Comunità Italiana

Restauração épica

{mosimage}Depois de uma longa e difícil restauração de 27 anos, uma das mais famosas obras do Renascimento volta ao seu resplendor original

Sabe-se que os tempos são bíblicos na Itália. Com as raras exceções da Ferrari — a de Fernando Alonso e não a de Felipe Massa — e do barco Luna Rossa, de Prada, a velocidade parece pertencer a uma outra dimensão, distante daquela italiana. A prova disso foram os 27 anos gastos com a restauração da Porta do Paraíso, de Lorenzo Ghiberti (1378-1455), chamada assim pelo artista Michelangelo. “Ela é tão bela que estaria muito bem no paraíso”, diria o gênio. Mais do que no paraíso, a porta abriu-se para o inferno da inundação de 1966. Depois de ter sido protegida dos ataques da Segundo Guerra Mundial e dos roubos e da pilhagem dos nazistas (a porta é de ouro e bronze) ao ser escondida em 1943,  ela acabaria mergulhada na lama e na destruição da épica cheia do rio Arco. Agora, depois de quase três décadas no purgatório científico dos pesquisadores do Opificio delle Pietre Dure, de Florença, volta ao seu resplendor original. Confirma, assim, nos dias de hoje, as razões pelas quais é considerada uma das obras-primas do Renascimento, que, desde setembro, voltou a ser admirada no interior do Museo dell’Opera Santa Maria del Fiore, dentro de uma caixa de vidro para evitar danos atmosféricos. A réplica de 1990 continua a abrir e a fechar a entrada do Battistero. A restauração foi financiada pelo Ministério italiano para os Bens e Atividades Culturais e contou com a contribuição da associação Friends of Florence.

O colosso tem 5,2 metros de altura por 3,1 de largura e uma espessura de 11 centímetros. Os danos fizeram com que se soltassem seis painéis, causados pela força da enxurrada e pela ação química dos combustíveis que se misturaram ao lamaçal. Duas antas da porta soltaram-se com o violento impacto da água. O resultado foi desastroso. O trabalho de restauração na época foi realizado e a porta voltou ao seu local original. Mas não demorou a apresentar problemas devido à ação de agentes atmosféricos. A poluição do ar já nos anos 1970 e a reação química do ouro e do bronze, sob o efeito da umidade, estavam condenando a obra a um fim precoce devido à formação de sal que corroía a áurea cobertura.
— A Porta do Paraíso é uma máquina complexa e perfeita, realizada com uma perícia sem precedência e nunca mais repetida — afirma a diretora da restauração Annamaria Giusti.
As enormes antas foram fundidas em bronze e transformadas numa única e impressionante peça. Alvéolos com poucos centímetros de profundidade foram predispostos no interior do molde para conter as 58 figuras em alto e baixo relevos, com diferentes episódios do Velho Testamento, que seriam encastradas, provavelmente, com a técnica do aquecimento para dilatar a matéria. Este enorme portal exigiu um grande trabalho de Lorenzo Ghiberti entre 1426 e 1452, a pedido da instituição Arte di Calimala. Nem de longe, o autor poderia imaginar que o trabalho completo de restauração duraria quase o mesmo tempo da execução da porta-escultura. No começo dos anos 1980, os dez painéis começaram a ser limpos com uma lavagem que faz uso de uma solução de sais de Rochelle. Para não desmontar as outras figuras, os técnicos pesquisaram uma inovadora e alternativa saída para resolver o problema. Enquanto isso, os restauradores se ocupavam de outras peças. Eles retomariam o trabalho apenas em 1996, ainda de forma lenta, devido ao método da lavagem. A resposta definitiva chegaria apenas em 2000, na virada do século. O Instituto de Física Aplicada do Conselho Nacional de Pesquisa de Florença realizou um equipamento capaz de disparar um raio a laser contra os depósitos de sal no ouro, aniquilando-os. Ao mesmo tempo, evitou-se a propagação do calor sobre o bronze durante este inédito sistema de “limpeza”. Assim, o polimento foi acelerado. As figuras em alto relevo, já restauradas, foram cobertas com sacos de polietileno, alimentados com azoto para evitar o contato com o ar e a umidade. Em 2015, ela deverá ser remanejada para uma sala do novo Museo Dell’Opera del Duomo de Florença, com 26x21x16: dimensões à altura da obra-prima.