O professor e historiador da UFF Vitor Manoel Marques da Fonseca, especialista em estudos sobre imigrações, deu dicas para quem deseja buscar informações sobre seus antepassados
Doutor em História, técnico do Arquivo Nacional e professor do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Federal Fluminense (UFF), o pesquisador Vitor Manoel Marques da Fonseca esteve em Belo Horizonte para participar do 8º Seminário da Imigração Italiana em Minas Gerais, que reuniu acadêmicos e pesquisadores de 28 de maio a 2 de junho, na Casa Fiat de Cultura, e teve o apoio da Comunità. Ele conversou com nossa reportagem sobre o fenômeno das imigrações no presente e no passado e o papel das associações de imigrantes italianos no Brasil. Ex-membro, em nível nacional, regional e internacional do Programa Memória do Mundo da Unesco, ocupou cargos diversos no Arquivo Nacional entre 1981 e 2016. É também membro do grupo de pesquisa E/Imigrações: histórias, culturas, trajetórias, do Núcleo de Estudos de Migrações, Identidades e Cidadania da UFF (Nemic) e do Conselho Internacional de Arquivos.
ComunitàItaliana — Por que, nos últimos anos, cresceu muito o interesse pela historia da imigração em geral?
Vitor Manoel Marques da Fonseca — O fenômeno das migrações é cada vez mais presente. O homem sempre se deslocou, principalmente por questões econômicas, mas o momento atual, em que a globalização econômica e cultural é muito forte, tem também sido marcado por forte deslocamento de pessoas que, muitas vezes, encontram grandes barreiras nesse processo. Isso dá uma especial relevância ao tema hoje.
Discutir a imigração em especial tem a ver com a busca de identidade para as sociedades: de onde viemos e como chegamos a ser o que somos. Indivíduos, famílias e sociedades precisam ter identidade e necessitam refletir sobre suas origens e a compreensão das migrações, no seio de cada país ou entre países.
CI — Por que, nas famílias, também cresceu muito o interesse pela descoberta de suas raízes?
VF — As razões são estruturais, assim como a busca geral por identidade, e conjunturais. No momento, em muitos países latino-americanos, inclusive o Brasil, a possibilidade de obter uma cidadania estrangeira significa pode emigrar e buscar uma vida melhor, tanto por razões econômicas quanto por qualidade de vida (por exemplo, segurança). Percebe-se a cidadania como uma herança dos antepassados, que se traduz na possibilidade de se obter vistos para países com condições econômicas e sociais consideradas mais favoráveis.
CI — Identidade brasileira e identidade italiana: como conciliar as duas na mesma pessoa?
VF — As identidades não necessariamente se excluem ou se opõem. Um brasileiro é, além de brasileiro, natural de um estado, de uma cidade, torcedor de um time ou profissional de uma dada categoria. Como cada um lida com suas várias identidades é algo de solução individual. É interessante, no entanto, observar que um brasileiro marcado pela origem italiana no Brasil pode ser, na Itália, um italiano marcado pela origem brasileira. Na verdade, a dupla identidade funciona como bagagem extra, que enriquece quem a tem e aqueles com quem este convive.
CI — Quais são as fontes mais confiáveis para as pesquisas sobre a imigração italiana no Brasil?
VF — A confiabilidade da fonte terá relação com o que se pretenda estudar. No entanto, para a busca de dados que permitam um pedido de nacionalidade ou para estudos gerais sobre imigração e emigração, com certeza, os mais confiáveis são os documentos oficiais, produzidos pela administração pública para controle social e para concessão de direitos. No caso do Brasil, são exemplos os documentos relacionados ao controle de fronteiras (entrada e saída de pessoas no país, pela polícia ou concessão de vistos, por representações diplomáticas), estabelecimento de colônias agrícolas, documentos de controle de estrangeiros no país (concessão de carteira de estrangeiro, pedidos de naturalização ou declaração de manutenção de nacionalidade), documentos de vida civil (certidões de casamento e óbito) etc. Há, em muitos arquivos e instituições assemelhadas, bases de dados e conjuntos documentais disponíveis para essas pesquisas. Muitas vezes a busca pode se iniciar na web.
CI — O que é possível encontrar no Arquivo Nacional e em outros arquivos brasileiros em relação à imigração italiana?
VF — Nos arquivos públicos, além da documentação pública oficial, existem, frequentemente, conjuntos de documentos de origem privada relacionados à imigração ou a imigrantes. No primeiro caso, predominam os documentos relacionados às suas vidas públicas, em quanto trabalhadores, imigrantes, e habitantes do país; no segundo, aparecem muitas vezes documentos relacionados às suas vidas privadas e íntimas, seus medos, seus receios, seus estranhamentos no novo país, seus laços com a pátria distante.
CI — O senhor já recebeu cartas ou mensagens interessantes ou curiosas ligadas a imigração italiana?
VF — Pessoalmente, por causa de minha relação com o tema e atividades profissionais, não tenho esse tipo de experiência. No entanto, como pessoa que trabalhou muito anos numa instituição arquivística pública, vi várias vezes usuários ficarem impressionados com a existência de dados sobre seus antepassados e, muitas vezes, surpresos por desconhecerem parcelas de suas histórias. A percepção de um laço entre a pessoa que buscava a informação e o antepassado distante, com o qual, muitas vezes, jamais teve contato, se evidencia claramente.
CI — Qual foi a importância e o papel das associações dos imigrantes, e em especial das associações dos italianos, na sociedade brasileira?
VF — As associações no início do século XX, todas elas, foram, a meu ver, uma forma das pessoas se organizarem para reclamarem e exercerem seus direitos civis. Numa época em que as pessoas não tinham direitos como trabalhadores, eram submetidos a extenuantes jornadas e não gozavam de nenhuma proteção social pelo Estado; elas se organizam em entidades participativas que lhes garantem voz na sociedade, concedem-lhe alguma proteção (auxílios e pensões), garantem recreação e ajuda legal. No caso das associações de imigrantes, inclusive daquelas italianas, uma das mais simbólicas ações era a ajuda funeral e o acompanhamento do féretro. Se pensarmos que a imigração era geralmente de homens sozinhos, que deixavam suas famílias ou que nem as tinham constituído quando emigravam… Esses favores mostravam, publicamente, que não eram pessoas sem laços, sozinhas e sem parentes, mas que pertenciam a um grupo, que os acompanhava na vida até o túmulo.
CI — Os associados se sentiam mais seguros…
VF — Era fundamental. Integrar uma entidade desse tipo dava aos associados uma sensação de pertencimento a um grupo, definia uma identidade e era o apoio para enfrentar as dificuldades da vida. No caso dos imigrantes, era uma maneira de recriar no lado de cá do Atlântico a pátria amada e, em alguns casos, até a aldeia ou a região natal. Na associação se fazia amigos, se estabeleciam laços e até se criavam casamentos. Do ponto de vista econômico e político, a associação muitas vezes colaborava nas dificuldades pessoais, como doença, velhice e prisão. Mediava a relação com os patrões e as autoridades e dava identidade social aos membros e ao grupo profissional ou nacional que pretendia representar.
CI — Poderia dar alguma sugestão para os nossos leitores que buscam informações sobre suas raízes?
VF — Assim como antes de qualquer viagem nos preparamos com malas e documentos, buscar documentação sobre nossos ascendentes supõe uma preparação prévia. Todas as informações podem ser úteis e devem ser buscadas junto às fontes disponíveis: documentos antigos, conversas com pessoas que os conheceram, fotos. Com base nisso, podemos ter elementos cronológicos e espaciais que nos permitam começar a busca. A todos, desejo sucesso!