{mosimage}Qualificados, jovens italianos fazem história ao repetirem o percurso dos imigrantes do século XIX e embarcarem para o Brasil em busca de melhores oportunidades profissionais
Com a crise econômica na Itália e os índices assustadores de desemprego entre os jovens, um novo fenômeno ocorre no país: a emigração de pessoas com menos de 40 anos em busca de oportunidades melhores no exterior. Segundo o Instituto Italiano de Estatísticas (Istat), entre 2000 e 2010, mais de 316 mil cidadãos nessa faixa etária deixaram a Itália para viver em outros países. Apenas em 2009, este número chegou a 80 mil expatriados, 20% a mais em relação a 2008. As capitais do Norte europeu ainda são o destino preferido destes emigrantes, os quais, em maior parte, possuem ao menos um diploma de ensino superior. Porém, novos destinos emergentes chamam a atenção — e o principal deles é o Brasil.
Os trabalhadores vindos de outros países ajudaram a constituir as bases da economia brasileira. Em sua maioria, eram camponeses ou artesãos que fugiram da pobreza, da guerra e da falta de horizonte nos locais de origem. Os primeiros chegaram no século XIX. O Império distribuiu cidadania e terras, principalmente a alemães e italianos, para povoar a região Sul, sempre ameaçada pelas invasões dos vizinhos hispânicos. Da segunda metade do século XIX à primeira metade do XX, o Brasil abriu os portos para imigrantes do mundo inteiro que estivessem dispostos a substituir o trabalho braçal dos escravos alforriados na lavoura do café, ou que estivessem aptos a exercerem a função de operários na nascente indústria local. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, vieram para o Brasil, nesse período, cerca de 5 milhões de estrangeiros. Hoje, a maioria dos novos imigrantes é requisitada por terem uma formação mais sofisticada e poderem contribuir para ajudar o país a ingressar em um novo ciclo de desenvolvimento.
As relações históricas entre os dois países facilitam o processo de adaptação dos imigrantes, mas o fato de o Brasil ser uma das “economias da vez” entre as cinco maiores do mundo atrai ainda mais estes jovens em busca de um futuro melhor. De acordo com dados do Ministério do Trabalho e Emprego, o país já abriga a quinta maior comunidade de italianos expatriados, com 300 mil pessoas, atrás de Argentina, Alemanha, Suíça e França. Entre as principais vantagens que essas pessoas veem nas cidades brasileiras, estão os salários altos, as posições de responsabilidade profissional mesmo com pouca idade, seleções transparentes e perspectivas de carreira claras e definidas. Segundo pesquisas realizadas em 2012 pelo Instituto Italiano de Estudos Políticos e Sociais (Eurispes), quase 60% dos italianos entre 18 e 24 anos declaram-se dispostos a empreender um projeto de vida no exterior. Por outro lado, os mais inseguros sobre as oportunidades oferecidas na Itália são aqueles entre 25 e 34 anos. A desconfiança aumenta quando o grau de instrução é mais elevado.
Expatriados encontram dificuldade para obter vistos e altos impostos
As dificuldades para conseguir um visto de trabalho estão entre as principais reclamações de empregados transferidos e dos jovens que fazem intercâmbio em universidades brasileiras e querem ficar para trabalhar. Para obtenção do visto de trabalho é preciso que a solicitação seja feita pela empresa interessada, e não pelo profissional. A firma precisa ainda explicar por que está utilizando uma mão de obra de fora em detrimento da nacional. Outra exigência para o visto de trabalho é um contrato mínimo de dois anos, o que muitas vezes desanima as empresas e dificulta a vida de profissionais autônomos.
Com a nova política de imigração brasileira, o trabalhador que renova o contrato de dois anos pode requerer imediatamente o visto permanente no Ministério da Justiça e permanecer no país sem quaisquer restrições. A alteração é uma adequação à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Para fazer o pedido do visto permanente, o estrangeiro deverá entrar com requerimento 30 dias antes do vencimento do visto temporário. A lista com os documentos necessários pode ser acessada no portal do Ministério da Justiça. A Coordenação Geral de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego estima que, nos seis primeiros meses deste ano, 32.913 profissionais, entre temporários e permanentes, obtiveram permissão para trabalhar no Brasil.Apesar dessas regras, trazer executivos, engenheiros e técnicos estrangeiros para trabalhar no Brasil ficou mais barato para multinacionais e empresas brasileiras a partir de uma decisão do TST (Tribunal Superior do Trabalho), que, em março deste ano, considerou que as empresas não precisam mais recolher Imposto de Renda nem FGTS dos benefícios oferecidos a executivos expatriados relacionados à moradia — como pagamento de aluguel, condomínio e outras despesas de manutenção da casa. A Justiça do Trabalho entendia, até então, como salário o conjunto de benefícios recebidos pelos funcionários, o que implicava o recolhimento de impostos sobre todo o valor desembolsado. Os gastos com moradia representavam até 30% dos custos com um executivo expatriado no Brasil, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Desse valor, eram recolhidos, antes da decisão do TST, 27,5% de Imposto de Renda e mais 8% de FGTS.
Os italianos que decidem viver no Brasil encontram essas dificuldades burocráticas em relação a vistos de trabalho, mas em contrapartida, o reconhecimento e o retorno financeiro acabam sendo melhores. Um exemplo disso é Giulio Palmitessa, de 34 anos, coordenador do Centro de Design da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em Porto Alegre, que encontrou estabilidade profissional. Formado pelo Instituto Politécnico de Milão em design industrial, Giulio sempre foi sonhador e teve interesse por línguas e culturas diferentes. Com 27 anos, decidiu deixar a Itália para trás por falta de oportunidades.
— Tomei minha decisão quando recebi a primeira oferta de emprego após ter finalizado meu mestrado, com experiências na França, na Espanha e no Brasil. Coordenei projetos de pesquisa aplicada. Então, me chamaram para trabalhar em um call center multilíngue na China devido ao meu conhecimento em quatro línguas — recorda.
Giulio lembra que a emigração na Itália sempre aconteceu, desde o século XIX, mas reitera que, se antes o motivo era a fome, hoje, é a falta de oportunidades. Giulio defende que para uma pessoa com 27 anos, cheia de energia e com vontade de construir algo para si mesmo e para sua vida, a Itália não oferecia oportunidades, o que explica a sua decisão de partir para a China para um estágio, economicamente mais vantajoso e com possibilidades de aprendizado e crescimento profissional.
Da China para o Brasil com vontade de crescer
Após a experiência na China, Giulio partiu para o Brasil com o objetivo de trabalhar no centro de pesquisa em design de uma fábrica de móveis no coração da colônia italiana, no interior do Rio Grande do Sul.
— A primeira cidade que me hospedou aqui no Brasil foi Garibaldi, onde eu me sinto realmente em casa. Se eu pudesse, teria uma casa na colônia italiana, com galinha caipira, vaca leiteira e uma conexão de internet rápida. Eu percebi que precisava de uma cultura latina, por isso me candidatei a ser professor na universidade de Porto Alegre, e eles acreditaram em mim — conta.
Um dos idealizadores da primeira grande mostra de design italiano no Brasil que ocorreu recentemente na região, ele define Porto Alegre como uma “cidade bonita, arborizada, com parques maravilhosos, oferta de cultura e pessoas bem preparadas”.
— Esta exposição trouxe cultura e pessoas qualificadas da Itália. Como curador, já estou pensando em novos projetos — explica o professor, que hoje vê a Itália “como um ótimo destino de férias”.
Após seis anos entre idas e vindas e quatro estabelecido como professor contratado e coordenador do curso de uma das maiores universidades do sul do Brasil, Giulio nunca conseguiu obter um visto de trabalho permanente no país. Foi somente após o casamento com a atual esposa brasileira e longos trâmites burocráticos que ele conseguiu, em fevereiro, semanas antes do início do semestre letivo, o visto permanente de residente.
— Em 2010, em meio ao processo, eu e minha namorada achamos a situação um absurdo: duas pessoas, entre Brasil e Itália, qualificadas e reconhecidas, com formação e com trabalho fixo, precisavam se casar para conseguir um visto de trabalho — desabafa.
Giulio também reclama de outro aspecto: a falta de estruturas oficiais do governo italiano que auxiliem os cidadãos aqui no Brasil.
— Os italianos que vivem aqui acabam, infelizmente, esquecendo a Itália, pois acabamos esquecidos pelo nosso país, tanto que muitos nunca voltam — afirma o professor.
A história de Eugenia Polidori, 34 anos, natural de Ancona e residente em Porto Alegre desde 2005, é similar à trajetória de Giulio. Ela chegou ao Brasil com um visto de dois anos como pesquisadora devido a um estágio na Câmara de Comércio Italiana do Rio Grande do Sul e encontrou muitas dificuldades para renová-lo. Somente em 2008, após se casar com um brasileiro, ela obteve finalmente o visto permanente.
— É muito difícil obter um visto de trabalho aqui no Brasil, pois os trâmites burocráticos exigidos dos empregadores são muito complexos — explica.
Outro fator negativo no Brasil apontado por Eugenia é a violência, embora ela afirme que isso seja suplantado pela proximidade cultural entre italianos e brasileiros. Eugenia também destaca o fato dos italianos se adaptarem facilmente devido à hospitalidade do povo brasileiro e ao “respeito profundo que desde sempre uniu Itália e Brasil”.
— Apesar dos problemas com vistos e de ter de aprender a lidar com a violência que, infelizmente, ainda está a níveis elevados em comparação a países europeus, o Brasil ainda é um ótimo país, que oferece excelentes oportunidades para os jovens bem preparados vindos da Europa ou dos Estados Unidos por ser uma economia em crescimento, que ainda requer mão de obra especializada — salienta.
A pesquisadora conta que se apaixonou pelo Brasil quando esteve no país pela primeira vez em 2003, em uma experiência de voluntariado em uma escola no interior de São Paulo.
Naquele período, viveu com uma família brasileira durante um ano. Depois voltou para a Europa para cursar uma especialização em Bruxelas. A partir daí, contatou todas as câmaras de comércio italianas com sede no Brasil e logo surgiu a oportunidade de um estágio na capital gaúcha.
— No início, eu não gostava muito da cidade, pois não é uma cidade que corresponde à imagem do Brasil que temos na Europa, com sol, calor, gente alegre e hospitaleira. Mas, aos poucos, me adaptei muito bem. Hoje, após conhecer outras grandes cidades brasileiras, acredito que Porto Alegre seja uma das melhores para se viver. É de múltiplas faces: o clima úmido lembra muito as cidades do Vêneto; o céu azul e a luminosidade fazem pensar na Sicília. Já o tráfego é igual a qualquer grande cidade italiana como Roma ou Milão! Mas as cidades italianas não possuem tantos parques e árvores como Porto Alegre — enfatiza Eugenia, casada e mãe de um pequeno ítalo-brasileiro de 1 ano e 5 meses.
A assistente administrativa no consulado italiana também destaca que a grande quantidade de descendentes de italianos e europeus na capital gaúcha diminui o assédio aos turistas, como ocorre em outras capitais brasileiras, além de permitir uma boa oferta de produtos alimentares italianos a preços não excessivamente altos.
— Assim diminui a nostalgia da Itália, pelo menos a nível gastronômico! — acrescenta Eugenia.
De estagiária a presidente
A história de Danila Baravalle se parece com outras da reportagem. Com 29 anos, chegou à capital gaúcha para um estágio de nove meses em uma organização não-governamental. Acabou ficando, casou-se com um gaúcho e hoje, sete anos depois, é a presidente da entidade, a Associação Brasileira de Intercâmbio Cultural (Abic). Natural de Fossano, pequena cidade próxima a Turim que faz fronteira com a França, Danila é formada em Pedagogia, e sempre gostou de viajar, de conhecer novas culturas e mudar de rotina. Por isso, quando chegou à cidade, depois de ter vivido na Espanha e acumulado uma experiência com organização de voluntariado e intercâmbios por toda a Europa, o “choque cultural foi zero”. Ela afirma que gostou imediatamente do povo e da cidade. Danila reconhece que a situação atual em seu país natal não concede muitas perspectivas de futuro para seus amigos que lá ficaram.
— A crise está fazendo as pessoas refletirem. Na minha região, Piemonte, há muito desânimo em relação ao futuro. E isso reflete as diferenças entre Itália e Brasil. No país tupiniquim, se você é capaz, inteligente e tem vontade de abrir um negócio próprio ou avançar na sua carreira, pode melhorar e ganhar bem. Na Itália, mesmo que você seja o melhor, o seu salário será sempre aquele e a possibilidade de abrir um negócio, infelizmente, é complicada neste momento. Meus amigos ganham um salário ínfimo na Itália, entre 1200 e 1500 euros por mês, consequência da crise — conclui Danila.