Comunità Italiana

Qual o parâmetro da felicidade?

Presidente do Pontifício Conselho para a Cultura do Vaticano, que está no Brasil este mês para uma série de eventos, conversou com Comunità sobre religião e política

O cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura, fala abertamente de vários temas, entre religião, política e corrupção. Ele recebeu Comunità em seu escritório no Vaticano para uma entrevista exclusiva antes da sua viagem ao Brasil, de 5 a 13 de abril, durante a qual visita o Rio de Janeiro, Aparecida e Curitiba. No país, ele também participa do evento denominado Pátio dos Encontros, uma iniciativa do Vaticano, com o objetivo de incentivar o diálogo, especialmente entre crentes e não crentes, nas áreas de interesse comum a ambos os grupos. A expressão, originalmente ‘Pátio dos Gentios’, relembra a área do antigo Templo de Jerusalém, à qual os não judeus, proibidos de entrar nas outras regiões do edifício, podiam aceder com liberdade, independentemente da cultura, da língua ou da orientação religiosa. Ou seja, um espaço de encontro e multiplicidade. No Rio, ele participa de uma série de eventos. Um deles vai acontecer no Teatro Municipal e tem como tema central “Ética e Transcendência”.
Em Aparecida, o cardeal faz um retiro espiritual com membros do episcopado brasileiro. Em Curitiba, participa de um debate sobre “Deus, cosmos e humanidade”, que trata da convivência social e econômica no mundo.
Nascido em Merate, na província de Lecco, Ravasi destaca a importância da “economia da felicidade”.
— Não se deve medir a qualidade da vida só com parâmetros financeiros, limitando-se à economia. É necessário medir a qualidade da sociedade, levando em conta a educação, a cultura e o bem-estar. A felicidade, no sentido realístico e não utópico, é uma categoria que deve entrar nas medidas de desenvolvimento de um país. Não basta o PIB (Produto Interno Bruto); é preciso o FIB (Felicidade Interna Bruta), que significa o bem-estar geral, não só material — afirma.
Ravasi aprofunda o tema, falando da atual situação brasileira.
— O Brasil viveu uma situação de bem-estar material no passado e agora sofre uma crise profunda. É uma crise econômica que se transforma também em crise social. A corrupção não significa o colapso, mas torna o país mais insatisfeito e mais sofrido, pois as pessoas se sentem menosprezadas. A corrupção cria desequilíbrios econômicos e também problemas culturais — avalia.

A teologia do bem-estar e sua multiplicação em território brasileiro
O religioso italiano faz ainda duas considerações sobre os aspectos religiosos brasileiros:
— De um lado, o Brasil é grande fonte para a Igreja católica, com grande vivacidade que começou já no passado. Pensemos nos grupos de base e também no episcopado vivaz, muito próximo às comunidades. Portanto, é um país com um catolicismo fértil e uma riqueza religiosa indiscutível. Esta é a parte positiva. Por outro lado, o aspecto problemático foi o surgimento de novas religiosidades, as chamadas seitas, que apresentam um fácil acolhimento sem grandes princípios, só o bem-estar físico e espiritual. Estes grupos de matriz norte-americana introduziram a famosa “Teologia do Bem-Estar”, que recupera um princípio do Antigo Testamento, que Jesus critica e que também Jó reprova. Trata-se do princípio “justiça prêmio”. Se você é rico e está bem, significa que você é abençoado por Deus. Jesus rejeita este conceito e a Igreja católica basicamente segue a opção preferencial pelos pobres. Além disso, estes grupos apresentam uma religiosidade devocional com o ventre que acolhe, mesmo porque eles têm fundos, e é mais fácil acolher quando as comunidades são pequenas.
O cardeal fala também das religiões afro-indígenas. Segundo ele, são necessárias, pois a fé se exprime na cultura e na existência de um povo, mas não deixa de fazer ressalvas:
— É preciso prestar atenção para impedir que se transforme em sincretismo, uma mistura de tudo, inclusive em elementos de idolatria. É positivo dançar samba, é positiva a encarnação da fé, mas é também indispensável que se purifique o modelo final de encarnação. Alguns aspectos são mágicos. Lembro-me dos romances de Jorge Amado, no qual ele descreve a macumba e outros rituais muito sugestivos. Eles não devem ser exorcizados por princípio, mas, no final, se transformam em idolatria, que vai além do sincretismo. Por isso, é uma questão pastoral complexa.
Ele admite também que a Igreja Católica perde fiéis por responsabilidade própria, enquanto as evangélicas pentecostais proliferam. Os evangélicos têm uma instrumentalização promocional muito forte ligada às igrejas norte-americanas, observa.
— Eles têm igrejas com arquiteturas suntuosas, programas na televisão. Um lado positivo foi que a Igreja Católica passou a se interessar por mais de uma dimensão carismática. O povo latino-americano tem uma qualidade sentimental mais forte do que o europeu; portanto, a espiritualidade tem que considerar a dimensão pessoal, a paixão, o entusiasmo e a efervescência.
O carisma, daí vêm os carismáticos, quer dizer alegria e o reconhecimento da força pessoal que cada um tem com a espiritualidade — ressalta.

“Bispos têm o direito de se expressar sobre política”
Gianfranco Ravasi discorda daqueles que dizem que religião e política não se misturam.
— São realidades distintas, mas não separadas porque tratam o mesmo sujeito: a sociedade, as pessoas e o povo. Portanto, não podem ser ignoradas, embora com visões e funções diferentes. Se o Estado comete uma injustiça, por exemplo, a corrupção, é justo que a Igreja proteste em nome da moral. A Igreja tem o direito de afirmar a sua opinião e mostrar a sua própria posição sobre valores como dignidade da pessoa, vida, liberdade e justiça. “Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Os bispos não têm o direito de se candidatar ao parlamento, mas têm o direito de se expressar.
Ao abordar a distinção entre religião e política, é preciso lembrar-se da Teologia da Libertação, corrente que, a partir de 1968, ganhou força na América Latina. A corrente interpretava os ensinamentos de Jesus Cristo como uma libertação de injustas condições econômicas, políticas ou sociais. O comando da Igreja católica considerava os religiosos defensores desta teologia como marxistas, a ponto de processá-los. Em 1985, a Congregação para a Doutrina da Fé, então dirigida por Joseph Ratzinger, em 2005 eleito Papa Bento XVI, condenou o frei brasileiro Leonardo Boff a um ano de “silêncio obsequioso”, perdendo sua cátedra e suas funções editoriais na Igreja.
— A Teologia da Libertação teve certamente uma coisa positiva, pois recordou a dimensão encarnada histórica da fé cristã. Eles adotaram métodos interpretativos e operativos discutíveis, como o marxismo e outros métodos sociológicos, porém tinham um princípio positivo. Agora não se fala mais na Teologia da Libertação, mas está viva na América Latina. Eu chamaria de Teologia Popular, pois tem a convicção de que, dentro da Igreja, a comunidade eclesiástica deve ser envolvida não só simbolicamente, mas de modo pastoral operativo. Participei de uma conferência em Chicago com vários teólogos latino-americanos que ensinam nos Estados Unidos e no Canadá. A tese fundamental não é mais só a opção preferencial pelos pobres, mas a defesa da cultura, no sentido antropológico como expressão. Até o operário faz cultura trabalhando. Isso a Igreja deve fazer, o envolvimento popular nas escolhas pastorais — defende.
Para o cardeal Ravasi, o diálogo se baseia na tolerância e no respeito às opiniões diferentes, mas estas devem seguir a coerência de uma comunidade e não um oportunismo individual.
— No diálogo, existe a riqueza das diferenças. Encontrar o que nos une, mas reconhecer e respeitar as próprias identidades. Cada comunidade deve declarar a sua identidade. Alguns movimentos, inclusive cristãos, afirmam que o aborto e a eutanásia são legítimos, enquanto o mundo católico tem o direito de expressar o conceito da vida como transcendente.

“Um novo estilo no papado com Francisco”
Um estilo novo no papado e um novo modo de dialogar com o mundo: essas são as principais reformas do papa Francisco.
— O uso dos símbolos, o jeito de falar com o corpo, escolhendo sempre o essencial, a misericórdia, o ser humano, a natureza, a justiça, a família. Dentro da palavra estilo, eu resumo toda a minha interpretação que o Papa Francisco faz da função magistral e pastoral do papado. Para ele, o diálogo e o respeito são valores fundamentais — afirma Ravasi.
Interpelado sobre os obstáculos que papa Francisco encontra dentro da Igreja, o cardeal Ravasi responde:
— Até Jesus encontrou obstáculos. Uma famosa frase do escritor inglês Graham Greene dizia: “Se todos me dão razão, é sinal que nem sempre eu disse a verdade”. Existem obstáculos dentro da Cúria. Qualquer mudança cria reações e resistências, mas são necessárias; caso contrário, seriam indiferentes. A Bíblia diz que a palavra de Deus é como uma espada.