Comunità conversou com os técnicos italianos à frente das equipes olímpicas brasileiras de esgrima, tiro com arco, tiro esportivo e canoagem slalom. Todos pedem mais investimento no esporte no país
O Brasil nunca foi potência olímpica, mas pelo menos está procurando não fazer feio em 2016. As confederações importam técnicos estrangeiros para desenvolver esportes nos quais o país que vai organizar os Jogos tem pouca tradição. Quatro deles são italianos: Pier Luigi Chicca, da esgrima; Renzo Ruele, do tiro com arco; Carlo Danna, do tiro esportivo; e Ettore Ivaldi, da canoagem slalom.
Esporte nobre na Itália, a Confederação Brasileira de Esgrima tem na coordenação técnica Pier Luigi Chicca. Aos 77 anos, o especialista em sabre quando era esgrimista possui três medalhas olímpicas, sempre por equipe, como atleta: bronze em Roma, em 1960; prata em Tóquio, em 1964; e prata no México, em 1968. Ele há muito tempo tem ligações com o Brasil:
— Colaboro com os brasileiros desde os anos 1995, quando era técnico da seleção italiana. Recebi diversos atletas brasileiros para treinar no clube de esgrima em Roma. Em 2001, vim para Porto Alegre, onde continuei a treiná-los. Ia e voltava porque os meus filhos e netos viviam em Roma. Como viúvo, podia me distanciar por longos períodos — conta o técnico, que há um ano e meio treina toda a seleção brasileira.
O visto, porém, tornou-se um problema incômodo para ficar no Brasil:
— Com o visto de turista, ficava 90 dias e depois tinha de ir embora. Por isso, estou tentando obter um visto mais longo. Apesar desse vaivém, tenho atletas que viajam à Itália para treinar, motivo pelo qual posso acompanhá-los. Sou o headcoach, portanto me ocupo de todas as três especialidades da esgrima: florete, espada e sabre. Além de dar lições a atletas individualmente, coordeno com a confederação os vários mestres do setor e os próprios esgrimistas.
As diferenças entre Itália e Brasil são marcantes, analisa Chicca:
— No Brasil, há cerca de mil esgrimistas efetivos; na Itália, 30 mil. A diferença é substancial. Na quantidade é mais fácil achar a qualidade. Faltam números à esgrima brasileira. Em primeiro lugar, faltam os mestres para ensinar esse esporte tão técnico para o qual são necessárias tantas horas de preparação. Também faltam instalações. O material é todo importado, portanto o custo é elevado. Tudo isso influencia a quantidade de participantes — analisa.
Medalhas brasileiras na próxima Olimpíada serão difíceis, adianta:
— São possibilidades muito remotas, mas pode-se obter algum bom resultado. Os atletas com mais chances são Renzo Agresta, no sabre, e Ghislain Perrier, no florete. Quem sabe pode aparecer algum outro nome.
Tiro com arco tem 400 praticantes no Brasil e 30 mil na Itália
Renzo Ruele voltou ao comando da seleção brasileira de tiro com arco este ano, outro esporte tradicional no Belpaese. Italiano de Rovereto, na província de Trento, aos 56 anos, ele também se divide entre os dois países e outros cantos do mundo. Já havia comandado o Brasil na Olimpíada de 2008, quando o país conseguiu classificar o arqueiro Luiz Gustavo Trainini. Depois de Barcelona, em 1992, os brasileiros não haviam conseguido colocar um atleta da modalidade nas três Olimpíadas seguintes. Mas as coisas melhoraram, segundo Ruele, estabelecido em Campinas:
— O tiro com arco tem se desenvolvido no Brasil nos últimos tempos. Mas há ainda poucos praticantes, cerca de 400, para um país de 200 milhões de habitantes. Na Itália, que tem população de 60 milhões, são 30 mil praticantes. É difícil ganhar medalhas assim. Mas temos atletas bons, como o Marcus D’Almeida, que podem subir ao pódio. Seria importante que os esportes, e não só o tiro com arco, fossem mais praticados nas escolas no Brasil.
Ele esteve recentemente na Coreia do Sul com um grupo de atletas brasileiros:
— Foram seis arqueiros no total, três homens e três mulheres, para um intercâmbio cultural-esportivo. É importante conhecer o sistema coreano. A Coreia está na vanguarda do tiro com arco em todo o mundo.
Fama de esporte perigoso atrapalha o desenvolvimento do tiro esportivo
Carlo Danna, de 70 anos, de Viterbo, no Lácio, é especialista em tiro esportivo, mais precisamente em tiro ao prato. Uma modalidade que, segundo o técnico baseado no Rio, ainda tem muito a ser desenvolvida no país.
— Em 1998, vi que o país não conhecia as coisas. O tiro era feito de modo amador. Queriam ser campeões sem o mínimo. Propus, então, mudar essa mentalidade. Eu era livre para decidir. Na condição de separado, fui ficando no Brasil de maneira mais estável a partir de 2000. Encontrei minha mulher, Maria, que sempre me deu apoio. Em 2005, já dava cursos de tiro na Confederação Brasileira, que acabou por me contratar — relata.
Obter resultados no Rio será difícil por diversos motivos, entre eles, a falta de recursos.
— Para a Olimpíada de 2016, fiz só dez por cento do que eu queria. Falta dinheiro. O Centro Nacional de Tiro, em Deodoro, no Rio, está uma vergonha. Foi utilizado para o Pan-Americano de 2007 e ainda não foi reformado. Os atletas se reúnem uma vez por mês em Curitiba, além de treinarem individualmente nas cidades onde moram. Uma medalha em 2016 é difícil, mas não impossível. Temos destaques na fossa olímpica, como Rodrigo Bastos e Roberto Smith. Entre as mulheres, tem a Janice Teixeira, uma promessa como Ludmila Melo, além da Daniela Carraro, no skeet — diz.
Problemas políticos, conflitos entre dirigentes na confederação, dificuldades na preparação dos atletas. Tudo isso prejudica o tiro esportivo no Brasil, revela Danna. Os menores de 25 anos precisam de autorização judicial para praticar o tiro esportivo.
— Se, com 16 anos, o jovem já pode votar, com 18 tira a carteira de motorista, pega um carro e causa acidentes, por que há tanta burocracia para praticar o tiro esportivo? Não é um esporte que torna as pessoas violentas, muito pelo contrário. É preciso ter controle das emoções. Não há casos de praticantes do tiro que se tenham tornado assassinos ou criminosos — argumenta o técnico.
Danna lembrou até o caso de Vincent Hancock, bicampeão olímpico de skeet em Pequim e Londres pelos Estados Unidos. Ele tinha 19 anos quando ganhou o primeiro ouro olímpico:
— No Brasil, é até difícil encontrar menores de 30 anos praticando o tiro. Na Itália, há bem mais. Só a Federação Italiana de Tiro ao Prato tem cerca de 40 mil filiados. Aqui, acredito que sejam uns 1.800 na especialidade. É um esporte que pode ser praticado em várias idades, tanto aos 20 como aos 50 anos.
A falta de dinheiro é apontada como outro grave problema:
— Não vou culpar ninguém em especial. É o sistema que não funciona. Recebemos dinheiro insuficiente de patrocinadores. Os atletas ganham em torno de mil reais para cartuchos e material como pratos. Esse dinheiro acaba em uma semana de treinamento. Essa história de que tiro é um esporte perigoso e violento também prejudica.
Canoagem slalom: otimismo com a nova geração brasileira
Das quedas de Foz do Iguaçu, no canal Itaipu, que faz parte do complexo da hidrelétrica, Ettore Ivaldi comanda a equipe de canoagem slalom brasileira. Ele nasceu em Verona há 52 anos. Além da equipe italiana, foi técnico na Espanha e na Irlanda.
— Tenho um projeto com os jovens. Eles demonstram muito potencial. Fazem parte de uma geração disciplinada, efervescente. Gostam de festa (risos), só precisamos controlá-los um pouco. Bravi ragazzi. Trabalho com uma equipe de 26 canoístas, dos quais quatro são mulheres — conta, orgulhoso.
Esse esporte também é um dos que o Brasil, onde Ivaldi trabalha desde 2011, precisa demonstrar também paciência:
— Ainda há pouca tradição para ganhar medalhas olímpicas, mas em cinco anos podem aparecer jovens de sucesso. Nosso objetivo é nos classificarmos para a final — comenta.
A canoagem slalom brasileira tem promessas. Ivaldi lembrou-se de Ana Sátila, hoje com 18 anos. Em Londres, ela disputou sua primeira Olimpíada, com apenas 16 anos, e ficou em 16º lugar. Em abril de 2014, Ana foi campeã mundial júnior de caiaque para uma pessoa, na Austrália.
Ettore vai com frequência à Itália. A esposa Marina mora em Verona e trabalha como professora numa escola com crianças que têm necessidades especiais. Os filhos seguiram o mesmo esporte do pai e rodam o mundo competindo:
— Raffaele, o caçula, foi campeão júnior europeu. Zeno, meu outro filho, ganhou o Mundial sub-23 — comenta, revelando que o esporte já virou tradição em família.