Preservar as origens, tradições familiares e diversidade de temperos é melhor que as invenções propostas em culinárias pirotécnicas de alguns chefes
Volto a um assunto que já abordei, mas continua polemizado em vários artigos de chefes de ótimas cozinhas: o conceito de boa comida.
Vi na última edição da excelente revista Wine Not? (capa da 8ª edição), do Ricardo Carmignani, querido amigo e feliz proprietário da Importadora WineBrands, uma entrevista onde o chefe Salvatore Loi defende a culinária simples, com o mínimo de interferência sobre sabor natural dos produtos e economia de temperos. Também não é adepto da comida de “espuminha”. Ou seja, procura uma cozinha mais minimalista.
A chef Roberta Sudbrack também comenta no caderno Ela Gourmet (do O Glodo de 14.02.15) o seu prato preferido: filé a cavalo. Eu acrescentaria a esse bife com dois “zoião” um arroz branco soltinho.
Percebo que a culinária “pirotécnica” não encontra mais eco universal, circunscrita, hoje, a redutos experimentais. Pessoalmente, acredito que esse experimentalismo procurou ofuscar o protagonismo do ovo frito “em berço” de arroz com feijão, permeados por bife, farofa e banana frita.
Não ouço mais pessoas desesperadas atrás de um novo restaurante que faz menus-degustação, com uma entradas etéreas que quase não chegam a ser servidas – apesar de pagas –, evaporando antes de chegar à mesa. Em seguida, um carpaccio de ouriço com espuma da sua própria ova. De principal, um salmão, filho de mãe da enseada de Botafogo e pai selvagem das águas profundas do Alasca, com fumaça das barbas da batata doce. De sobremesa…, melhor procurar uma padaria do outro lado da rua e pedir um farto pedaço de torta de côco, com leite de côco e raspas de côco. Se continuar com fome, mais um pedaço com o dinheirinho que sobrou do restaurante.
Outra onda é a vegan. Essa, não sei nem como começar. Assim como descobre-se hoje a multiplicação de pessoas que não podem comer glúten e lactose, acredito que eu tenha intolerância a vegan. Prefiro morrer com as veias entupidas de lardo di Colonnata, em fatias finas e aquecidas sobre um grande berço de pão italiano.
Adoro uma boa feijoada, apesar de dispensar pé, orelha, rabo e outras partes do esquartejamento suíno. Fico ali no lombinho, carne seca, costelinha, linguiça e paio. O caldinho de feijão e torresmo têm que chegar antes para acompanhar uma pinguinha de qualidade, amarela e envelhecida de preferência. Como estou 18 cm abaixo da minha altura ideal (parafraseando o autor grande amigo Walter Negrão), só posso investir bissextamente na feijoada, infelizmente, para não somar mais quilos aos atuais 120. Também não chego em qualquer cidade no exterior e pergunto “onde se encontra uma boa feijoada por aqui?”, depois de ter passado alguns meses sem comer uma no Brasil.
Gosto tanto de pimenta que pergunto: vamos comer pimenta com o quê hoje? Adoro uma carne seca com quibebe de abóbora; um empadão de qualquer coisa; pastel, empada e qualquer outro salgadinho e tira-gosto de botequim; uma carne assada com molho grosso; um bife rolê com baicon e cenoura; carne moída (o popular “boi ralado”) com ovo frito, arroz, feijão e banana; uma bela bacalhoada (como não sou muito de peixe, o bacalhau, para mim, é como se fosse um peixe do pasto); um ensopado de peito com inhame cozidos devagar…
Mas a minha cozinha preferida mesmo é a italiana. Preservada nas suas origens, tradições familiares e diversidade de temperos das diferentes regiões da Itália. Eles respeitam as suas tradições, na maior parte das vezes com recusa a qualquer concessão invencionista ou levada pelos hábitos distorcidos por nós, no Brasil.
Certa vez pedi em Positano uma costoletta di vitello alla parmegiana, sendo que coberta com molho de tomate e mussarela. A dublê de gerente e garçonete descartou a possibilidade, alegando que seria expulsa da cozinha se pedisse para colocar mussarela sobre o molho: “isso é invenção lá da Bolonha, mas aqui o parmegiana é só à milanesa com molho de tomate”, disse ela. “É que no Brasil se fazem algumas composições ao gosto do freguês”, ainda tentei. “Mas estamos na Itália e essa receita é da tataravó da família, e não do cliente”, ganhei de volta para aprender a só abrir a boca de novo para comer como viesse. E estava excepcional… e com o parmigiano ralado fartamente sobre o molho de tomate. Vai entender!… Mas num restaurante centenário de Firenze eu pedi o mesmo prato e veio… com a mozzarella. Sem eu pedir. Vai entender!… Estava aqui comprovado o embate entre tradição e regionalismo, mas cada um fazendo prevalecer as suas receitas nos seus domínios. E eu respeito.
Assim como os vinhos. Dizem os grandes bebedores que o 1º melhor vinho do mundo é o francês. O 2º, o francês. O 3º, idem. E depois vem o resto. Outro diz que todo bebedor de vinho termina a vida nos franceses.
Pois se eu morrer tomando só os italianos já estarei feliz da vida. E se der tempo, ainda peço um tagliolini al burro con tartufo bianco de extrema-unção. Auguri!
Ary Grandinetti Nogueira é formado em administração de empresas e trabalhou por 40 anos na TV Globo, onde implantou modelo de gestão e chefiou a área de Desenvolvimento Artístico.