Uma nova intriga internacional cruza os caminhos entre Itália e Brasil. Depois do caso Battisti, concluído com a não extradição do ex-terrorista italiano, um novo caso assume direções parecidas, ainda que por vias opostas. Henrique Pizzolato, 61 anos, ex-gerente de marketing do Banco do Brasil, condenado a 12 anos e sete meses de prisão e uma multa de R$ 1,316 milhão, por corrupção e lavagem de dinheiro, no âmbito do escândalo o mensalão, teria deixado o país e se refugiado na Itália.
O processo, iniciado em 2005, é um dos mais rumorosos da história da Justiça brasileira, no qual alguns dos mais altos dirigentes do atual partido no governo, o PT, foram acusados e condenados por terem organizados pagamentos mensais para receberem o voto dos deputados a favor do ex- presidente Lula.
O Supremo Tribunal Federal brasileiro estabeleceu as penas, ordenando à prisão algumas figuras do PT, como o ex-presidente do partido José Genoino e o braço direito de Lula, José Dirceu, enquanto Pizzolato desapareceu para evitar a prisão.
O ex-diretor de marketing do Banco do Brasil é descendente de imigrantes italianos, que seriam de origem vêneta: esse fator lhe proporcionou a concessão do duplo passaporte, graças ao qual teria entrado na Itália, ao final de uma rocambolesca viagem ao Paraguai.
A presença de Pizzolato não foi confirmada pelas autoridades italianas, mesmo que as reais intenções do banqueiro fugitivo não deixem dúvidas.
“Por não vislumbrar a mínima chance de ter julgamento afastado de motivações político-eleitorais, com nítido caráter de exceção, decidi consciente e voluntariamente fazer valer meu legítimo direito de liberdade para ter um novo julgamento, na Itália, em um tribunal que não se submete às imposições da mídia empresarial, como está consagrado no tratado de extradição Brasil e Itália”, escreveu em uma carta. E é o advogado de Pizzolato, Marthius Sávio Cavalcante Lobato, quem confirma que o ex-dirigente se encontraria no país.
Se a fuga de Pizzolato despertou polêmica no Brasil, na Itália, passou quase despercebida, mesmo que alguns parlamentares eleitos na circunscrição América do Sul, imediatamente, tenham se movimentado em busca de informações.
O apelo dos políticos ítalo-brasileiros
A jovem deputada ítalo-brasileira, Renata Bueno, trabalha em buscas de novas informações sobre a fuga. Pizzolato está entre os pais fundadores do PT da região sul do Brasil, no Paraná, lugar querido por Renata, filha do deputado federal Rubens Bueno, do PPS (oposição ao PT).
— Primeiramente é oportuno defender a justiça italiana, porque o passaporte italiano de Pizzolato foi retirado pela Justiça brasileira, mas em nenhum momento isso foi comunicado às autoridades italianas. O passaporte é um patrimônio do país que o emite. Uma vez retirado, não precisa somente comunicá-lo, mas deve ser entregue em custódia ao país de emissão — declara à Comunità, Renata Bueno, que solicitou ao Ministro italiano do interior, Angelino Alfano, que confirme a existência de um registro do suposto ingresso de Pizzolato na Itália e informe qual consulado teria concedido o passaporte duplicado, a partir do momento que o original teria sido entregue ao STF.
A Interpol também está nos rastros do ex-gerente desde 18 de novembro, quando o inseriu na lista dos procurados internacionais com prioridade vermelha.
Além disso, surgiu recentemente uma nova hipótese: ele poderia ter deixado o Brasil sem passar pelo Paraguai através do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo. Isto seria confirmado por um documento emitido pelo Sistema de Tráfego Internacional do departamento da Polícia Federal, que indica o trânsito de um passageiro identificado com o sobrenome Pizzolatoo (com duplo “o”).
— Informações não oficiais revelam que, há algum tempo, Pizzolato teria transferido a sua residência oficial do Rio de Janeiro para Madrid, e na capital espanhola ele teria retirado o novo passaporte — afirma a parlamentar, certa de que ele estava planejando sua fuga há tempos.
A deputada, que é também advogada especialista em Direitos Humanos pela Universidade de Padova, explica que, nos tratados bilaterais, um dos aspectos fundamentais é representado pelo princípio de reciprocidade, o qual, neste caso não se aplica: para a Justiça italiana, de fato, Pizzolato é um cidadão comum, sem antecedentes criminais.
— Notamos que tanto o governo brasileiro quanto o governo italiano estão agindo com muita cautela agora. Penso que a Itália, nesta ocasião, tem a oportunidade de fornecer ao Brasil um exemplo de legalidade, sem pensar em responder na mesma moeda — analisa, referindo-se ao caso Battisti.
Entretanto, nas duas margens do globo, afloram hipóteses, por enquanto fantasiosas, relativas a um eventual uso político do caso, com uma troca equivalente entre Battisti e Henrique Pizzolato. Os perfis dos personagens, assim como a natureza dos casos jurídicos, são muito diferentes. Faz sentido a intervenção do senador Fausto Longo (eleito no Brasil pelo PSI), que já se debruça sobre o caso.
— Pizzolato deveria entregar-se para reduzir a pena e haveria os instrumentos para contestar o veredicto e colocar as premissas para uma eventual revisão do seu caso, mas isto não aconteceu. A solução a adotar deverá ser, então, conforme a consolidada cultura jurídica italiana. Erra quem presume que na Itália se possa responder com atos políticos, como aconteceu no caso Battisti. Nas declarações de alguns cientistas políticos ouvidas no Brasil, avança a ideia de que a Itália poderia negar a restituição de Pizzolato à Justiça brasileira por vingança, enquanto se sente ofendida pelo caso de Battisti — ressalta Longo.
Longo estabelece, ainda, um paralelo com a situação jurídica do ex-premier Berlusconi.
— O parlamento italiano se prepara para vetar o exercício das funções públicas de um presidente do seu Conselho, condenado a um crime, não menos grave do que aquele que custa 12 anos de prisão a Pizzolato. O governo provavelmente não se comportará de maneira diversa e não vai impor dificuldades ao pedido de extradição do Brasil. Mesmo seguindo os princípios, os tratados contemplam a possibilidade que um dos dois Estados possa decidir por não conceder a extradição de um cidadão, trata-se mais de uma hipótese teórica do que uma perspectiva realista, por outro lado, os Estados e os governos se regem por direitos e qualquer solução política suscitaria na Itália, não menos que no Brasil, uma profundíssima reprovação social — pondera.
O parecer dos especialistas
De um ponto de vista estritamente técnico, a Itália teria a possibilidade de iniciar uma queda de braço ao negar a extradição. Natalino Ronzitti, docente da Luiss de Roma, é um dos maiores especialistas italianos em Direito internacional. Ele esclarecer os cenários que podem surgir.
— Em linha teórica, a extradição de pessoas com cidadania italiana pode ser refutada, de acordo com o artigo 6 do tratado vigente entre Itália e Brasil, que prevê que seja facultativa e que, em casos de negação da parte de um dos dois países, as autoridades daquele país iniciem, eventualmente, um novo procedimento jurídico. O requisito fundamental é que a pessoa no centro da controvérsia, no momento do pedido da extradição, já possua o status de cidadão italiano — explica à Comunità.
Pizzolato, então, poderia ser novamente processado na Itália, sendo já em posse da dupla cidadania e, sendo o Brasil, pelo menos por um tempo, impossibilitado de fazer o pedido de extradição.
— Para segui-la, é indispensável que seja aceita a presença da pessoa a ser extraditada, dentro dos limites do Estado ao qual se aplica – ressalta Ronzitti.
Segundo Amado Luiz Cervo, professor emérito de Relações Internacionais na Universidade de Brasília, o tratado prevê a possibilidade de que Pizzolato seja julgado na Itália, “mas se trata de uma possibilidade remota, tanto quanto a eventual extradição, porque resultaria determinante a decisão política, além dos aspectos estritamente jurídicos”. O professor se atém aos precedentes que invocam os dois países na causa, mas atenta que o caso Battisti “é completamente distinto, porque Battisti não é um cidadão brasileiro e se beneficiou da concessão do asilo político, enquanto Pizzolato, assim como Cacciola, é um criminoso comum, portanto, condenado por crimes cometidos no Brasil”.
— No caso de Battisti, a decisão foi política e, retirá-la significaria acabar com a instituição do asilo político, tida tradicionalmente com alta estima pelo governo brasileiro.
Segundo Cervo, de qualquer forma, as relações entre Brasil e Itália são sólidas, com “laços que não correm perigo e que sobreviverão às decisões, eventualmente irracionais, dos governos”. Ele conclui com um pouco de ironia:
— Pizzolato não deve se distrair e não deve sair do território italiano para viajar, porque, se o fizer, será preso pela Interpol e enviado para o Brasil. E por outro lado, o caso Cacciola pode servir de lição — ironiza.