{mosimage}O mais famoso designer de automóveis do mundo abre seu escritório em Turim à Comunità e fala do desafio de supervisionar o estilo de todas as marcas do grupo Fiat, como Alfa Romeo, Chrysler, Jeep, Iveco e New Holland
No universo dos automóveis, ele é “o cara”. A carreira do engenheiro Lorenzo Ramaciotti, o mais famoso designer do setor no mundo, confirma uma fórmula em que todos os ingredientes deram certo. O italiano parece ter nascido para isso, em 1948, logo após a segunda guerra mundial. Como muitos de sua geração, cresceu com o mito dos carros, o qual representava a superação das dificuldades e o desejo de progresso. Como se não bastasse, é originário de Modena, cidade ligada fortemente aos motores, a apenas 500 metros da fábrica da Maserati e perto da sede da escuderia Ferrari. Atualmente, chefia o Centro Estilo Fiat, cujos escritórios são responsáveis por projetar o estilo de todas as marcas do grupo.
O sucesso de Ramaciotti se deve a uma combinação de qualidades fundamentais, entre as quais, uma visão tridimensional a 360º. Com vasta experiência e uma vida dedicada ao design dos automóveis, o engenheiro Ramaciotti faz projetos entendendo cada sociedade, as diferentes economias que influenciam os costumes e a cultura em interação com a estética.
O designer recebeu ComunitàItaliana com exclusividade em seu escritório no Centro Estilo Fiat, em Turim, onde falou sobre sua vida e o seu trabalho. A impressão que transmite é espontaneidade, simplicidade e sofisticação, capaz de deixar qualquer um à vontade como se estivessem em um tranquilo bate-papo. Além disso, impressiona pela sua cultura geral.
— Meu pai era um grande amigo dos proprietários da Maserati, a família Orsi. Quando era possível, eu ia visitar a fábrica. Minha tia, hoje com 96 anos, sempre me disse que quando eu era criança, ao passar um carro, eu reconhecia o som de cada motor. Claro que, naquela época, era mais fácil reconhecer o som porque havia poucos automóveis. Além disso, eu gostava de desenhar carros. Ainda tenho os cadernos com os desenhos — disse, sorrindo.
O engenheiro Ramaciotti se lembra também do primeiro carro que teve quando completou 18 anos:
— Faço parte da geração 500. Naquela época, poucos tinham a possibilidade de ter um automóvel. Entre aqueles que podiam ter um carro quando completavam 18 anos, os pais davam um Fiat 500, normalmente azul ou branca, enquanto os mais ricos recebiam uma Mini. Havia uma rivalidade entre o 500 e o Mini. Tive sorte, pois meus pais puderam me dar de presente um modelo 500 branco. Foi como o primeiro amor. Quando eu comprei o novo 500, reencontrei a minha juventude. Foi como rejuvenescer 40 anos — recorda.
O 500, cujo design não é de autoria de Ramaciotti, representa uma tendência que se destacou na metade da última década com a nostalgia do passado. É uma espécie de retorno ao vintage dos anos 1960, recuperando as formas históricas dos automóveis como ícones. Depois da aprovação do Concept Car do 500, em 2004, esta nova versão foi lançada no mercado com grande sucesso, em 2007.
Ramaciotti faz um balanço da sua vida:
— Sinto-me uma pessoa de sorte, por ter realizado o sonho de infância. Acho que fui além das expectativas, porque nunca pensei em chegar neste ponto. Sinto-me realizado. Olhando para trás, nunca procurei fazer carreira. Simplesmente dediquei muita paixão e competência, procurando fazer um bom trabalho.
A experiência começou na Pininfarina
Ramaciotti estudou na Universidade Politécnica de Turim, onde se formou em engenharia mecânica. Em 1973, entrou no grupo de Pininfarina, a empresa italiana mundialmente reconhecida pela qualidade do design de automóveis. Ele se recorda, com orgulho, do grande mestre Leonardo Fioravante, com quem trabalhou lado a lado por cerca de 15 anos.
— Com Fioravante, aprendi a projetar automóveis, não só como designer, mas também a construir protótipos, seguir projetos e interagir com os clientes. Também tive a sorte de trabalhar com Sergio Pininfarina, um excelente patrão e uma pessoa absolutamente correta, capaz de valorizar a responsabilidade e a confiança de quem trabalhava com ele, respeitando sempre os princípios éticos fundamentais.
Nos 32 anos em que Ramaciotti trabalhou na Pininfarina, dos quais, 17 como diretor geral responsável pelo design da empresa, projetou carros para grupos internacionais como japoneses e coreanos, além das famosas marcas italianas como Ferrari e Maserati.
Em 2005, Ramaciotti decidiu se aposentar para se dedicar à vida privada.
— Eu sempre pensei que não é preciso morrer na mesa do escritório. Acho que o ser humano não nasceu para trabalhar e sim para fazer também outras coisas. Sempre trabalhei com grande empenho, mas acredito que é fundamental cultivar uma vida privada. Quando achei que era o momento certo, pedi a minha aposentadoria.
Mas o sossego durou pouco. Em 2007, Sergio Marchionne, administrador delegado da Fiat Group, lhe propôs a chefia de design do Centro Estilo Fiat, supervisionando todos os estilos das marcas que fazem parte do grupo — como Alfa Romeo, Maserati, Chrysler, Jeep, Dodge, Lancia, Autobianchi, Innocenti, Abarth, OM, Iveco, CNH, New Holland, Flexy-Coils, FIAT-Hitachi, Case e FIAT-Allis.
Só ficou de fora a Ferrari que, por tradição, tem seu próprio estilista. Entre os seus trabalhos mais conhecidos, estão o Maserati GranTurismo, o Alfa Romeo Giulietta, o Alfa Romeo 4C Concept e o Maserati Kubang.
— Aceitei o desafio, pois, após tanto tempo na Pininfarina, o meu trabalho já era uma rotina. Antes, trabalhava como consulente para vários clientes, com uma variedade de projetos. Na Fiat, tenho a oportunidade de ter um outro tipo de experiência. Agora, meu trabalho é como um construtor. Acompanho o processo desde o primeiro conceito até a comercialização do veículo. Além disso, trata-se da primeira vez que todas as marcas italianas, exceto a Ferrari, estão unidas em torno de um único grupo responsável.
O estilo italiano, entre a paixão e a fantasia
Uma das grandes virtudes dos estilistas italianos é a capacidade de emocionar, com criatividade, fantasia e paixão. Poucos sabem que os designers italianos, a partir dos anos 1950, desenham carros para o mundo inteiro. Pininfarina desenhava carros para a França, a Inglaterra, a Alemanha. Toda uma geração de carros europeus foi desenhada por italianos. Quando os países da Europa começaram a projetar os próprios carros, os italianos começaram a fazer o design para as nações da Ásia, como o Japão. Em seguida, para a Coréia do Sul. Agora, para a China.
— A linguagem italiana acabou se tornando universal, como um esperanto. Poucos reconhecem, porém os italianos influenciaram a base dos projetos de muitos carros no mundo — disse Ramaciotti.
Segundo ele, o estilo italiano é marcado pela sobriedade e pela elegância das proporções. É importante marcar uma época, mas a também a durabilidade, ou seja, a forma do carro não deve cansar depois de pouco tempo no mercado.
— Nós, italianos, transmitimos paixão nos carros, talvez com um desenho mais romântico. Acho que cada país tem uma própria característica no estilo dos carros: os franceses são bizarros, os alemães são lógicos. Uma Maserati ou uma Ferrari possuem a capacidade de emocionar. Até o novo 500 transmite paixão. Quem compra o 500 é porque gosta e não pela necessidade de se ter um carro, pois, neste caso, compraria um automóvel maior, tipo um Panda, que custa menos. Os carros italianos tocam no coração.
O trabalho de um designer de macchine, obviamente, requer um estudo técnico, mas as qualidades artísticas são fundamentais. Na arte é necessária inspiração. Para Ramaciotti, a inspiração vem espontaneamente, passeando pelas ruas e lendo jornais, enfim, em uma normal atividade diária.
— Quando tenho uma folha branca nas mãos, começo a desenhar, sem uma fonte única de inspiração. Nos anos 70, alguns se inspiravam em conchas, outros na arquitetura. Existe também a corrente do biodesign que se inspira nas formas da natureza, como as pedras esculpidas pelo tempo — cita.
O mundo cresceu, a humanidade se multiplicou e os carros também. Sobre o mercado atual de automóveis, há variedade para todos os gostos, ressalta.
— Hoje a tendência é que não há tendência. O mundo de designer de carros é tão variado e fragmentado que tem lugar para tudo. Quem prefere um carro nostálgico o encontra, quem opta por um veículo racional também acha, e assim por diante.
Para cada país, um tipo de carro preferido
No mercado globalizado, existe um global car? Segundo Ramaciotti, a resposta é sim e não.
— Os mercados têm necessidades diferentes. Alguns veículos são transversais em todos os mercados, como o Berlina Premium, que se pode vender no mundo inteiro. No entanto, o Golf, que é o carro mais vendido na Europa, tem um tipo de carroceria de dois volumes que não faz sucesso nos Estados Unidos, nem na China. Os mercados americano e asiático preferem os clássicos veículos de três volumes, com capô, habitáculo e bagageiro que quase não existem na Europa. Portanto, é preciso ter abertura global e se adaptar aos gostos locais.
Ramaciotti cita outro fato importante no mercado dos Estados Unidos: a preferência pelas caminhonetes pick-ups. Lá, foi inventada a Station Wagon, que predominou nos anos 1950, 1960 e 1970, e acabou chegando ao mercado europeu. Com o tempo, o modelo foi substituído pelo SUV, um carro que inspira o esporte ao ar livre.
— Os SUV acabaram chegando também na Europa, mas em outras dimensões. Nos Estados Unidos, eles são enormes e chegam a 5 metros de comprimento. Se considerarmos as cidades europeias, com um veículo assim tão grande é difícil se mover pelas ruas.
Recentemente, com a ajuda do governo norte-americano, a Fiat uniu-se ao grupo Chrysler, compartilhando tecnologia com as marcas daquele grupo — Chrysler, Ram, Dodge e Jeep.
O mercado automobilístico é o reflexo de cada sociedade, da cultura e da arquitetura. No entanto, existe uma tendência geral a diminuir os carros.
— Há uma preferência ao down size. Nem sempre o tamanho diminui, mas principalmente o peso e as cilindradas do motor. Considere que as exigências de conforto aumentaram e tudo deve caber dentro do conteúdo de um carro. Quando se lança um veículo de nova geração, espera-se que este seja mais performático, mais seguro e que consuma menos combustível. É necessário um grande esforço para projetar este tipo de carro — analisa.
Já a China é como uma esponja que absorve diversos tipos de carro. O mercado chinês é tão grande que desperta a gula das indústrias automobilísticas do mundo inteiro.
— Eu me lembro que, antigamente, quando o país começava a se motorizar, normalmente se exportavam veículos que já não tinham muito sucesso no mercado europeu. Hoje, os chineses sabem exatamente quais são os carros de sucesso no mundo e querem os mesmos modelos.
Segundo Ramaciotti, o Oriente Médio apresenta um mercado particular, com grandes diferenças entre classes sociais, e alguns países ainda sofrem conflitos e guerras civis.
— Fazendo uma panorâmica mundial, a África representa um ponto de interrogação. As próximas gerações vão pensar na resposta.
Enquanto isso, na Europa, berço do automóvel, 40% dos carros vendidos são modelos compactos. A crise econômica mudou a preferência da população por certos tipos de veículos mais versáteis e que custam menos.
O Centro Estilo da Fiat no Brasil e em Turim
A Fiat possui fábricas em países como Brasil, Turquia, China, Polônia, Argentina, África do Sul, México e Índia, onde produz modelos adaptados aos mercados locais e às vezes voltados à exportação, a exemplo da linha Palio.
A empresa vê o Brasil com orgulho. Instalada desde 1973 em Betim, próxima a Belo Horizonte, atualmente lidera a produção e as vendas no mercado do país, tornando-se a maior produtora de veículos do grupo no mundo. Eles conseguiram superar a alemã Volkswagem, que, durante muitos anos, liderou o mercado brasileiro. No final de 2010, a Fiat anunciou que terá, além da montadora em Betim, uma fábrica no complexo de Suape, no estado do Pernambuco, com capacidade para montar mais de 200 mil carros por ano. Assim, a Fiat brasileira poderá produzir cerca de 1 milhão e 200 mil carros por ano.
O Centro Estilo Fiat do Brasil projeta modelos feitos especificamente para o mercado brasileiro, como o Novo Uno, o Palio e o Siena.
— O Novo Uno e o Panda são irmãos. O desenho deles é quase como dois gêmeos, com medidas diferentes e características diversas. É como se tivéssemos feito o mesmo objeto para dois tipos de mercado: o modelo europeu é menor e mais refinado, enquanto o brasileiro é mais prático e robusto, adaptado a exigências locais. É como se tivéssemos aproveitado a mesma semente para duas frutas diversas – explicou Ramaciotti.
Nos escritórios do centro, Antonio Piovano é um dos diretores que mais conhece o mundo do design da empresa automobilística, seja na Itália, seja no mundo. Ele trabalha há 39 anos no planejamento dos carros. Neste período, já trabalhou com diversos países, inclusive no Brasil.
— As diferenças entre os mercados italiano e brasileiro começam pelo território. O Brasil tem grandes avenidas e estradas, às vezes com buracos. Portanto, os veículos devem ser mais altos em relação ao solo. No país, foi lançada a versão adventures, que se adapta a diversas situações. Esta foi uma solução vencedora no mercado. Na Europa não existem carros assim, pois não há mercado para isso.
Após mais de três décadas na Pininfarina, o engenheiro Ramaciotti vai completar cinco anos na Fiat. O seu escritório é luminoso, moderno, elegante e decorado com desenhos e modelos de carro como objetos de arte. Ele aproveitou para contar como se trabalha nos escritórios de design de Turim.
— Aqui, as pessoas são muito preparadas profissionalmente, apaixonadas pelo que fazem e com grande apego pela empresa. Trabalhamos em clima de grande harmonia. Considere que o mundo dos designers é muito competitivo, pois cada um desenha o seu carro e pretende realizá-lo. A diferença da Fiat é que, além da competência, existe uma grande vontade coletiva de participar do projeto. Acompanhamos tudo, não só o desenho, como nos preocupamos com a resposta do mercado para cada veículo que projetamos. Este espírito de união é muito interessante.