O furacão das mãos limpas volta a passar pela Itália. No início de maio, em Milão, mais de 200 homens da Receita Federal fizeram uma blitz que terminou com seis presos, no âmbito da investigação sobre os contratos da Expo 2015—um dos mais importantes eventos internacionais, que acontecerá em Milão a partir de maio, envolvendo 5 bilhões de euros em negócios. No decorrer das operações, foram presos o diretor geral da Infraestrutura da Lombardia, Antonio Rognoni, o diretor do planejamento de compras da Expo, Angelo Paris, e o ex-parlamentar de Força Itália, Luigi Grillo, além de dois velhos conhecidos da Operação Mão Limpas, conduzida pelo então juiz Antonio Di Pietro, que sacudiu a Itália nos anos 1990. São Primo Greganti, imediatamente expulso do PD, e Gianstefano Frigerio, expoente de Força Itália na Lombardia. As acusações incluem conspiração, suborno e conluios.
Há um mês, em Veneza, uma nova onda de prisões também atingiu políticos, seguidos de funcionários públicos, empresários e, por fim, policiais. A pesquisa, que deu os primeiros passos há três anos, trouxe à luz um suposto sistema de fundos negros, subornos e faturas falsas, que gira em torno dos contratos para a realização do Mose, uma obra colossal de 5 bilhões de euros, com a finalidade de proteger Veneza das inundações. No âmbito da investigação vêneta, foram indagadas mais de cem pessoas, enquanto 35 foram presas e apreendidos bens que ultrapassam 40 milhões de euros. Personagens de ponta caíram na rede dos investigadores, como o prefeito de Veneza, Giorgio Orsoni, eleito com o centro-direita, mas também o assessor regional, Renato Chisso, e o ex-presidente da Região do Vêneto, Giancarlo Galan, ambos de Força Itália.
No período de dois meses, viram-se maus feitos da parte tanto de expoentes de centro-esquerda quanto por figuras de centro-direita. Parece que se retorna aos anos 1990, quando choviam pedidos de prisão feitos pelo Tribunal de Milão. O reaparecimento de personagens como Primo Greganti e Gianstefano Frigerio parece reunir os fios com um pedaço de história italiana nunca entregue definitiva aos arquivos.
A Operação Mãos Limpas deu os primeiros passos em uma fase de grandes mudanças no cenário internacional: o final da Guerra Fria, a queda do Muro de Berlim e a “quebra de gelo” nas relações entre a União Soviética e os Estados Unidos. A Democracia Cristã, que havia ocupado ininterruptamente o poder na Itália por mais de 40 anos, hegemonizada por uma função anticomunista, devia ter consciência de que, mais cedo ou mais tarde, não seria mais indispensável para a segurança do país e muito menos para estabilidade do quadro internacional. Apesar das 1300 condenações e das centenas de processos, nunca se conseguiu fazer uma limpeza de fato. Aliás, muitos dos protagonistas daquele momento relançaram-se, nas décadas seguintes, por meio de novos partidos: é o caso de Frigerio, berlusconiano de ferro e atual colaborador do partido político Ppe em Bruxelas. Na Mãos Limpas, foi condenado a três anos e nove meses de prisão por corrupção em uma investigação sobre aterros na Lombardia e a dois anos e 11 meses por extorsão, corrupção, receptação e financiamento ilícito. Antes da execução das sentenças, ele abandonou a moribunda Democracia Cristã e passou para Força Itália. Como se nada tivesse acontecido, em 2001, foi eleito para o Parlamento, mas acabou preso no primeiro dia da legislatura.
Centro-esquerda também abalada por condenações de líderes
Do outro lado da barricada, a centro-esquerda não está melhor: Pino Greganti, mais conhecido como “O Companheiro G”, nos anos 1990, era o contador do Partido Comunista Italiano (Pci), que sucessivamente trocou de nome para Pds, Ds e Pd. Foi preso por corrupção com a acusação de ter recebido um suborno de 621 milhões de liras do grupo Ferruzzi. Greganti sempre se negou a colaborar com juízes e negou cada acusação, mas foi condenado a três anos e sete meses por financiamento ilícito ao seu partido. Sucessivamente, continua a gravitar nos ambientes de centro-esquerda. Quando, após tantos anos, termina novamente na rede dos juízes, tem no bolso a carteira do Pd.
As histórias de Frigerio e Greganti, ambientadas em Milão, são histórias emblemáticas e bipartidárias, de dois pequenos peixes, que, no fundo, não são assim tão pequenos. A divisão das responsabilidades, contudo, cumpre um salto qualitativo em Veneza, onde Galan, de um lado, e Orsoni, de outro, são dois grossos calibres dos respectivos lados: o primeiro é uma das figuras-chave das duas décadas de Berlusconi, que chegou a nomeá-lo Ministro da Cultura em seu quarto governo. O segundo é muito ligado ao velho estabelecimento do Pd. Uma linha de conduta que colide com aquela dos adeptos a Renzi, que tomaram distância do prefeito de Veneza, invocando o advento de “uma nova geração de políticos”. Ainda é cedo para estabelecer se estamos na vigília de uma nova estação das Mãos Limpas para anunciar uma reviravolta na história do país. O certo, porém, é que se abriu uma nova fase no cenário político italiano. Não é possível fazer mais do que apenas observar, por exemplo, como os vários componentes políticos que afundam as raízes no passado terminem nas margens.
De um lado, se assiste declínio do berlusconismo, com o líder de Força Itália condenado, inelegível e relegado aos serviços sociais e com seu partido diante de uma hemorragia inestancável de votos e confinado à oposição. De outra, está o Pd, em que se encontram os velhos coronéis, reciclados pelo novo ciclo marcado por Matteo Renzi, que projetou sobre o cenário político uma nova geração de quarentões. Os velhos hierarcas provenientes do Pci, como D’Alema, Fassino e Veltroni, exatamente como aqueles crescidos na Dc, a partir de Marini, Rutelli e Bindi, estão fora do poder. Certamente, seja na centro-direita, seja na centro-esquerda, permanecem desistências e confrontos. Muitos tentam manter-se fiéis e reciclar-se, mas o consenso maciço e quase unânime no qual Renzi investiu nos últimos meses poderia deslanchar em uma limpeza quase definitiva.
O sucesso eleitoral do Primeiro Ministro “sucateiro”, além disso, é um sinal que merece ser aprofundado: os poderes fortes do país, nos últimos anos, buscaram unir as peças apostando no passado, que tinha as caras dos ex-primeiros-ministros Silvio Berlusconi, Mario Monti, Pierluigi Bersani e Enrico Letta. Quatro figuras de primeiro plano, queimadas em um período de apenas quatro anos e pertencentes ao sistema bipartidário que predominou nos últimos 20 anos. O avanço da crise, a incapacidade de produzir resultados apreciáveis, a falta de cumprimento das reformas estruturais das quais a Itália necessita e a subida vertiginosa de uma força como o Movimento 5 Estrelas de Beppe Grillo, impuseram uma mudança radical. Renzi, para as elites econômicas e financeiras italianas, representa a última cartada para tentar recolocar em movimento o país. Fica evidente a analogia com os parênteses da década de 1990, caracterizada por uma queda da economia e pela abertura de crédito público: o velho sistema de consórcio, imóvel e generoso com todos os partidos, que via Dc, Psi e outras forças menores que o governo e o Pci na oposição, foi aniquilado pela intervenção da magistratura. Deste panorama, se aproveitou Silvio Berlusconi, que recebeu a incumbência de transformar o país, sem obter êxito. Assim como hoje, as condições históricas estão determinando uma mudança de cenário e já fazem saltar as redes de proteção, densas e viscosas, que mantiveram o sistema de pé até agora. Somente o tempo dirá se prevalecerão mais uma vez as resistências e os transformismos ou se serão afirmadas as pressões inovadoras.