Comunità Italiana

Togas vermelhas

{mosimage}Silvio Berlusconi acirra a guerra permanente que trava contra a Justiça, bombardeia juízes e procuradores que chama de “togas vermelhas comunistas” e indica seu possível sucessor político

‘‘Talibãs, associação de delinquentes, extremistas de esquerda, evasores”. Essas expressões não são parte de algum processo judiciário contra um bando de criminosos ou clã mafioso italiano: habitam o vocabulário usado por Silvio Berlusconi contra os juízes e procuradores que trabalham na miríade de processos no qual o premier é ou foi réu nos últimos anos. Para o primeiro-ministro, há duas décadas um grupo de juízes “de esquerda e comunistas” o persegue, tentando tirar do poder por via judiciária um governo eleito pelo povo. Berlusconi, que se define “o homem mais processado de toda a história da humanidade”, enfrenta atualmente quatro grandes ações judiciais, que viajam de corrupção de menores por conta do “Ruby Gate” à fraude fiscal e compra de testemunha.

A polêmica ganhou força em meados de abril, quando Milão amanheceu permeada por cartazes vermelhos com escritos em branco. A frase não poderia ser mais clara: “via le BR dalle procure” (“fora as Brigadas Vermelhas das procuradorias”). Os cartazes causaram indignação imediata em toda a oposição e constrangimentos dentro da maioria liderada por Popolo della Libertà e Lega Nord. Horas mais tarde, muitos cartazes já haviam sido rasgados por militantes de esquerda enquanto o entourage berlusconiano procurava manter distância da impressão feita, inicialmente, de forma anônima: os cartazes não eram assinados.

Na enésima tentativa de esfriar os ânimos e recolocar a política nacional nos trilhos, o presidente da República Giorgio Napolitano lançou um apelo com tons de puxão de orelha: “este tipo de provocação não é nobre. Se está tocando o limite de exasperações e degenerações perigosas”, declarou. O recado era claro: que se individuassem os autores da manifestação para evitar réplicas. O PDL não tardou a entender: na segunda-feira, 19 de abril, Roberto Lassini, candidato a conselheiro comunal do partido de Berlusconi à Prefeitura de Milão, alçou o dedo e assumiu a culpa. Em leitura pública de carta escrita de próprio punho, Lassini disse ser o único responsável pelos manifestos e declarou retirar seu nome da lista eleitoral, ficando longe da disputa política.

Nos programas de debate que todas as noites ocupam o horário nobre da TV italiana, oposição e situação partiram para o ataque. Para Lega e PDL, o fato de Lassini ter assumido publicamente a autoria solitária dos cartazes dava o caso como encerrado. Para Democratas e Finianos, a ação foi orquestrada e faz parte da estratégia de comunicação de Berlusconi para as eleições antecipadas que ainda giram como fantasmas perdidos pelos corredores do Palazzo Chigi. De fato, Berlusconi jamais usou a expressão “Brigadas Vermelhas” – grupos terroristas que atemorizaram a Itália nos anos de chumbo – para identificar os magistrados. Mas, em recente discurso, disse que os procuradores e juízes de Milão fazem “brigantaggio” nos tribunais. O PDL defende que seja mera questão de léxico; para o PD, é questão central.

Como pano de fundo da polêmica pública, há o projeto de lei sobre abreviar o tempo de processos, já aprovado na Câmara e que deve ser encaminhado ao Senado antes de passar pelos olhos de Giorgio Napolitano, última palavra antes da entrada em vigor da lei. Antigo desejo de Berlusconi, a lei restringiria o tempo de processos segundo a gravidade de cada um para evitar que se percam no buraco negro da burocracia italiana. Para a oposição, no entanto, ela serviria somente à parte ínfima dos casos em andamento mas, e sobretudo, a dois deles: os casos Mediaset e Mills. Ou seja: metade dos problemas judiciários de Berlusconi cairiam em prescrição.

O trabalho de lobby junto aos parlamentares foi feito sobretudo pelo Ministro da Justiça, Angelino Alfano, que recebeu afagos do chefe. Em declaração pública, Berlusconi disse que não concorrerá a novas eleições e que seu sucessor político seria o próprio Alfano. Ninguém parece ter acreditado, mas o texto da lei, aos olhos do patrão, levou nota 10. A julgar pelo elogio, 10 com estrelinhas.