A 22ª edição do Anima Mundi, considerado o maior evento de animação do Hemisfério Sul e um dos três mais importantes do mundo, contou com uma boa presença da Itália, que incluiu sete produções e três coproduções. A programação visual este ano foi assinada pelo brasileiro Ennio Torresan, diretor do departamento de histórias da DreamWorks, onde atuou em produções como Madagascar e Kung Fu Panda. Os filmes foram divididos em sessões não competitivas (Futuro Animador, Animador em Curso, Panorama, Olho Neles, Longas Panorama) e competitivas (Galeria, Portfólio, Longas-Metragens, Curtas-Metragens, Curtas Infantis), e avaliados por um júri profissional e um júri popular. Oficinas, palestras e cursos integraram a programação que começou no final de julho e terminou no início de agosto.
As exibições italianas puderam ser conferidas no Rio de Janeiro e em São Paulo, com a participação de autores como o animador independente Simone Massi, natural de Pergola, em Pesaro-Urbino. Ele estudou cinema de animação na Escola de Arte de Urbino e concebeu sozinho uma dúzia de pequenos filmes de animação, exibidos em 59 países de cinco continentes, além de ter conquistado mais de 200 prêmios em sua carreira. Em 2014, pelo terceiro ano consecutivo, Massi foi o responsável pela elaboração do pôster oficial da Mostra de Cinema de Veneza. O cartaz da 71ª edição do evento prestou um tributo ao filme Os incompreendidos (1959), de Truffaut. A cena escolhida pelo ilustrador foi a última, na qual o protagonista Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud) corre na praia em direção ao nada, olhando depois para a câmera que faz um zoom no rosto do jovem.
Para o Anima Mundi deste ano, Massi apresentou Venezia na categoria Portfólio. Mesmo sendo um trabalho feito por encomenda, ele nutre um carinho especial pelo curta de um minuto de duração
— Esta é a abertura que fiz para a Mostra Internacional de Cinema de Veneza. É uma animação bem breve, de apenas um minuto, claramente uma homenagem ao cinema, assim como ao tempo, um trabalho que sinto meu por inteiro — explica o autor.
Sua inspiração vem principalmente da memória de pequenas coisas, embora muito significativas.
— A inspiração vem daquilo que vi e senti e que, por alguma razão, permaneceu em minha memória. Não são lembranças importantes. Trata-se quase sempre de coisas pequenas, um olhar, um gesto da mão, uma meia palavra. As minhas influências são essencialmente duas: o cinema e a poesia de Cesare Pavese — contou à Comunità.
Autores reclamam da falta de financiamento e de apoio estrutural ao setor na Itália
Simone Massi fez uma avaliação do estágio atual da animação italiana:
— A animação italiana contemporânea está em contínua evolução. Abandonou a estrada do desenho animado cômico para aventurar-se no terreno da animação experimental. É seguramente marginal se comparada ao cinema italiano e também se comparada à animação de outros países. Além da quantidade de autores e de prêmios recebidos, temos que considerar outros fatores: na Itália não existe nenhum tipo de financiamento ou de estrutura de apoio. Nestas condições, é mais difícil fazer animação.
Outro italiano presente no evento brasileiro foi o florentino Virgilio Villoresi, de 34 anos. Influenciado pelos mais diversos tipos de movimentos e técnicas, e por artistas como Luis Buñuel, Man Ray, Paolo Gioli e Alberto Grifi, ele acabou se tornando um dos mais versáteis animadores da atualidade. O jovem italiano já filmou comerciais e peças publicitárias para a ONU, além de videoclipes para Vinicio Capossela e John Mayer. Ele, que atualmente vive e trabalha em Milão, apresentou dois trabalhos na categoria Portifólio: Smythson – 125 Years of Magical Gifts, curta de um minuto feito para a campanha de Natal da Smythson, marca britânica de carteiras e bolsas, onde foi empregada a técnica de “stop motion” e um show de mágica utilizou alguns dos produtos da empresa; e Walt Grace’s Submarine Test, January 1967, com a música de John Mayer como fundo musical e desenhos de Virginia Mori.
Técnica pré-cinema do século XIX é usada para animar desenhos
Para dar vida aos desenhos, Villoresi utilizou uma antiga técnica pré-cinema chamada “ombro cinema”, que consiste em animar desenhos a partir do jogo de sombra e luz, dando assim uma falsa sensação de movimento através do deslize entre o cartão de papel, no qual estão desenhados os frames da animação, e uma lâmina de plástico onde finas tiras pretas são impressas. A técnica caiu em desuso no século XIX com o advento da eletricidade. A captura do filme foi feita em live action e nenhuma pós-produção foi adicionada no trabalho final.
Também chamou atenção o trabalho do cineasta e ilustrador Rino Stefano Tagliafierro, estreante no festival. Baseado em Milão, ele conquistou seis prêmios pelo mundo em um único ano (2013). Formado pelo ISIA de Urbino e pelo Instituto IED-Europeu de Design, em Milão, lembra que o início de sua carreira se deu há 15 anos, ao realizar os primeiros experimentos com uma pequena câmera. Depois, iniciou estudos artísticos na seção gráfica em uma escola especializada. Começou, então, a realizar videoclipes e a colaborar com estúdios de vídeo e multimídias para produções interativas, onde teve a possibilidade de aprimorar suas técnicas. Já realizou vídeos para grandes artistas italianos e internacionais, como Fourtet, Stumbleine, Digitalism, Mobbing, Fabri Fibra, Big Fish, Morgan, Eva, Mario Venuti e Vittorio Cosma. Colaborou com o estúdio Bazzani para produzir vídeos de moda para o designer Antonio Marras e já recebeu prêmios internacionais em eventos como o Festival International du Film d’Animation d’Annecy 2012, o Ottawa International Animation Festival 2012, o Video Art & Experimental Film Festival Nova York e o Berlin Interfilm 2013.
Este ano, seu curta Beauty de 10 minutos foi exibido no Anima Mundi, ao longo do qual o diretor dá movimento a obras de mestres da pintura como Caravaggio, Botticcelli, Tiziano e Gustave Doré, com trilha sonora de Enrico Ascoli. Para realizar o curta, Stefano passou anos fazendo a curadoria de imagens para, em seguida, recriar as obras em softwares de foto e retoque e organizá-las com a técnica de cut out digital; em outro software de edição de imagens, deu movimento aos quadros. O filme coloca o telespectador no ambiente das pinturas históricas e, ao adicionar movimento às mesmas, o diretor lhes dá uma nova vida, fazendo com que se tornem mais aceitas pelo público atual.
— Beauty nasceu da exigência de colocar em cena as emoções fundamentais que cada pessoa encontra durante todo o percurso da vida, como nascimento, morte, amor, sexualidade, dor e medo. Dado que a arte sempre me despertou as emoções mais intensas, pensei que as escolhas das obras dos grandes seriam inevitáveis. Partindo de Caravaggio e Bouguereau, os meus preferidos, comecei a selecionar artistas com características similares a eles, escolhendo as obras-primas mais apropriadas para representar as emoções humanas — explicou Tagliafierro, que também lamenta a falta de apoio em seu país.
— Na Itália, infelizmente, a animação é considerada apenas para crianças. Muitos animadores são obrigados a trabalhar no exterior e suas obras não têm o mesmo reconhecimento do cinema — comentou, definindo a participação no Anina Mundi como “uma grande oportunidade” de fazer com que seu trabalho seja reconhecido.