Comunità Italiana

Tudo se transforma

“Se uma batata pode se transformar em trufa, então, tudo na cozinhaé possível. Essa esperança é necessária nos dias de hoje”

{mosimage}A sustentabilidade deixou de ser um assunto referente somente à preocupação com os problemas ambientais. Num momentoem que o planeta pede atenção, atualmente, mestres da gastronomia se unem para avaliar o que esta área pode fazer para contribuire não haver desperdícios.

 

Partindo do princípio da Lei de Lavoisier onde “na natureza nada se perde, tudo se transforma”, os chefs vão pelo mesmo caminho na cozinha. Ícones italianos como Massimo Bottura, da Osteria Franciscana(Bolonha); Ricardo Carelli, da Escola Alma (Colorno) e Carlo Petrini, o jornalista que criou o movimento Slow Food, são alguns dos que têm se preocupado em discutir um caminho para a gastronomia sustentável.

— A ideia é a de que, com a vontade e o pensamento, a matéria-prima possa se reinventar. Estou falando de humildade, de coisas comuns que, no fundo, se olharmos com atenção, são extremamente interessantes e cheias de significado — afirma Bottura, um dos chefs italianos mais badalados, famoso pelas releituras de pratos tradicionais da cozinha da “mamma”.

Para ele, o trabalho na cozinha tem constantes transformações e o respeito à tradição é fundamental para bons resultados .

— Os pratos também falam dos sonhos e esperança: se uma batata pode se transformar em trufa, então, tudo na cozinha é possível. Essa esperança é necessária nos dias de hoje, e também na cozinha e na vida. Porque nunca é tarde demais, tudo ainda é possível — acredita.

Seu restaurante, o Osteria Francescana, aberto em 1995 em Modena, tem duas estrelas do conceituado Guia Michelin, que avalia os melhores restaurantes do mundo. Além deste reconhecimento, Bottura conta com uma extensa lista de premiações e menções em publicações especializadas em gastronomia.

O jornalista Carlo Petrini também tem aberto os olhos de muitas pessoas sobre o atual sistema alimentar mundial e como formas mais sustentáveis de se lidar com a comida podem evitar a destruição do planeta.

— Os elementos desse colapso são evidentes: a perda da fertilidade do solo e o uso de produtos químicos nas plantações. Isso está provocando um desastre social —avalia. Para Petrini é preciso ter uma visão mais holística da gastronomia e não somente pela ótica industrial — Não é a gastronomia que tem que salvar o mundo, é o mundo que vaisalvar a gastronomia — ressalta.

Assim como Massimo Bottura, Petrini prefere definir a cozinha como uma linguagem em constante transformação.

— O italiano que falo não é o que se falava há 100 anos. Assim, acozinha também, que é uma forma de expressão, está em constante mutação. No entanto, para mudar,é importante ter memória. Se você precisa chegar a um lugar, você deve saber de onde vem — diz.

O Slow Food segue o conceito da ecogastronomia, conjugando o prazer e a alimentação com consciência e responsabilidade, reconhecendo asfortes conexões entre o prato e o planeta. Criador do movimento — uma associação internacional sem fins lucrativos fundada em 1989 como resposta aos efeitos padronizantes do fast food — , Petrini afirma que quando esta ideia surgiu, estava escrito“movimento internacional pelaproteção e o direito ao prazer’.

— Acredito que, neste momento histórico, este seja um direito fundamentalda humanidade. O prazer em direção ao belo e ao bom – na língua hebraica, o “belo” e o “bom” são uma só palavra. Se nossos avós batalharam pelo voto universal ou pelo direito às oito horas de trabalho,nossa batalha social e políticamais importante é o direito ao beloe ao bom para todos — reflete.

Recentemente, os chefes mais engajados com a sustentabilidade, incluindo Bottura e Ricardo Carelli, além do jornalista Petrini, vieram ao Brasil para discutir e criar um documento de compromisso mundialde mudanças de parâmetrose condutas. Batizada de Carta SãoPaulo, o tratado visa que os profissionaisda área se comprometam trabalhar para melhorar o planeta. Eles estiveram presentes durante um evento promovido pela revista Prazeres da Mesa e pelo Senac SãoPaulo, em outubro, que recebeu cerca de 10 mil visitantes. A julgar pela empolgação dos porta-vozes da cozinha mundial, a mudança de rumoe de comportamento dos chefs em direção a uma gastronomia mais sustentável já está em curso.