Para a diretora de casting Valeria Miranda, que vem ao Brasil para uma série de conferências, o profissional responsável pela seleção de elenco de um filme, apesar de desenvolver um trabalho importante, ainda é pouco conhecido pelo público em geral
Escolhida pelo Ministério das Relações Exteriores da Itália como protagonista no Brasil da iniciativa Fare Cinema, que este ano é dedicada às profissões do cinema, a italiana Valeria Miranda realiza uma série de conferências em que explicará o seu trabalho de diretora de casting. Entre 20 e 24 de maio, ela tem encontro marcado com estudantes das escolas de cinema em quatro cidades brasileiras.
A iniciativa é organizada no Brasil pelo Instituto Italiano de Cultura do Rio de Janeiro e de São Paulo, bem como a Embaixada da Itália e o Consulado de Belo Horizonte.
— Espero ver muita curiosidade por parte dos estudantes porque talvez haja muitos deles que estudam cinema, pensando em se tornar diretores ou roteiristas, e possam até considerar uma nova opção. Acho que ser diretor de casting é realmente um trabalho bonito. Por um lado, é um pouco pesado em nível psicológico, pois exige muito jogo de cintura, mas é um trabalho lindíssimo! Trabalhar com os atores é muito profundo e muito humano — resume à Comunità Miranda, que conhece muito bem o Brasil e é um dos seus países favoritos, principalmente pela cultura e pela música.
Atualmente, na Itália, o diretor de seleção de elenco é uma figura fundamental em qualquer filme, porém nem sempre foi assim. Até os anos 1990 a realidade era bem diferente porque quem se ocupava da seleção dos atores era o ajudante do diretor.
— A seleção durava muito mais e ele não tinha as competências específicas como as dos diretores de casting que só trabalham nisso. O nosso trabalho é conhecer os atores, estar atualizados sobre o que eles fazem e descobri-los — explica a italiana, que vai ao teatro todas as semanas, assiste a todos os filmes em cartaz e também visita as escolas de atuação para ver os atores que estão se formando.
O diretor de casting é uma figura muito próxima ao diretor. Por isso, o título que Miranda deu as suas palestras não é um caso: Dar as caras.
— Somos nós que damos as caras às ideias do diretor. O diretor estabelece uma linha artística daquilo que quer representar no filme, depois depende da nossa sensibilidade e também do intercâmbio com o diretor para torná-lo realidade — conta Miranda, originária de Nápoles e residente em Roma.
O diretor de casting se ocupa de selecionar todos os papéis do filme, excluindo os figurantes.
— O meu trabalho nasce antes dos outros departamentos. Eu vejo nascer os filmes. Os primeiros passos são dados através do diretor de casting, porém, quando iniciam as gravações, o meu trabalho termina e muitas vezes o diretor de casting é esquecido. É um trabalho muito delicado e de grande responsabilidade porque direcionamos o diretor para algumas escolhas e a escolha errada de um ator significaria levar o filme para outra direção. Imagina um filme famoso estrelado por outros atores. Seria outro filme — analisa.
A difícil arte da mediação entre o diretor e o produtor
Uma das caraterísticas dessa figura profissional é saber fazer a mediação entre a visão artística do diretor e a visão prática do produtor. Muitas vezes, o produtor prefere atores já conhecidos, pois esse fator convida a assistir ao filme.
— Uma das dificuldades é que às vezes o diretor imagina coisas grandes, sem restrições orçamentárias. Nesse caso é necessário colocá-lo em uma perspectiva mais concreta para realizar o filme — afirma.
Outro desafio da profissão é a relação com os diretores, constata.
— Algumas vezes, as nossas ideias lhe parecem estranhas, diferentes daquilo que eles pensavam, mas muitas vezes abrem novas interpretações que eles não tinham considerado antes — comenta.
No Brasil ela falará sobre o seu trabalho no filme A garota na névoa,de Donato Carrisi, ganhador do prêmio David di Donatello como diretor estreante, após a projeção do longa que tem como ator protagonista o renomado ator Toni Servillo e o famoso francês Jean Reno. De acordo com Miranda, além de ter um ótimo roteiro, a presença de atores internacionalmente reconhecidos foi um ponto de força para o filme.
— Talvez com um ator menos conhecido teria sido mais difícil alcançar um público tão grande, pois o filme arrecadou muito e foi apreciado pelos críticos: duas coisas importantes em um filme. Isso conseguiu colocar em acordo tanto diretor quanto o produtor — revela.
Carrisi era já famoso como escritor, porém era a primeira vez que estreava no cinema com um roteiro baseado num dos seus livros. A escolha de Servillo foi natural tanto para a diretora do casting quanto para o diretor, pois ambos pensaram que o papel fosse perfeito para o ator. Ao ser perguntada se foi difícil convencer Servillo, Miranda diz que não, porque o roteiro era ótimo e isso o convenceu.
— Ele é um ator de teatro. Quando leu um roteiro tão bem escrito, se apaixonou e topou — diz, revelando que, uma semana após a entrega do roteiro, o agente de Servillo a chamou para aceitar a proposta. Para ela, a base de tudo é o roteiro: se é forte, os atores aceitam. O problema é convencer um ator quando o roteiro tem algumas lacunas ou é um pouco fraco.
A escolha dos atores pode mudar um filme
A parte mais importante para o diretor de casting é a seleção dos atores, pois é necessário escolher as pessoas corretas para o papel. Por isso, Miranda compara o seu trabalho ao de um psicólogo. O diretor de casting está em constante contato com os atores e também com os seus agentes, que agem como intermediários. A primeira seleção dos atores é feita por ela e os seus colaboradores, baseada nas indicações do diretor. De 50 candidatos, são selecionados quatro ou cinco. Depois, inicia-se a segunda fase do trabalho, chamada call back, em que o ator interpreta cenas mais difíceis. Os primeiros a serem escolhidos são os protagonistas; em seguida, se cria o mosaico dos atores em torno.
Apesar do difícil e intenso trabalho desenvolvido, os diretores de casting não são muito reconhecidos nem na Itália nem na Europa. Miranda faz parte da associação recém-criada Unione Italiana Casting Director (UICD), que apoia a importância do profissional para a realização de um filme.
— É uma figura pouco conhecida, que fica nos bastidores. Existem prêmios para figurinista, diretor de fotografia, cenógrafo, mas não para diretor de casting — critica a italiana, comparando-se aos seus colegas nos Estados Unidos, onde são mais valorizados e administram até uma verba para a seleção dos atores.
Antes de embarcar para o Brasil, Miranda terminou a seleção do elenco de outro filme de Carrisi, O homem no labirinto, com Toni Servillo e o premiado ator norte-americano Dustin Hoffman.
— Ver dois ícones do cinema trabalharem juntos foi uma grande emoção. Trabalharam com simplicidade, grande humanidade e grande modéstia. Isso faz perceber como as pessoas são grandes e não precisam provar isso — diz a diretora.
A diretora também trabalhou para a série de três temporadas 1992, 1993 e 1994, sobre a Operação Mãos Limpas.
— Encontrar atores que interpretem políticos ainda vivos para o meu trabalho é a parte mais difícil porque não sou completamente livre de escolher um ator. É preciso considerar a parte física. Deve ser um ator que lembre o personagem — comenta a diretora.
Questionada sobre o atual cinema italiano, ela considera que há mais opções, de vários gêneros.
— A comédia não basta. Hoje o público quer qualidade. Do contrário, não vai ao cinema e fica em casa assistindo Netflix ou Sky. As coisas estão mudando, vejo pelos filmes que me propõem, há mais thriller, horror, noir, que não se faziam na Itália. Acredito que, daqui a cinco ou seis anos, haverá outro cinema italiano. Os diretores italianos estão trazendo de volta a honra que a Itália tinha no cinema e que por alguns anos tinha perdido — avalia Miranda.null
Conferências no Brasil da diretora de casting Valeria Miranda
Exibição do filme A Garota na Névoa e depois bate-papo com Valeria Miranda
20 de maio em Brasília no Cine Brasília às 19h
21 de maio em Belo Horizonte na Escola de Belas Artes da UFMG às 18h30
22 de maio no Rio de Janeiro na Escola de Cinema Darcy Ribeiro às 17h
23 de maio em São Paulo no Instituto de Cinema às 15h30
24 de maio em São Paulo no Instituto de Cinema às 19h30 projeção do filme A juventude e bate-papo Valeria Miranda e o diretor Paulo Morelli