Comunità Italiana

Torcida trocada

Entre os torcedores que se preparam para assistir aos jogos pela Copa das Confederações, há muitos italianos e brasileiros que, por amor, trocam de lado

Quem nasceu no Brasil torce pelo Brasil, quem nasceu na Itália torce pela Itália. Certo? Nem sempre. O jornalista e chefe de cozinha Silvio Lancellotti, concebido em Palermo, na Sicília, mas que veio ao mundo em São Vicente, São Paulo, tem jeito bem original de torcer. Quando uma das seleções está no ataque, torce pela outra para impedir que saia o gol.
— Faço sempre o tifo (torcida) pela defesa — explica Lancellotti, que fica com o coração dividido entre a terra em que nasceu e a de seus ancestrais.
Já o advogado e pesquisador de futebol Alexandre Gontijo nasceu no Brasil e mora no Rio, mas admite que não consegue torcer muito contra a Itália:
— Li vários livros em italiano. Tenho muitos amigos lá.
Ana Cristina Nazário, de Mesquita, cidade do estado do Rio, não esconde que prefere a Itália ao seu país em matéria de futebol:
— Só na Copa de 1970, quando era criança, torcia pela seleção brasileira. Desde a Copa de 1974, via as armações da antiga CBD e depois da CBF para chamar esse ou aquele jogador e torcia contra. Em 82, encantei-me com a Itália, que tinha ótima defesa, com Paolo Rossi no ataque para fazer os gols.  
Mas a preferência mais declarada pelo outro país é do italiano Marco Caccianiga, de 53 anos, nascido em Varese. Ao ser apresentado à música brasileira aos 13 anos, quando ganhou o disco Wave, foi amor ao primeiro acorde.
— Foi fulminante! Como Paulo no caminho de Damasco, sofro uma mutação quase genética! A bossa nova entra no meu DNA, escuto e torno a escutar o disco, toco continuamente, aperfeiçôo o meu estilo e aprofundo o discurso musical. De Jobim, passo para Vinícius de Moraes, Elis Regina, João Gilberto, ou seja, todos os grandes. A minha paixão pela terra do samba e do pandeiro se transforma em religião.

Mais que futebol, “um modo de viver e pensar”
Depois, ele descobriu a obra de Jorge Amado, que iria influenciar-lhe definitivamente o modo de ver e pensar a vida.
— Entre as contínuas lamentações de filósofos, pensadores e romancistas românticos, Amado me ajuda a combater o tédio mortal de autores sepulcrais do estilo de Goethe e Foscolo. A vida é Vadinho, Dona Flor, Cabo Martim, Vasco Moscoso de Aragão, capitão de longo curso, são os cabelos de Yemanjá no espelho do mar, os saveiros e os pastores da noite. Música, literatura e depois futebol.
Em seguida, claro, vem a paixão pelo “futebol bailado”.
— Mané Garrincha vira meu anjo da guarda. Um duplo passo de Ronaldinho não tem nada a invejar a uma composição de Villa-Lobos. Um desarme de Dunga é preciso e eficaz como uma descrição de João Guimarães Rosa. No futebol revejo os meus heróis musicais e literários. Torcer pelo Brasil é um modo de ser. Eu sou italiano até a medula, mas me sinto absolutamente verde-amarelo por personalidade, paixão, emoção, intensidade. Toco as percussões em um grupo de Varese, o Bossa Nova Project. Em Varese, todos conhecem a minha absoluta devoção pelo Brasil — conta o professor de Educação Física e responsável pela escola de futebol da Associação Esportiva Varese 1910, equipe que disputa o campeonato nacional da Série B e conta com alguns brasileiros, como o meia Filipe Gomes Ribeiro, carioca da escola do Vasco da Gama, e Leônidas de Souza Neto Pereira, atacante de General Carneiro.
Para Caccianiga, casado e pai de três filhos, os campeonatos mundiais de futebol são uma espécie de “missa”. Ele não tem dúvidas sobre para quem vai torcer durante a Copa das Confederações.
— A “santa” da minha esposa suporta com condescendência quando convido à minha casa, a Catedral do Samba, os meus amigos brasileiros para ver os jogos. Garanto que parece um sambódromo. E se há Brasil x Itália, bem, eu torço pelo Brasil! Porque para mim não é só um chute na bola, é um modo de ser, de viver e de pensar.