O amor a Cristo foi tão radical que se identificou com ele. De forma misteriosa foi assinalado com os estigmas do Crucificado.
Essa embriaguês do amor faz parecer que as pessoas se tresloucaram. Efetivamente, Francisco se entende como um louco. Diante de todos os frades reunidos junto com o representante do Papa diz: “Deus voluit quod ego essem novellus pazzus in huius mundi”: “Deus quis que eu fosse um novo louco neste mundo”. Esta loucura não é patologia que pode ser curada. É um modo de ser da mais alta autenticidade, como forma alternativa de viver, portadora de um novo sentido e de novos valores que desbordam os limites daquilo que é, nos quadros do sistema imperante, sensato e normal. Essa loucura funda uma nova normalidade. A Igreja ortodoxa russa conhece um tipo de santos chamados “loucos de Deus”. São aqueles que como Francisco vivem para além dos cânones aprovados e que testemunham um total despojamento que possibilita uma total entrega. Santa Xênia na Rússia é considerada o protótipo dos “loucos de Deus” pois viveu uma vida à semelhança de São Francisco totalmente pobre e a serviço dos abandonados nas ruas.
O mesmo percurso conheceu Rûmî. Inebriado pela experiência amorosa conjuntamente com Shams de Tabriz, como narra seu filho e primeiro biógrafo Sultan Walad, “vivia delirando como um louco” e “enlouquecido de amor”. Num poema do Ruabai’yat diz:”hoje eu não estou ébrio, sou os milhares de ébrios da terra. Eu estou louco e amo os loucos, hoje”.
Como expressão desta loucura divina introduziu a sama, a dança extática, expressão do ser humano que busca Deus. Trata-se de dançar girando em torno de si e em torno de um eixo que representa o sol. Cada dervixe girante, assim são chamados os dançantes, se sente como um planeta girando ao redor do sol, atraído irresistivelmente por ele, até ele mesmo virar sol.
Bem notava o filósofo e matemático Ludwig Wittgenstein na proposição VI de seu Tractatus logico-philosophicus: ”O inexprimível se mostra, é o místico”. E termina na proposição VII com esta frase lapidar: ”Sobre o que não podemos falar, devemos calar”. É o que fazem os místicos. Guardam o nobre silêncio, ou então cantam com palavras que nos conduzem ao silêncio reverente.
Esta experiência radical uniu Rûmî e Francisco de Assis. Mesmo longe um do outro, estavam muito próximos pela experiência apaixonada do amor.