Na era da internet, associações italianas enfrentam desafios de renovação e manutenção financeira e se perguntam como atrair os jovens oriundos e os novos imigrantes no Brasil às suas atividades
Quando Comunità começou a ser publicada, há exatos 22 anos, a realidade do associacionismo italiano no Brasil era bem diferente da atual. Havia instituições bastante ativas no estado do Rio de Janeiro, onde os cidadãos contavam com o Hospital Italiano, situado no bairro Grajaú, na zona norte da capital fluminense. Em 1995, o então diretor Gianbattista De Giuseppe afirrmou, em uma entrevista publicada, que reformas possibilitariam aumentar o número de atendimentos. “Reformamos todo o hospital e compramos duas casas aqui ao lado para construir o segundo bloco. Com mais 50 apartamentos, dobraremos o fluxo de internações e intervenções cirúrgicas de doentes dos outros convênios e, assim, alcançaremos a completa tranquilidade”, afirmou na época De Giuseppe, que ocupava o cargo de presidente da Sociedade Italiana de Beneficência e Mútuo Socorro.
Hoje, a realidade é outra: o ex-presidente do Comites, Franco Perrotta, afirma que a estrutura não tem mais ligação com a coletividade.
— O Hospital hoje só atende no particular; é uma entidade privada como tantas outras. De italiano, só tem o nome. Há cerca de seis anos não tem mais nenhuma ligação com a coletividade — afirmou Perrotta à Comunità.
Em outros estados, a realidade não é muito diferente.
— Nos últimos anos, muitas associações ficaram inativas. Em São Paulo, um levantamento recente identificou 192 associações. Porém, regulares mesmo, eram menos de 40. Um dos parâmetros é que deve ter pelo menos 35 membros nascidos na Itália, e muitas não conseguiram cumprir essa exigência — explica a coordenadora do ACLI e ex-presidente do Comites SP, Rita Blasioli.
A ausência dos jovens é um dos fatores que mais colaboram para que as entidades definhem, ressalta a abruzzese radicada na capital paulista.
— Em todos esses anos, não houve a capacidade de fazer uma troca de gerações. As entidades promoveram atividades muito limitadas, sem atrair os jovens. Hoje, é como se estivessem morrendo de morte natural. Antes, organizaram cursos profissionalizantes, de intercâmbio. À medida que o governo italiano foi reduzindo os investimentos, os patrocínios, isso foi reduzido — lembra. Um dos programas de assistência no estado é realizado pelo patronato, que recebe uma verba reduzida do governo italiano e assiste cerca de 700 famílias, explicia Rita.
A recém-eleita presidente do Comites gaúcho, Rosalina Zorzi, confirma que situação no sul do país não é diferente.
— A maioria está diminuindo, pois a crise mundial afetou as associações. Quem recebia uma verba mensal, está recebendo cada vez menos. Mas há sempre os abnegados e solidários, que fazem das tripas coração para mantê-las vivas — comenta.
Novos imigrantes não se sentem atraídos pelas associações tradicionais
O novo presidente do Comites do Rio e do Espírito Santo, estados onde vivem cerca de 40 mil italianos, Alessandro Barillà, explica que uma de suas primeiras ações é identificar o perfil do italiano que vive no Brasil atualmente.
— O momento que vivemos na comunidade italiana no Brasil é um pouco o espelho daquilo que acontece na Itália, que está muto mais atenta à despesa pública e diminuiu notavelmente o financiamento em geral ao exterior e, portanto, às associações. Mas a questão principal que temos como comunidade é resgastar o espírito itálico da comunidade localmente. A verdadeira pergunta que temos que nos fazer é: o que significa ser italiano hoje no Brasil? Eu gostaria que fosse resgatado esse orgulho de ser italiano, de unir e fazer sistema, do social, ao cultural e econômico. Procurar passar esse espírito para os jovens, àqueles de segunda ou terceira geração, e que não se sintam italianos somente quando olham o passaporte na gaveta, mas que possam realmente estudar o italiano, aprender nossa cultura e história, transformar-se em nossos aliados, embaixadores, partners em todos os setores — ressalta Barillà, que ocupa o cargo de CFO da Telespazio, além de ser o atual presidente do conselho da Câmara Ítalo-brasileira de Comércio e Indústria do Rio.
O perfil da imigração mudou? É inegável, reconhece Barillà. Depois dos descendentes diretos da primeira onda migratória, a segunda geração, há um novo perfil, que se registra nos últimos dez anos.
— Eles não vêm por uma necessidade, como os primeiros imigrantes, que vieram numa época em que na Itália não havia trabalho e não tinha mesmo como viver. São empresários e diretores de empresas que trazem experiência e capacidade ao Brasil, que olham o país como um território no qual eles podem mettere a frutto a própria capacidade. De qualquer forma, permanece a questão: entender o que significa sentir-se italiano no Brasil. Será que eles se limitam à busca de oportunidades, ou será que querem contribuir para que a comunidade italiana seja respeitada, seja uma referência?
Outra característica desses novos imigrantes está no seu modo de organização coletiva: dificilmente procuram associações tradicionais, como o Comites, e preferem fazer parte de círculos multiculturais e multiétnicos, onde há muitos estrangeiros, avalia Barillà.
Internet será usada como ferramenta para agregar os mais jovens
O uso da internet é frequente entre os novos imigrantes. Por isso, o representante dos italianos dediciu apostar nas ferramentas online para conhecê-los e agregá-los.
— As redes sociais têm um papel importante hoje e é preciso estimular esse papel de forma concreta e mostrar sua utilidade, na troca de informações, inclusive profissionais, onde as pessoas possam encontrar mercado para suas profissões, ou demonstrar seus talentos artísticos. Para isso, estamos desenvolvendo um portal que seja uma espécie de rede social da comunidade italiana no RJ e no ES, no qual cada um possa carregar seu perfil — revela.
Embora ainda esteja em fase de testes, já é possível carregar um perfil na página www.comitesrj.com.br.
Em relação à assistência à comunidade, que outrora contava com instituições como o Hospital Italiano do Grajaú, Barillà acredita que a solução está na máxima “a união faz a força”.
— Se reencontrássemos nossa força enquanto italianos, poderíamos fazer raciocínios em termos de assistência médica. Uma vez que temos uma massa de pessoas que interagem, torna-se mais fácil para o Comites negociar com um grande plano de saúde, uma grande companhia no Brasil, para criar um produto específico para a comunidade italiana, que possam ajudar sobretudo aqueles que mais precisam, que têm menos recursos e vão envelhecendo. É preciso que a comunidade se torne compacta, unida e forte, para que possamos negociar melhor com as entidades, contribuindo, talvez, um pouquinho cada um — afirma.
Perguntando sobre os setores mais interessantes para um italiano investir no Brasil atual, o economista formado pela Universidade de Palermo não tem dúvidas: aponta o turismo, ainda mais no ano das Olimpíadas.
— O modelo de negócios no estado do Rio estava muito concentrado no setor do petróleo. Agora, seja pelo preço mundial do barril, seja pelos acontecimentos na Petrobrás, está em crise e deve encontrar saídas. O turismo será um business no qual se deveria investir muito, explorando a desvalorização do real, que favorece a presença de turistas estrangeiros e dificulta a viagem do brasileiro ao exterior, fortalecendo mais ainda o turismo interno. O investimento no comércio ligado ao turismo está favorecido. Além disso, o Rio é a cidade das telecomunicações, sede de empresas como a TIM. As startups também estão recebendo incentivos — avalia Barillà, que, há 17 anos no Brasil, já viveu outras crises e se mantém otimista.
— Eu cheguei ao Brasil em 1999, ano em que o real sofreu desvalorização. Lembro aos italianos que as crises no Brasil nunca duram muito, em geral não mais de dois anos, à diferença da Europa e da própria Itália, que viveu um período de crescimento zero durante sete, oito anos. Espera-se que em 2017 o país já demonstre sinais de crescimento — conclui.
Abaixo-assinado pela cidadania
A comunidade italiana no Brasil, através do comitê promotor para a melhoria dos serviços consulares, está colhendo assinaturas na internet para solicitar a melhoria dos serviços de reconhecimento da cidadania. Os cidadãos requerem que a contribuição de 300 euros exigida em cada processo, introduzida em agosto 2014, “seja usada para melhorar os serviços consulares graças à admissão de pessoal com contrato local e digitadores e através da assinatura de convênios com entidades qualificadas capazes de apoiar a prestação dos serviços consulares”.
— O abaixo-assinado defende que a contribuição que se paga para viabilizar o processo de reconhecimento fique nos consulados, de modo a reunir mais recursos financeiros para que se façam mais investimentos e se contrate mais pessoal. Ouvimos muitas reclamações e existe uma insatisfação geral. Se existe uma lei que prevê o direito ao reconhecimento da cidadania, nós, como italianos, devemos fazer com que tenham rapidamente um retorno. Do contrário, é preciso mudar a lei — frisa o presidente do Comites RJ, Alessandro Barillà, informando que a petição já conseguiu reunir mais de duas mil assinaturas.
A petizione está disponível na página www.change.org/p/petizione-popolare-per-il-miglioramento-dei-servizi-consolari-peti%C3%A7%C3%A3o-popular-para-a-melhoria-dos-servi%C3%A7os-consulares