recursos, que privilegiam o ensino superior em relação à escola primária. Já o sistema tributário e previdenciário é classificado como “pesado, complicado e fragmentado”. Por último, na administração pública, na qual “é impossível esconder ou minimizar o custo da corrupção”, os autores escreveram que falta uma maior “abertura à sociedade na definição de políticas públicas e dados mais transparentes e de fácil acesso”. Em entrevista à Comunità, Trebeschi falou sobre a disparada da cotação do dólar, lembrando que, “se fosse levada em consideração a inflação acumulada nos últimos 13 anos no Brasil, o câmbio deveria atingir, hoje, R$ 6,6”. O italiano ressalta que, mais do que nunca, com o fim do ciclo da valorização das commodities, sem tais reformas, o país não vai conseguir alavancar seu desenvolvimento.
ComunitàItaliana – Em seu livro, o senhor afirma que a Itália ainda não explorou todo o potencial de comércio com o Brasil, levando-se em conta as afinidades históricas e culturais entre os dois países, reforçadas pela presença de 30 milhões de ítalo-brasileiros. O que falta para incrementar essa relação?
Giorgio Trebeschi – É uma bela pergunta, que também deve ser feita às Câmaras de Comércio e aos Ministérios da Economia. Como frisei em meu livro, lembro que o Brasil continua sendo um país fechado. Mais aberto do que em comparação aos anos 1990, quando houve um processo de abertura, mas permanece pouco aberto em relação a outras realidades. As empresas italianas instaladas no país obtêm mais sucesso. Além das dificuldades para se importar, a presença no território consente o melhor entendimento do país e das oportunidades que oferece.
CI – O que falta principalmente para incrementar essa relação então é a abertura do Brasil ao mercado exterior…
GT – Em resumo, sim. Em comparação a alguns países do continente, como Peru, Colômbia e Chile, o Brasil é fechado, mas não em comparação à Argentina. Não me parece que o diálogo entre o Mercosul e a União Europeia tenha se acelerado. Até porque os mesmos parceiros do Mercosul são fechados também. O Brasil permanece somente à frente da Argentina e de outros países do bloco. Nos últimos anos, esse fechamento não piorou nem melhorou. Os anos 90 foram de grande abertura e, desde então, essa tendência se perdeu um pouco.
CI – Se o Brasil tivesse feito as reformas estruturais que o senhor cita em seu livro, teria sentido tanto essa queda do preço das commodities?
GT – Teria sentido de qualquer forma, pois, em matéria de trocas comerciais, o país fica mais pobre, mas provavelmente de maneira menos forte.
CI – O governo Dilma está tentando aprovar a volta da CPMF para conter o déficit nas contas públicas. O senhor acha que é a solução?
GT – O governo prometeu um surplus primário de 0,7% do PIB para o ano que vem (em 2014 foi de 0,6% e nos 12 meses até julho passado foi de 0,9%). Trata-se de um esforço fiscal notável. O ideal era alcançá-lo com uma racionalização das despesas, pois a pressão fiscal no Brasil já é alta (menor do que o nível europeu, mas, decididamente maior em relação a outros países emergentes com uma renda per capita semelhante). De qualquer forma, devido à rigidez do balanço público brasileiro, ao custo político de cortar determinadas despesas sociais, à impossibilidade de se comprimir os investimentos públicos etc., não vejo de que outra maneira tal resultado possa ser alcançado, sem um aumento das entradas e, portanto, de novos impostos. Parece-me que a estrada já está traçada. E não há muito espaço para manobras.
CI – Steve Ellis, gestor da FF Emerging Market Debt Fund da Fidelity Wordwide Investiment, afirmou recentemente que se desenha, de forma cada vez mais nítida, a diferenciação entre os países emergentes que adotaram reformas de forma séria e aqueles que não o fizeram, e que a desclassificação brasileira não foi uma surpresa, embora tenha acontecido antes do que se imaginava. O senhor concorda?
GT – Parece-me uma análise totalmente razoável. Certamente o rebaixamento do Brasil era esperado, mas aconteceu antes do previsto, talvez em resposta à hesitação governamental em ajustar as contas públicas. É um momento difícil em geral para quase todos os mercados emergentes, cujas expectativas de crescimento foram constantemente revistas nos últimos anos. A China, por exemplo, enfrenta uma desaceleração significativa da atividade industrial e fortes turbulências no mercado financeiro.
CI – Qual seria o melhor exemplo de país emergente que se empenhou em adotar as reformas necessárias?
GT – Entre os emergentes mais virtuosos, eu citaria a Índia, cujo governo promoveu um ambicioso plano de reformas, como as reformas do framework de política monetária, do federalismo fiscal, da liberalização dos investimentos diretos do exterior em setores importantes, dos bancos públicos etc. Os mercados estão com certeza premiando tais esforços. A rúpia indiana é relativamente estável e os fluxos do capital externo ao país foram reforçados.
CI – Em setembro, a cotação do dólar ultrapassou a barreira dos R$ 4, o que não acontecia desde a criação do Plano Real (1994). A tendência é de continuação dessa alta?
GT – Em um momento de grande turbulência como esse, é difícil ter uma resposta. Todavia podemos fazer algumas considerações. A primeira é que a superação da barreira dos R$ 4, com certeza, toca um lado psicológico. Essa barreira já havia sido tocada em outubro de 2002 (no final do governo Fernando Henrique). Desde então, a inflação acumulada nos Estados Unidos foi de 32% e no Brasil, de 122%. Em termos reais, o real está muito mais valorizado do que naquela época, em cerca de 40%. Em outras palavras, a cotação do dólar deveria ser de R$ 6,6, levando em conta que a inflação no Brasil tem sido muito elevada nos últimos 13 anos. Mas não quero dizer que o câmbio vai chegar a isso. Quero fazer um raciocínio. Em termos reais, em julho de 2015, o real atingiu uma cotação equivalente à média de todo o período de julho de 1994, no lançamento do Plano Real. Podemos dizer que atingiu um ponto de equilíbrio. Desde então, se desvalorizou em cerca de 20%. Podemos pensar que esses 20% sejam overshooting, ou seja, uma reação excessiva do mercado às más notícias atuais. É uma hipótese que, por causa da ausência de notícias melhores sobre o ajuste das contas públicas, esse período de overshooting vai ser estendido. Agora, dizer por quanto tempo e em que nível vai parar, é impossível.
CI – As reformas estruturais necessárias à economia brasileira que o senhor cita tocam muito o problema brasileiro da desigualdade social. Em seu livro, por exemplo, o senhor cita que existe investimento em educação, mas, sobretudo, nas universidades públicas, e menos nas faixas primárias. A reforma tributária tem o mesmo problema de base. Por que motivo essas reformas não foram feitas até hoje?
GT – Porque tocam certos interesses. Por que não se investe em infraestrutura? Por que não se faz a reforma da aposentadoria? Porque é algo que politicamente não traz votos. A reforma tributária ainda não foi feita. Além disso, há os conflitos entre os estados. Porque tem o estado X que se rebela etc. Nos últimos 20 anos, certamente houve programas como o Bolsa Família, que tiram da pobreza. Mas não se pode depender desses programas, que trazem fácil retorno eleitoral. Não resolvem o problema da educação, embora seja um incentivo para ir à escola. Por outro lado, não há investimentos na escola básica. Esse problema se traduz claramente na escassa produtividade. Em todos os tipos de trabalho, ter instrução ajuda. Um exemplo banal é o atendimento por telefone, através dos callcenters. Quando há uma pessoa ignorante do outro lado da linha, você perde seu tempo e não consegue resolver as coisas. Em resumo, sem tais reformas estruturais, o país não crescerá como deve.